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MICHELANGELO DI LODOVICO BUONARROTI SIMON - o DIVINO
Figura 15.1 . Pietà Palestrina . 1555 . Miguel Ângelo |
Falar de um dos grandes arquitectos do Maneirismo, Miguel Ângelo, também pintor e escultor não é fácil. Foi dos maiores que o Mundo jamais viu, activo desde os finais do século XV até à sua morte, em meados do século XVI, com quase 89 anos. Começo não com uma obra de arquitectura, mas com uma escultura, uma das suas Pietà (figura 15.1). Esta, Pietà Palestrina, é de um realismo e de uma humanidade confrangedores, que o não acabado da peça ainda mais sublima (há controvérsia sobre quem tenha acabado a escultura, se Bernini ou se Menghini).
Em 1521 começou a edificar-se a Sacristia Nova de São Lourenço (figura 15.2), encomenda de Leão X e sugestão do futuro Papa Clemente VII, para mausoléu da recém-nobilitada família Medici.
A Sacristia/capela destinava-se a quatro Medici: Lourenço, o Magnífico e a Giuliano, seu irmão, e também a Lourenço, Duque de Urbino e Giuliano, Duque de Nemours.
Figura 15.2 . Sacristia Nova . São Lourenço . Florença . 1521/34 . Miguel Ângelo |
Este espaço é considerado como uma das obras-primas da Arquitectura de todos os tempos, assim como as duas estátuas alusivas aos duques, assim como também as quatro estátuas reclinadas sobre as rampantes curvas que se sobrepõem aos dois túmulos. Sobre o de Lourenço (figura 15.3, à esquerda), Duque de Urbino, pousam o Crepúsculo e a Aurora, sobre o de Giuliano, Duque de Nemours (figura 15.3, à direita), pousam a Noite e o Dia.
Miguel Ângelo representa as quatro fases do dia, assim esculpidas.
Figura 15.3 . Túmulo do Duque de Urbino e túmulo do Duque de Nemours . Crepúsculo e Aurora . Noite e Dia Miguel Ângelo |
Para além das notáveis esculturas dos homenageados e da “licença das fases do dia se recostarem” por cima de rampantes, Miguel Ângelo também “esculpe” as paredes dividindo-as em três tramos separados por pilastras, a b a, com as figuras enquadradas nos tramos b, em nichos rectangulares, e as edículas laterais, os tramos a, sobrepostas por frontões curvos apoiados em mísulas (figura 15.4).
Figura 15.4 . parede de topo da Sacristia Nova . Miguel Ângelo |
Sobre estes três tramos da parede sobrepõe-se um entablamento de arquitrave saliente como uma cornija, friso alto e uma cornija em pietra serena, cinzento escura, fazendo contraste com o mármore claro das esculturas e parede (figura 15.4), tal como o interior da igreja. Esta arquitrave faz parte do entablamento que coroa as quatro paredes que perfazem o perímetro. O friso deste entablamento é uma faixa lisa e branca, coroada por uma cornija de pietra serena. Não é de excluir-se a hipótese de Miguel Ângelo ter seguido a mesma concepção bi-cromática de Brunelleschi. Por cima, desenvolve-se um ático-piso, divido em três tramos, a b a, sendo os a mais estreitos e abrindo-se em janelas com uma configuração de exterior. Janelas rectangulares, “ajoelhadas” e rematadas por forte frontão triangular. Estes três tramos são divididos por pilastras, também coríntias como as do piso inferior, sendo o tramo intermédio dividido em duas partes resultantes de num primeiro nível se abrir um arco que se apoia na cornija do entablamento, e a parte de cima, entre o extradorso do arco e a cornija que remata as paredes, se mostrar uma parede com ressaltos que parecem denunciar uma hipotética estruturação. Acima desta cornija, e sobre as quatro paredes desenham-se quatro arcos, que se tocam nos arranques, e que constituem os suportes para as trompas que sustentam a cúpula (figura 15.5).
Figura 15.5 . Cúpula da Sacristia Nova . Florença . Miguel Ângelo |
Nestas quatro paredes de superfície em semicírculo, rasga-se, em cada uma, uma janela, também com a feição de exterior, coroada com frontão curvo, mas com uma característica muito sui generis: as ombreiras estreitam-se, à medida que se aproximam da padieira, numa clara interpretação de um trompe l’oeil, tridimensional, fazendo aumentar a leitura da altura das janelas, como mostra a figura 15.6.
Figura 15.6 . Janela em trompe l'oeil das paredes da cúpula da Sacristia Nova . Miguel Ângelo |
Esta sacristia/capela, implantada no topo do transepto da Epístola, de São Lourenço, tem a mesma dimensão da Sacristia Velha, de Brunelleschi, aposta ao topo do transepto do Evangelho, no mesmo complexo.
Outra das obras incomparáveis que nos legou Miguel Ângelo também se encontra neste complexo conventual: a Biblioteca Medicea de São Lourenço, onde uma magnífica sala de leitura (figura 15.7) proporciona um ambiente de estudo e meditação; uma obra-prima sem paralelo.
Figura 15.7 . Sala de leitura da Biblioteca Laurenciana . 1523/25 . Florença . Miguel Ângelo |
Mas o projecto da Biblioteca nunca chegou a seu termo, dado que ficou por edificar o terceiro elemento que seria a sala que Miguel Ângelo previu, de planta triangular, conforme o desenho 15.8 mostra, em todo o seu arrojado traçado. Esta sala triangular, bastante fora do comum, seria destinada ao depósito de livros raros.
Figura 15.8 . Sala dos livros raros (projecto) . Biblioteca Laurenciana . Miguel Ângelo |
Figura 15.9 . Vista do átrio da Biblioteca Laurenciana . 1523/25 . Florença . Miguel Ângelo |
Desde o início que Miguel Ângelo sabia que a entrada a realizar-se neste espaço estaria fortemente condicionado e somente se poderia fazer de lado e não axialmente, como parece indicar a intenção de projecto. Portanto, a partir do claustro do Convento, depois de se entrar neste átrio, do lado esquerdo, aparece esta escadaria tripla que a 2/3 da sua extensão se reúne numa única. Para quem sobe por um dos lances laterais terá que ter em atenção porque não há qualquer espécie de patamar no lance central para nele se transferir a ascensão iniciada; apenas um degrau, a 90º, e há apenas que se tomar atenção para não se pisar no degrau errado! Miguel Ângelo cria um espaço arquitectónico independente unicamente para conter uma escadaria e nada mais (figura 15.9).
É um verdadeiro luxo quer arquitectural, quer arquitectónico!
As paredes deste espaço constituem um dos momentos arquitectónicos mais sublimes do maneirismo, onde se glosam os elementos arquitectónicos de um modo, ou seja, de uma maneira verdadeiramente extravagante, verdadeiramente surreal se atendermos aos significados dos elementos construtivos estruturantes! As colunas, sendo consabidamente elementos de estruturação vertical, apresentam-se aqui geminadas e colocadas em nichos, alternando com tramos de paredes contendo janelas, cegas, de ombreiras trapezoidais, querendo negar as respectivas alturas com o recurso a um efeito trompe l’oeil (figura 15.10), no sentido de quem entra, as achar mais baixas. Os frontões são alternadamente curvos e triangulares. Por cima de cada uma das janela inserem-se outras, quase quadradas, também cegas, rematando-as uma guirlanda, em vez de frontões. Elementos vegetalistas em vez de estruturas pétreas próprias de frontões.
Figura 15.10 . Átrio de entrada para a Biblioteca Laurenciana . 1523/25 . Florença . Miguel Ângelo |
As colunas assentam sobre uma cornija que remata o "estilóbata" e, por baixo de cada coluna, desenvolve-se uma mísula. A coluna, suporte vertical por excelência, é "emparedada e encaixada". Semelhante “incoerência” estruturante é difícil de se perceber.
Só mesmo um espírito maneirista para transformar uma estrutura porticada em estrutura maciça!
Nunca pude deixar de associar o “aprisionamento” das colunas à agonia dos escravos que Miguel Ângelo esculpiu – e eu manipulei, na direcção horizontal -- como exemplifico na figura 15.11.
Figura 15.11 . Composição de imagem do Vestíbulo da Biblioteca com os Escravos moribundos . 1513 (ca.) Miguel Ângelo |
Figura 15.12. Projecto para a fachada de São Lourenço . 1515 . Florença . Miguel Ângelo |
Antes de deixarmos o complexo de São Lourenço, um apontamento sobre a sua fachada, já anteriormente referida como tendo sido objecto de um concurso para a sua execução.
Dadas as maravilhas técnicas, hoje possíveis, eis uma mostra da provável “realidade” (figura 15.12) miguelangelesca, datada de 1515, quando o arquitecto a apresentou a Leão X.
Figura 15.13 . Abside e lado do Evangelho da Basílica de São Pedro . Miguel Ângelo |
A fachada tardoz da Basílica, desenho de Miguel Ângelo (figura 15.13), aparenta uma simplicidade extrema: apenas um estrato e um ático-piso. No entanto, passemos a analisá-la: toda a superfície que acompanha os lados do Evangelho e da Epístola, bem como o topo da abside e, ainda, os vértices rectos, que separam os extremos do transepto da abside, alternam num ritmo a b a. A separação entre tramos é feita à custa de pilastras duplas sobrepostas a lesenas, e as mudanças de direcção reentrantes têm pilastras sobrepostas triplicadamente. Os tramos a têm três aberturas, em arco, sobrepostas, sendo as de baixo fechadas, como nichos. As de cima, abertas, têm uma guarda de pedra, transformando-as assim em sacadas. Os tramos b denunciam dois pisos, sendo as janelas de baixo fechadas. As molduras destas janelas são de elaboração extremamente requintada, assentando os frontões das janelas de baixo sobre mísulas que se sobressalientam às ombreiras, e sendo as aberturas de cima sacadas, com guardas de pedra semelhante às das dos tramos a. Os frontões destas janelas são alternadamente, nos tramos b, triangulares e curvos. No ático-piso, e nos tramos b abrem-se janelas rectangulares, deitadas, coroadas por cornija interferida por óculo oval, também deitado, e por mísulas descarregando sobre as ombreiras. Os tramos a deste ático mimetizam as pequenas janelas/nichos dos panos inferiores. Todo o perímetro assenta sobre uma espécie de estilóbata, baixo, e a parede remata sob um entablamento fortíssimo, correspondendo à ordem coríntia. Sobre esta, um ático portentoso, com um remate superior reduzido ao mínimo, reproduzindo o perfil dos capitéis das pilastras.
a seguir (9MAI19):
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Miguel Ângelo (conclusão)
JACOPO SANSOVINO - Dois Palácios Venezianos e a simetria implícita