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19DEZ19 
Pietro da Cortona - II Parte

De 1658 a 1662, é encomendada a Pietro da Cortona a fachada de Santa Maria in Via Lata. Numa rua sem grande amplitude para poder utilizar formas protuberantes, escolhe fazer uma fachada plana, com a parte central ligeiramente salientando-se às partes laterais. Faz uma fachada tridimensional, constituindo-se como um bloco quase autónomo, com um espaço entre a "fachada exterior" e a "fachada interior". Pelo exterior (figura 32.1) podemos dizer que há uma certa duplicação de tramos: a b a, na forma genérica em que os a são estreitos e contidos entre pilastras e o b contém cinco tramos, num crescendo até ao central. Assim, poderíamos dizer que o tramo b se divide em b' b'' b''' b'' b', tanto no primeiro como no segundo estrato.
Estes dois estratos são separados por um entablamento de cornija bastante saliente e sobre a qual assenta um ático dado sobre o qual assenta o segundo estrato que, tal como o primeiro, se divide no mesmo número e qualidade de tramos.
Figura 32.1 . Igreja de Santa Maria in Via Lata . Fachada principal . Roma . 1658/1662
Pietro da Cortona
O remate superior desta fachada é deveras curioso (figura 32.2). O entablamento que se sobrepõe parece fazer uma simbiose, não se distinguido claramente os seus três habituais componentes. Para além disso, entre as duas colunas do meio que perfazem o tramo b''', o entablamento transforma-se em arco, resultando como uma serliana a que se tivessem acrescentado mais dois tramos rectos de cada lado do arco.
Figura 32.2 . Igreja de Santa Maria in Via Lata . Fachada principal - pormenor . Roma . 1658/1662
Pietro da Cortona
Esta "serliana", composta, é encimada por um frontão triangular com as rampantes com modinaturas paralelas. Mais uma vez da Cortona utiliza colunas e pilastras numa sucessão de justaposições e sobreposições.
Figura 32.3 . Igreja de Santa Maria in Via Lata . Fachada principal - pormenor doentablamento superior
Roma . 1658/1662 . Pietro da Cortona
A figura 32.3 mostra bem o detalhe construtivo e alusivo do manuseamento das ordens clássicas pela mão de Pietro da Cortona: os capitéis compósitos quase não se distinguindo da ordem coríntia, quer pelo desenvolvimento das volutas, quer pela ténue separação entre folhagem e astragalo com óvulos, quer ainda pela delicadeza com que desenha os ábacos; ainda as nervuras com que marca a arquitrave, as nervuras ainda mais diáfanas com que decora o friso e, finalmente, a delicadeza da cornija, ainda que esta seja algo projectante.

A fachada é, de facto, um desenho não convencional ou não expectado, dada a sua originalidade como também demonstra Pietro da Cortona grande originalidade no pronau (parte amarelada da figura 32.4) que desenhou. É uma "câmara" estreita e comprida, um rectângulo com os lados pequenos em meio-círculo ou, se preferirmos tridimensionalizar este espaço, poderemos descrevê-lo como um paralelepípedo cujos lados menores são meios cilindros, como bem mostra a figura 32.5. O tecto compõe-se de uma abóbada de berço rematada por meias cúpulas esféricas.
Figura 32.4. Igreja de Santa Maria in Via Lata . "pronau" - pormenor da parte superior . Roma . 1658/1662
Pietro da Cortona
A superfície da abóbada é revestida com octógonos salientes que alternam com quadrados e as semi-cúpulas são revestidas por aduelas longitudinais e transversais.
Figura 32.5. Igreja de Santa Maria in Via Lata . "pronau" - pormenor dos cantos
Roma . 1658/1662 . Pietro da Cortona
Nesta imagem 32.5 pode notar-se a composição a duas escalas que da Cortona imprime a este vestíbulo. As colunas coríntias são bastante "efusivas" na sua folhagem, fazendo a justa contraposição ao entablamento que envolve o meio-cilindro onde a porta e a janela nos reportam à escala humana.

Uma das última obras de arquitectura de da Cortona foi a cúpula de San Carlo al Corso, em Roma. O tambor é constituído pela acumulação de pilastras e colunas, como vinha sendo o hábito de da Cortona. Com efeito, as partes resistentes compõem-se de três pilastras sobrepostas sobre as quais e na direcção das quais se desenham os contrafortes, também em três aduelas sobrepostas (figura 32.6). Nos intervalos, abrem-se as janelas do tambor ladeadas por colunas da mesma ordem das pilastras.
Figura 32.6 . Cúpula de San Carlo al Corso . 1668 . Roma . Pietro da Cortona
O entablamento segue o perímetro das sobreposições das pilastras, ainda que seja bastante simplificado nos seus três componentes. O perímetro desenvolve-se em círculo e, imediatamente acima da arquitrave, desenha-se um ático/piso, de janelas ovais sob uma cornija triangular mas que, entre as janelas, acompanha as excrescências e se mantém recta, paralela à cornija. O lanternim é envolto por oito volutas contra-curvadas que sustentam o lanternim.
O interior da cúpula (figura 32.7) também é digno de registo. Os suportes do tambor traduzem a "intranquilidade do exterior, conforme a figura demonstra. Com efeito, o tambor é sustentado por pilastras sobrepostas que alternam com colunas que emolduram as janelas.
Figura 32.7 . Interior da cúpula de San Carlo al Corso . 1668 . Roma . Pietro da Cortona
Coroam este cilindro de penetração de luz uma cornija arquitravada dourada sobre a qual repousa a superfície parabólica com os seus oito raios que, apoiando-se nas pilastras, se juntam num círculo que suporta o lanternim.

A figura 32.8 permite verificar o "caminho" andado por da Cortona, através, também, do desenho de duas cúpulas separadas por cerca de duas décadas. A primeira, já mostrada na figura 31.12, é a da Igreja Santi Martina e Luca, também em RomaA cúpula de San Carlo al Corso parece ter sido a resultante de uma estilização da cúpula de Santi Martina e Luca. O tambor, na primeira, tinha os seus oito tramos separados por pilastras de pouca espessura mas fortemente espessadas no topo, quase parecendo mísulas. As janelas rasgavam-se "naturalmente"  e rematadas por frontões triangulares como numa parede.

Por cima da cornija arquitravada erguem-se os frontões curvos que poderiam sugerir a abertura de óculos, tal a dimensão. As aduelas, marcando a continuação da estruturação vertical do tambor, viriam a ser repercutidas por outros arquitectos.
Figura 32.8 . Cúpulas de Santi Martina e Luca e de San Carlo al Corso . Roma . Pietro da Cortona
Na segunda cúpula, parece que Pietro da Cortona sublimou os diferentes componentes e produziu uma das cúpulas mais requintadas da História do Barroco. Assim, as paredes do tambor reduzem-se quase que somente às molduras das janelas, rectangulares e esguias. Os suportes verticais traduzem-se em pilastras, cada uma apondo-se a duas gémeas. Geminadas também a estas pilastras extremas, dispõem-se colunas. Pilastras e colunas sustentam o entablamento, nas suas três componentes estriadas, como da Cortona costumava usar. Acima da cornija assenta um ático-piso, muito baixo, que se abre em óculos ovais encimados por frontões triangulares que se unem através de uma subtil cornija dupla que se une aos troços rectos correspondentes às pilastras. Resumindo, poderia pensar-se que os frontões curvos reduziram-se em altura e abriram-se. Não deixa de ser também curioso que as volutas verticais do lanternim da cúpula de San Carlo parecem ter-se desenvolvido em altura permitindo maior e melhor iluminação para o interior.

Enquanto pintor teve obra de relevo, entre as quais o famoso quadro "O Rapto das Sabinas", de finais dos anos 20 (figura 32.9). Este tema foi de extrema popularidade desde o Renascimento. E no Barroco também, com a obra de Bernini, como veremos.

Figura 32.9 . "O Rapto das Sabinas . Pietro da Cortona
São também famosos os frescos do Palácio Pitti, de Florença, como, por exemplo, a Sala de Marte (figura 32.10).
Figura 32.10. Sala de Marte - tecto . Palácio Pitti . Florença . Pietro da Cortona
ou a Sala de Apolo (figura 32.11), de 1647, onde além da pintura a fresco, propriamente dita, ainda se podem contemplar os estuques que também emolduram os tectos das outras salas da sua autoria.
Figura 32.11. Sala de Apolo - tecto . 1647 . Palácio Pitti . Florença . Pietro da Cortona
Ainda antes de terminar a obra arquitectónica de da Cortona, pode contemplar-se a sua proposta para o alçado nascente do Palácio do Louvre (figura 32.12), em Paris, obra para a qual concorreu também Gian Lorenzo Bernini. 
Figura 32.12. Fachada Nascente para o Palácio do Louvre (proposta concursante) . Paris . Pietro da Cortona
Este desenho esteve muito tempo nos arquivos do Museu do Louvre, tendo sido descoberto há relativamente pouco tempo, tendo-lhe sido atribuída a sua autoria.
Somente sabendo-se de quem foi o projecto se acreditará. Na verdade, depois dos alçados tão caprichados no manuseamento das ordens tectónicas, na excelência das composições se poderá admitir que Pitero da Cortona tenha desenhado esta proposta que, como é suposto, teria sido um "compromisso" assumido para agradar ao gosto francês.
Mas, tanto quanto a deficiente definição possa revelar (figura 32.13), as pilastras triplas, ou colunas, separando os três vãos centrais e o jogo entre a serliana frontal e das falsas serlianas, que a ladeiam, poderiam ser da autoria de Pietro da Cortona.
Figura 32.13. Fachada Nascente para o Palácio do Louvre (pormenor da proposta concursante)
Paris . Pietro da Cortona
E, para finalizar este olhar sobre a obra de Pietro da Cortona, um dos seus primeiros frescos "Santa Bibiana recusando-se a adorar outros deuses" que ele pintou, numa das paredes do clerestório do lado do Evangelho na Igreja de Santa Bibiana (figura 32.14), em Roma, igreja recuperando uma basílica, e cuja frontaria foi a primeira que Bernini realizou.
Figura 32.14. "Santa Bibiana recusando-se adorar outros deuses"
Igreja de Santa Bibiana . Roma . Pietro da Cortona
a seguir: (2JAN20)
33
Gian Lorenzo Bernini: Arquitecto e Escultor magistral
31 
5DEZ19 

PIETRO da CORTONA - I Parte

Pietro Berrettini (1596/1669) era natural de Cortona e daí ter ficado conhecido para a posteridade como Pietro da Cortona. Mais velho apenas dois anos do que Bernini e três anos do que Borromini, viriam a ser os três Arquitectos Barrocos, por excelência.
No entanto, da Cortona haveria de se sentir não tão feliz com a sua prática de arquitecto como com a de pintor, tendo afirmado mesmo isso, quase como que tendo sido não compreendido como arquitecto e se ter realizado mais pela sua prática como pintor, excelente que era.
Depois de termos falado do Palácio Barberini, no último capítulo, é ainda um dos tectos dos seus salões que veremos agora. É de da Cortona a pintura a fresco do tecto do Grande Salão do Palácio figurando "O Triunfo da Divina Providência"
(figura 31.1) 

Figura 31.1 . "O Triunfo da Divina Providência" . Pintura a fresco do tecto de uma sala do Palácio Barberini . Roma . Pietro da Cortona

Mas ao designar-se este tecto como uma alegoria ao "Triunfo da Divina Providência", poder-se-ia invocar, também, "A Glorificação do Papado de Urbano VIII": Num dos cantos da parte central do tecto (à direita na imagem 31.1), da Cortona insere três abelhas, distintivo do brasão da família Barberini que a figura 31.2 revela mostrando o brasão e a pintura.
Figura 31.2 . Brasão de armas dos Barberini e detalhe do Triunfo da Divina Providência de Pietro da Cortona
Uma das suas primeiras obras de arquitectura, em Roma, foi a Villa del Pigneto. A sua planta compõe-se de dois núcleos de desenho algo complexo, que são separados ou, se quisermos, ligados por salas em enfilade (figura 31.3). Nos extremos encontram-se duas salas rectangulares, de cantos arredondados e adossadas a salas semi-cilíndricas que, por sua vez, se ligam a um núcleo central com um gigantesco nicho que lembra o Belvedere do Vaticano, desenhado por Donato Bramante. Mas a fachada principal deste casino não é mais do que um acumular de fontes e exedras, tal jardim de cascatas e grutas, tal ninfeu agigantado.

Figura 31.3 . Villa del Pigneto . Roma . 1630 . Pietro da Cortona

A fachada principal ondula entre dois topos que se encostam a superfícies convexas. Estas, por sua vez, através de um pequeno troço recto adossam-se ao núcleo central, de três pisos e três tramos cujo tramo central se torna côncavo atingindo os dois primeiros estratos/pisos.

O varandim assume-se convexo, bem como as escadas, duplas e simétricas, que conduzem os convivas até ao terreno. Esta casa era um casino, que o mesmo é dizer um retiro de recreio para festas.

Figura 31.4 . Villa del Pigneto . Representação pictórica . Roma . itero da Cortona

A figura 31.4 mostra bem o esplendor que tais casinos poderiam alcançar. Este ergueu-se entre 1626 e 1630. Deste, particularmente, se vislumbrava a Basílica de São Pedro, por sobre os cimos do pinhal adjacente - o Pigneto.

A Villa del Pigneto, construída para o Marquês Sacchetti, nos arredores de Roma, embora de dimensões mais modestas, lembra um tanto o Santuário da Fortuna Palestrina (31.5), que Pietro da Cortona desenhou para a família Barberini,

Figura 31.5 . Temlo da Fortuna Palestrina . Representação pictórica . Pitetro da Cortona

Em 1633, da Cortona teve o encargo de realizar o QUARENTORE - a tradução à letra é: 40 horas - o número de horas que Jesus Cristo esteve sepultado. Tratava-se de uma cerimónia religiosa em que durante essas horas se rezava continuadamente. É uma arquitectura efémera (figura 31.6), como se usou durante alguns séculos. Destinou-se à Chiesa de San Lorenzo in Damaso, em Roma, e foi encomenda de Francesco Barberini, sobrinho do Cardeal Barberini.

Figura 31.6 . Quarentore . Projecto . Pitetro da Cortona

Ainda que seja uma arquitectura efémera, portanto feita de madeira e telas pintadas, já se pode antecipar o tipo de paredes que da Cortona privilegiaria e que se traduziria na sua próxima obra, a Igreja dos Santos Martina e Lucas, em Roma, ou seja Chiesa SS. Martina e Luca, que se ergueu entre 1635/50. A situação desta igreja é invejável, no panorama urbano de Roma (figura 31.7), pois que se situa entre o Forum Romano e o Forum de César e perto do Arco de Sétimo Severo.

Figura 31.7 . Chiesa Santi Martina e Luca . Localização . Roma . 1635/50 . Pitetro da Cortona

A concepção do espaço é bastante invulgar. É uma "falsa" cruz grega cujo eixo longitudinal é mais extenso do que o eixo transversal. Mas esta invulgaridade pode produzir um efeito de verdadeira cruz grega ao crente que entra no espaço, pois que o trajecto longitudinal, dada a perspectiva, aproximar-se-á da largura entre os extremos do transepto.

Figura 31.8 . Chiesa Santi Martina e Luca . Planta . Roma . 1635/50 . Pitetro da Cortona

Pela planta expressa na figura 31.8, se pode ver que os limites da igreja não ultrapassam os 40x30 metros, aproximadamente. Mas o que mais impressiona é o facto das paredes limítrofes do espaço interior parecerem desaparecer por trás de 24 colunas e 24 pilastras (excluindo as que ficam subpostas). Se comparássemos esta sucessão de elementos à linguística, diríamos que estamos perante um discurso paratáctico. A parede parece não existir, tal a profusão dos elementos tectónicos que a figura 31.9 melhor esclarecerá.
Figura 31.9 . Chiesa Santi Martina e Luca . Vista da nave dirigida para a Capela-Mor . Roma . 1635/50
Pitetro da Cortona
As colunas e as pilastras são da ordem jónica, assentes sobre pedestais que se sucedem sem interrupção, bem como sem interrupção se desenvolve o magnífico entablamento em que tanto a arquitrave como a cornija se formam somente com filetes.
A parte mais sagrada, a Capela-Mor (figura 31.10), parece prescindir da sua superfície parietal e reduzir-se exclusivamente a porticado de colunas e pilastras. A meia-cúpula que a sobrepõe adquire
uma tridimensionalidade pouco vulgar, reforçando-se na estrutura e nas molduras das janelas. Repare-se ainda na ordem compósita simplificada e, ainda que repetindo, no entablamento sofisticado que percorre todo o perímetro do interior da igreja.
Figura 31.10 . Chiesa Santi Martina e Luca . Vista da  Capela-Mor . Roma . 1635/50 . Pitetro da Cortona
Quanto à fachada da igreja, também se pode dizer que estamos perante uma das mais belas jamais concebidas, tanto engenho nela da Cortona empregou.
Figura 31.11 . Chiesa Santi Martina e Luca . Fachada rincipal . Roma . 1635/50 . Pitetro da Cortona
A parte central é convexa (figura 31.11), ainda que no centro avance uma parte plana. Limitando lateralmente a fachada estão dois contrafortes, cada um constituído por pilastras geminadas que se desdobram e se escalonam à medida que se aproximam da convexidade. Da parte convexa poder-se-á inferir que tem três, cinco, sete tramos? O entablamento que divide o primeiro do segundo estrato, bem como o entablamento que remata superiormente a fachada são tão portentosos e tão mais marcantes do que os elementos verticais que estes parecem apenas e, mais uma vez, um discurso paratáctico, tal como acontece com as paredes interiores. Se bem se quiser contar, há catorze pilastras no segundo estrato... é uma fachada irrepetível... é um dos desenhos mais excepcionais de toda a História do Barroco! A ordem do primeiro estrato é jónica, tal como a do interior, e a do estrato superior parece ser compósita, pela altura do capitel, embora as volutas se afirmem mais como se fossem jónicas.
A cúpula que coroa o cruzeiro desta igreja apresenta um aspecto não muito usual (figura 31.12) que é o facto de, acima das padieiras das janelas do tambor e acima da cornija, se desenvolverem frontões curvos por trás dos quais arrancam as calotes curvas da abóbada, contidas entre as linhas de força das aduelas. O remate superior do lanternim ainda fica a dever um tanto ao maneirismo, talvez por os elementos tectónicos se parecerem muito mais decorativos do que de sustentação.
Figura 31.12 . Chiesa Santi Martina e Luca . Tambor e Cúpula . Roma
1635/50 . Pitetro da Cortona
E apenas mais um apontamento da arte pictórica de Da Cortona, através de um estudo para o quadro "A recusa da Mártir Santa Martina adorar outro deus que não o Deus-Menino".
Figura 31.13 . "A Recusa de Santa Martina em adorar outro Deus que não o Deus Menino"Pitetro da Cortona
A Pietro da Cortona estava destinada uma outra obra que ficaria como um dos marcos mais emblemáticos do Barroco. Não de raiz mas de rearranjo urbanístico e uma nova frente aposta à existente: a organização de uma nova fachada para a igreja e respectivo largo de Santa Maria della Pace, ou seja, Santa Maria da Paz, em 1656/67 encomendada por Alexandre VII.
A igreja já existente, mas posterior ao claustro magnífico de Donato Bramante, é mantida exceptuando a sua frontaria. A fachada principal da igreja situava-se numa bifurcação de uma rua que conduzia à Praça Navona. Da Cortona prescinde da bifurcação e desenha uma praça, para isso demolindo casas. Paradoxalmente, em vez de aproveitar o espaço assim criado, propõe um avanço da fachada pré-existente da igreja, conforme ilustra a figura 31.14, em que se vê, a linha ponteada, a implantação primitiva dos prédios e do perfil da rua e sua bifurcação.
Figura 31.14 .Largo e frente nova da Igreja de Santa Maria da Paz . Planta da intervenção urbana.
Roma . 1635/50 . Pitetro da Cortona
A figura 31.15 mostra o corte longitudinal da igreja, com o avanço que não é mais do que um pronau de contorno redondo e convexo (no extremo direito da figura), com seis colunas, duas junto às paredes laterais e as outras quatro formando dois pares de colunas geminadas.
Figura 31.15 . Igreja de Santa Maria da Paz . Corte . Roma
O efeito plástico desta intervenção urbana é notável pela ambiguidade que cria num espaço tão pequeno. Propõe uma frente tão homogeneizada entre igreja e edifícios adjacentes, todas as fachadas ou, melhor dito, a "única" fachada pensada em simultâneo. Por um lado, temos um desenho de composição nitidamente barroca, por outro lado temos uma espécie de um avanço "claustrofóbico", herança bastante próxima do maneirismo e das suas perspectivas diafragmadas.
Figura 31.16 . Igreja de Santa Maria da Paz . Fachada principal . Roma . Pietro da Cortona
Enquanto que o estrato térreo é de enorme simplicidade (figura 31.16) bastando-lhe apenas a planta ovalada e protuberante do pronau e a escolha de uma ordem dórica/toscana com um entablamento simples, o estrato superior mais uma vez nos revela a capacidade escultórica de da Cortona e o seu manuseamento das ordens tectónicas, fazendo lembrar a fachada da igreja dos Santos Martina e Lucas.
Aqui, neste caso, a arquitrave também entra em formas conturbadas, obedecendo ao empuxe das colunas e das pilastras. E é um arranjo curioso que encontra entre o frontão curvo da edícula e o frontão triangular que remata toda a composição da fachada. O escudo do Papa, antepondo-se ao entablamento, em parte escondendo-o, vai provocar um desenho que pode ser conotado com um parafuso.
Figura 31.17 . Igreja de Santa Maria da Paz . Fachada principal - pormenor . Roma . Pietro da Cortona
Figura 31.18 . Igreja de Santa Maria da Paz . Fachada principal - pormenor do tecto do pronau . Roma . Pietro da Cortona
O pormenor de entrada na igreja revela bem o cuidado e o preciosismo de da Cortona na demarcação das aduelas da meia-cúpula do pronau (figura 31.18), bem como no detalhe das molduras da porta de acesso ao templo.

Pietro da Cortona usa mais uma vez um conceito barroco e joga com a concavidade que, por trás do pronau convexo, consegue dissimular o espaço efectivo que subtrai à praça, conforme se pode ver também na figura 31.17 e 31.19, sendo esta última a reprodução de uma estampa que é mais bem exemplificativa do que propriamente uma foto, dada a pequena dimensão do espaço real.
Figura 31.19 . Igreja de Santa Maria da Paz . Fachada principal da igreja e edifícios adjacentes
Roma . Pietro da Cortona


a seguir: (19DEZ19)
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Pietro da Cortona - II Parte
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21NOV19

Francesco Maria Ricchino

Carlo Maderno e o Palácio Barberini

Em Milão, em 1607 ergue-se a igreja de São José, Chiesa San Giuseppe, da autoria de Francesco Maria Ricchino. Já não se trata de uma igreja de planta centralizada como as que até agora temos visto mas sim de uma igreja que dispõe de dois espaços "autónomos", dois espaços centralizados que se encostam (figura 30.1). São, no entanto, duas cruzes gregas que se tocam, a dos devotos advém de um octógono e a cruz do presbitério advém de um quadrado.
Figura 30.1 . Igreja de São José . Corte longitudinal e planta . Milão . 1607 . Francesco Maria Ricchino
O corte longitudinal desta igreja revela a proporção entre os dois espaços da igreja, relevando-se a planta centralizada da nave, com a sua maior altura rematada pela cúpula esférica, pelo interior, mas inserida num tambor octogonal, pelo exterior.
Figura 30.2 . Igreja de São José . Nave e presbitério . Milão . 1607 . Francesco Maria Ricchino
A transição entre as faces maiores do octógono da nave para o quadrado do presbitério faz-se por colunas duplas geminadas a pilastras da ordem coríntia de volutas bem desenvolvidas. A figura 30.2 dá bem a perspectiva geral de um espaço grandioso de modinaturas elegantes e em que o friso, mais claro do que cornijas e arquitraves, é da cor das cúpulas, fazendo como que uma penetração tímida dos tectos nos topos das paredes.
Figura 30.3 . Igreja de São José . Cúpula da "nave" . Milão . 1607 . Francesco Maria Ricchino
A cúpula da "nave",ainda que de formalização quadrada, repercute o assentamento nos lados mais pequenos do octógono (figura 30.3).
A fachada principal desta igreja (figura 30.4) também constitui uma certa novidade. Embora Francesco Ricchino tenha já visto a fachada de Santa Susana, em Roma, desenvolve aqui uma composição interessante, na medida em que ocupa o tramo central, nos dois estratos, com edículas. É relevante a composição do segundo estrato na medida em que, socorrendo-se de um ático, os tramos b c b são coroados por um entablamento, com os seus três componentes, que vai continuar nos outros sete lados do tambor que, assim, adquire os seus oito lados.
Figura 30.4 . Igreja de São José . Alçado da frente e lado da Epístola . Milão . 1607 . Francesco Maria Ricchino
Também é digno de registo o facto dos alçados laterais, contíguos a esta zona da nave, portanto à zona do octógono interior, serem uma espécie de simplificação do alçado principal, reduzido apenas a três tramos.

Ainda de Francesco Maria Ricchino e ainda em Milão, temos a fachada do Colegio Elvetico. Fachada côncava (figura 30.5) que, segundo Rudolf Wittkower, deve ser a primeira fachada barroca que foge às superfícies planas.
Figura 30.5 . Colegio Elvetico . Fachada principal . Francesco Maria Ricchino
A fachada é de extrema simplicidade em termos de atributos arquitectónicos, fazendo, no entanto, a sua concavidade a grande novidade e, sobretudo, a dinâmica que imprime a uma fachada. Esta divide-se em dois estratos/piso com um tramo único marcado por cunhais de alvenaria rusticada. Os estratos são divididos por uma cornija arquitravada baixa a que se sobrepõe um ático tal como se fora uma sacada corrida e opaca, que é ritmada pelos "joelhos" das janelas do segundo piso. Os frontões destas janelas são curvos. O frontão do meio rompe-se para albergar o escudo e encima uma porta de acesso ao varandim. As janelas do piso térreo são ajoelhadas sobre um friso que só se interrompe junto às pilastras geminadas que ladeiam a porta de acesso.
Figura 30.6 . Colegio Elvetico . Fachada principa do Colégio e da Igreja . Francesco Maria Ricchino
Ao lado esquerdo da fachada fica anexada uma capela que, pelo desenho (figura 30.6) se vê perfeitamente a sua "paternidade". Basta compará-la à fachada da igreja de São José, atrás reproduzida. É efectivamente uma variante, embora mais reduzida, apenas com os tramos a b a.

Entre 1625 e 1649 Ricchino desenhou o portal principal do Ospedale Maggiore de Milão. Nele (figura 30.7) se pode observar, uma vez mais a sua "assinatura". Com dois estratos separados por um entablamento em que a predominância vai para o friso, ainda que liso, a fachada divide-se em três tramos separados por pilastras, justapostas nos topos e no centro, ladeando o portal e o janelão do segundo piso as pilastras são geminadas mas com colunas apostas a elas. Mais uma vez esta composição e de um requinte enorme na "destreza" com que Ricchino assembla os elementos tectónicos. 
Figura 30.7 . Ospedale Maggiore . Milão . Fachada principal . 1625/49 . Francesco Maria Ricchino
O remate superior excede os dois até agora vistos. O janelão do piso superior constitui uma edícula que, por sua vez, se encaixa noutra edícula. A primeira, rematando o janelão, tem frontão triangular, ainda que interrompido. A segunda edícula, que contém o janelão, é circular e, finalmente, todo o conjunto é rematado por um frontão triangular, sobreposto a um outro, com uma cornija denticulada.

De Francesco Maria Ricchino temos também o Palácio Annoni (figura 30.8), em Milão, tido como uma das suas obras primas.
Figura 30.8 . Palácio Annoni . Milão . Fachada principal . Francesco Maria Ricchino
Tem uma frente de dois estratos e de quatro prováveis pisos. O primeiro estrato assenta sobre uma reminiscência de um crepidoma, de paredes de pedra, bem como de pedra de corte "adiamantado" são os extremos da frente, dado que não tem quaisquer tramos. A separação entre os estratos é feita por uma cornija a que se apoia um ático que contém os rasgamentos avarandados das janelas superiores. A estrutura das janelas assentam sobre "joelhos" que ladeiam as referidas varandas. O remate superior quase que se reduz a uma cornija arquitravada, de recorte bastante acentuado, em que os cachorros e a cornija se projectam com vigor. As janelas do piso térreo e as do andar têm frontões que se alternam lado a lado e de cima e de baixo entre triangulares e curvos.
Figura 30.9 . Palácio Annoni . Milão . Fachada principal (detalhe)
Francesco Maria Ricchino
A figura 30.9 mostra um detalhe do frontão das janelas do piso térrreo, o parapeito e o "ajoelhamento" das janelas do piso superior, bem como o capitel da coluna que ladeia a porta de entrada.
Figura 30.10 . Palácio Annoni . Milão . Cortile - Fachada oposta à principal . Francesco Maria Ricchino
A figura 30.10 mostra a parede oposta à parede da rua, e é curioso notar-se que esta é dividida em tramos, cinco, no total, em que o piso térreo se resolve em arcadas perfeitas, a separação entre o primeiro e o segundo piso é feita através de um friso sobre o qual assentam os parapeitos das janelas do segundo piso cujas padieiras são ajoelhadas e sobre as quais assenta uma cornija arquitravada bastante alta e com cornija mutulada.

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ROMA
Regressados a Roma, vejamos a que é tida como a última obra de Carlo Maderno: o Palácio Barberini.
Já existia um palácio previamente, no local, que foi comprado por Maffeo Barberini que haveria de ascender ao pontificado como o Papa Urbano VIII.

Carlo Maderno, já de uma certa idade foi o escolhido, ou não tivesse sido ele a terminar a Basílica de São Pedro. As obras começaram em 1627 e nela trabalhava o sobrinho de Maderno, o arquitecto Francesco Borromini. Mas, à morte de Barberini, o arquitecto à frente da obra viria a ser Gian Lorenzo Bernini, tendo as obras acabado em 1633.

A planta do piso térreo do palácio traz de novo uma frente em "U" (figura 30.11), um tanto ao modo das ville que havemos visto principalmente na terra ferma e por todo o Veneto. Mas esta disposição em "braços abertos" em plena cidade não era usual. Com efeito, podemos imaginar o que teria sido o fausto das festas aquando da chegada das carruagens e coches dos altos dignitários civis e eclesiásticos, deixando a população admirada com o luxo.
Figura 30.11 . Palácio Barberini . Planta do piso térreo . 1627/33 . Roma . Carlo Maderno
A planta revela uma falsa simetria. Revela principalmente uma zona central digna de registo pela novidade da zona de recepção para os veículos poderem deixar os convidados junto à porta de entrada, debaixo da cobertura do andar de cima e com a profundidade de três módulos, que a figura 30.12 reproduz. 
Figura 30.12 . Palácio Barberini . Acesso às carruagens . 1627/33 . Roma . Carlo Maderno
A zona mais recôndita, em meia lua, lembra mais um ninfeu do que uma entrada convencional. Esta entrada conduz, por sua vez, a uma sala de planta elíptica que proporciona duas passagens para as salas laterais assim como a passagem para os jardins do palácio (figura 30.13)
Figura 30.13 . Palácio Barberini . Sala oval de acesso ao jardim . 1627/33 . Roma . Carlo Maderno
O edifício tem uma frente (figura 30.14) com duas alas que avançam, com três tramos, e uma zona central, recuada, com sete tramos que se adiantam ligeiramente a um tramo de cada lado, perfazendo nove no total e perfazendo ângulo recto com os corpos laterais.
Figura 30.14 . Palácio Barberini . Alçado principal . 1627/33 . Roma . Carlo Maderno
Francesco Borromini . Gian Lorenzo Bernini
Nesta fachada principal, pode admirar-se duas janelas, com o mesmo desenho, da autoria de Francesco Borromini (figura 30.15). Começava a despontar o génio intranquilo de Borromini. Parece-me não errar ao afirmar que seriam as primeiras cornijas a "separarem-se" do centro, ao avançarem nas extremidades
Figura 30.15 . Palácio Barberini . Janela do alçado principal
Francesco Borromini 
E também se pode admirar duas escadas, uma feita por Bernini (do lado esquerdo) e a outra feita por Borromini (do lado direito), que a figura 30.16 mostra.
Figura 30.16 . Palácio Barberini . Roma . Duas caixas de escadas . 
Gian Lorenzo Bernini . Francesco Borromini
O jardim do Palácio ocupa um quarteirão inteiro de Roma e é interessante que tivesse sido contemplada a passagem directa desde a entrada para o jardim, no tardoz do palácio (figura 30.17).
Figura 30.14 . Palácio Barberini . Alçado tardoz . 1627/33 . Roma . Carlo Maderno
Para terminar com esta obra, a alguns títulos seminal, nada melhor do que reproduzir um dos grandes festejos (figura 30.18) que aí se realizaram em homenagem à Rainha Cristina, da Suécia, que tendo abdicado do trono se converteu ao catolicismo e na sua quarta viagem a Roma aí fixou residência.
Figura 30.18 . Palácio Barberini . Festejos em honra da Rainha Cristina, da Suécia
O próximo capítulo será dedicado ao primeiro dos três grandes arquitectos do Barroco de Roma, Pietro da Cortona (1596/1669), a que se seguirá Gian Lorenzo Bernini (1598/1680) e depois Francesco Borromini (1599/1667) que, sendo o primeiro a ter morrido, foi, no entanto o mais novo dos três.

a seguir: (5DEZ19)

Pietro da Cortona - I Parte