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24OUT19

CARLO MADERNO: O "Primeiro" Arquitecto Barroco 

O ano de 1603 foi decisivo para Carlo Maderno. Foi encarregado de completar a Basílica de São Pedro e de desenhar a fachada da Igreja de Santa Susana, também em Roma.

Paulo V decidiu completar a Basílica. Assim, Carlo Maderno foi o arquitecto escolhido e, de facto, em 1607 começou a fachada, em 1612 completou a nave e em 1617 acabou os trabalhos. Paulo V decidiu abandonar a configuração de planta centralizada inicial de Bramante, e posterior de Miguel Ângelo, e preferir a planta direccionada. A Basílica não poderia ignorar o Concílio de Trento e a sua recusa do "paganismo centralizador" como Bramante o havia idealizado (figura 28.1) no início do século XVI.
Figura 28.1 . Planta da Basílica de São Pedro no Vaticano . 1503 . Donato Bramante

Assim, Carlo Maderno alonga a concepção inicial e as posteriores dos diversos arquitectos que o antecederam e propõe um espaço longitudinal através de uma planta um tanto sui generis, na medida em que parece registar como que um andamento de transformação do quadrado para o rectângulo a que as três absides e os dois módulos pequenos que prolongam a fachada parecem estabilizar o desenho (figura 28.2) quase aproximando-o de uma chave.
Figura 28.2 . Planta da Basílica de São Pedro no Vaticano . Conclusão . Carlo Maderno . 1607

O interior deste templo (figura 28.3), para o qual parece não haver adjectivos suficientes, é, no mínimo, majestoso e esmagador e eloquente, qual "céu" na "terra", fortificando a fé dos crentes católicos.
Figura 28.3 . Basílica de São Pedro no Vaticano. Vista interior dirigida para o altar-mor

É preferível ilustrar o interior de São Pedro com uma pintura (figura 28.3) pois parece bem mais expressiva do que propriamente uma fotografia. Mostra bem a nave que se desenvolve em quatro tramos. Pela sua vastidão e altura, este interior poderá ser classificado como igreja de três naves. Mas como é um espaço pós-tridentino, parece-me mais ajustável dizer-se que estamos perante capelas cripto-colaterais, apesar do gigantismo que as capelas apresentam e se poderem confundir com naves laterais.

A fachada deste templo também é obra de Carlo Maderno. Não se adivinharia fácil esta empreitada, na medida em que a sua imensidão poderia dar lugar a uma infinidade de soluções. Mas Maderno optou por continuar no mesmo discurso arquitectónico que Miguel Ângelo empregou na abside principal e nas laterais. Isto significa que Maderno optou por utilizar um único estrato rematado por um ático. A fachada compõe-se de onze tramos (figura 28.4). Na verdade, apenas nove correspondem à verdadeira fachada, sendo os tramos do topo respeitantes às passagens da praceta para os lados da igreja e que se destinariam às bases para as duas torres sineiras. Os tramos alinham-se como a b c d e b' e d c b a, sendo os tramos d cegos, e quase podendo não ser tomados como tramos. Mas, dado que os três tramos centrais e b' e se salientam, penso que assim a classificação será mais correcta.
Figura 28.4 . Basílica de São Pedro no Vaticano . Fachada principal . 1607 . Carlo Maderno

A fachada utiliza colunas e pilastras da ordem monumental. O entablamento que assenta sobre o estrato térreo compõe-se de uma arquitrave estriada, um friso liso com a inscrição alusiva ao Papa Paulo V, Borghese, e ao ano da conclusão. Remata o entablamento uma cornija simples. O entablamento acompanha os avanços e recuos relacionados com os empuxes das colunas e pilastras. Sobre os três tramos centrais assenta um frontão triangular com o brasão da família do Papa. O ático rasga-se em janelas de três espécies de dimensão, excepto no correspondente ao central, que é cego.

As dimensões desta igreja são colossais. A largura da fachada atinge quase os 115 metros (114,69m) e o comprimento é de 218m. A cúpula, a terceira em dimensão depois da cúpula do Panteão (ligeiramente maior) e da de Santa Maria das Flores, de Florença, atinge cerca de 135 metros de altura (altura mediada entre as duas fontes consultadas). A cúpula foi projectada por Miguel Ângelo e acabada por Giacomo Della Porta (figura 28.5). O seu desenho original previa uma cúpula semi-esférica mas foi transformada em semi-parabólica por questões de maior segurança, resistência e estabilidade. Os dezasseis pares de colunas que compõem a estrutura do tambor dão-lhe um forte carácter estático, repercutindo-se também no tambor do lanternim.
Figura 28.5 . Cúpula de São Pedro no Vaticano . Miguel Ângelo e Giacomo Della Porta
Para além desta cúpula monumental, existem mais duas outras pequenas cúpulas, sobre duas das capelas que perfazem o grande quadrado que absorve, no seu perímetro, as três absides. O mais interessante é que estas cúpulas "exageram" a sua presença, mostrando-se por fora de um tamanho que não corresponde à quantidade de luz que deixam penetrar, conforme a figura 28.6 explica.

Figura 28.6 . Par de cúpulas secundárias de São Pedro no Vaticano

Começado em 1598 e acabado em 1616, o Palácio Mattei di Giove, em Roma, foi o primeiro pojectado por Maderno, antes do Palácio Barberini, também em Roma.
O Palácio Mattei insere-se num quarteirão de Roma, o Rione Sant'Angelo, onde a família Mattei tem mais outros palácios, fazendo a esquina das Vias dei Funari e de Michelangelo Caetani.
A figura 28.7 mostra o desenho dos dois alçados, lado a lado. Conforme de imediato se constata, os desenhos diferem no respeitante aos segundo e terceiro estratos, ainda que ligeiramente no térreo. Mas a foto da figura 28.8 repõe a verdadeira fisionomia das duas frentes.
Figura 28.7 . Alçados do Palácio Mattei di Giove  . Via dei Funari . 1598/1616 . Carlo Maderno
Figura 28.8 . Esquina do Palácio Mattei di Giove . Via dei Funari (esq.da) 
Via de Michelangelo Caetani (dir.to)Roma . 1598/1616 . Carlo Maderno
O corpo é constituído por três estratos, tendo o terceiro indicação de mezanino ou, então, de um piso mais baixo e não denotando estrato. O mais curioso deste desenho da fachada para a Via dei Funari é o espaçamento entre as oito janelas do centro relativo ao espaço entre as quatro janelas dos extremos, duas de cada lado. Claro que no piso térreo as janelas são sete mais a porta de entrada. Esta opção não deve ter sido gratuita; penso que poderá ter sido mais um ensaio para a leitura dinâmica que, desde esta esquina se poderia ter da fachada, pretensamente prolongando a sua dimensão: uma perspectiva acelerada.
Mas, enquanto que o exterior se apresenta com bastante sobriedade, mesmo com a possibilidade de ser válida a suposição atrás apresentada sobre a falsa perspectiva, o contraste com o interior (figura 28.9) é desconcertante!
Figura 28.9 . Cortile do Palácio Mattei di Giove . Cortile . Roma . 1598/1616 . Carlo Maderno
A marcação das pilastras no corpo mais estreito e as bandas de baixo-relevo impressas nas paredes mais largas, juntamente com a estatuária que foi sendo introduzida ao longo dos anos, faz deste cortile talvez um dos mais apelativos espaços barrocos. A diferença entre o exterior e o interior faz lembrar as diferenças dos primeiros palazzi renascentistas florentinos.

1603 veria completada a tão celebrada primeira fachada barroca. A fachada de Santa Susana, em Roma, a chiesa di Santa Susanna alle Terme di Diocleziano. E, como não poderia deixar de ser, o nome de família do Papa Sisto IV - Rusticucci - não ia deixar de aparecer no friso que encima a entrada.
Além de algumas intervenções no interior da igreja, Carlo Maderno deu-lhe uma nova fachada (figura 28.10). E, apesar de aparentar pouco se distinguir das fachadas convencionais, ela tem, no entanto, características singulares que iremos analisar.
Figura 28.10 . Igreja de Santa Susana . Fachada . 1603 . Carlo Maderno
A fachada divide-se em cinco tramos, a b c b a que vão crescendo de largura à medida que se aproximam do eixo de simetria. Os tramos a, do segundo estrato, convertem-se em volutas de enrolamentos. Os tramos, à medida que se alargam também se densificam, isto é, tornam-se mais espessos e mais salientes e, em simultâneo, rasgam-se mais. Assim, os tramos a são cegos, os tramos b contém nichos escavados e o tramo c contém a porta no piso térreo e uma janela rasgada no piso segundo. Mas, o tramo c, central, distancia-se dos próximos, bs por um pequeno avanço, criando uma quase existência de colunas e pilastras geminadas e também um avanço no tímpano do frontão.
Ora a leitura imediata que temos desta fachada parece não se diferenciar de outras fachadas. Só que, se atendermos a estas especificidades expostas, poderíamos estar a contemplar uma fachada convexa, tal como a figura 28.11 sugere. Isto é, se a fachada fosse efectivamente curva e convexa, a leitura frontal que teríamos seria a do lado direito da figura abaixo que, como é óbvio, é igual à do lado esquerdo.
Figura 28.11 . Fachada da Igreja de Santa Susana . Planta real e "planta convexa"
Esta ilusão de óptica é dada pela configuração de uma superfície convexa "in nuce", isto é, em embrião.
De notar ainda na subtileza com que Maderno envolve o janelão central, numa edícula ladeada por colunas, contrastando com as pilastras do segundo estrato, e edícula essa rematada por um frontão curvo que aflora a arquitrave. Edícula também de frontão curvo que se poderá ler, como tal, no piso térreo, emoldurando a porta de entrada no templo.

Antes de terminar este capítulo, ainda uma lembrança para uma das suas obras mais emblemáticas: a cúpula de Sant'Andrea Della Valle, a segunda maior, de Roma, depois da de São Pedro.

Por fora, o tambor divide-se em oito partes, oito tramos que se rasgam com janelas rectangulares bastante esguias, coroadas alternadamente com frontões circulares e triangulares. Os tramos abertos alternam, por sua vez, com tramos fechados, bastantes estreitos, compostos por colunas duplas e adossadas. Na figura 28.12 pode ver-se as cúpulas de Santo André, em primeiro plano, e a de São Pedro, em segundo. Não haverá dúvidas de que Maderno se inspirou na cúpula de Miguel Ângelo/Della Porta.
Figura 28.12 . Cúpula de Sant'Andrea Dela Valle e San Pitero . Roma
A figura 28.13 mostra o tambor e a cúpula de Santo André, pondo em evidência as colunas duplas que fazem salientar o entablamento que coroa o tambor, as janelas cegas, ou mesmo as edículas, que alternam coroamentos triangulares com coroamentos circulares e, ainda, sobre cada uma destas edículas, um óculo, também cego. Também é de reparar que o entablamento que coroa o tambor é poligonal, fazendo um contraste grande com o cilindro que enforma a cúpula, trazendo um maior dramatismo e uma intranquilidade a esta sobreposição cúpula - tambor.
Figura 28.13 . Cúpula de Sant'Andrea Dela Valle . Pormenor do coroamento . Roma

No próximo capítulo falaremos do Barroco "não-romano", isto é, de alguns exemplos das cidades de Nápoles, Milão, Brescia e Bolonha.

Depois de Bolonha se tornará a Milão, onde se verão quatro exemplos da obra de Francesco Maria Ricchino e da suposta última obra de Maderno, ou seja, o Palácio Barberini, em Roma.

a seguir: (7NOV19)
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O Barroco "não-romano"
27 
10OUT19 
o BARROCO

Era imperioso que Roma, capital da Fé e da Cristandade, se renovasse para a salvação da Igreja Católica Apostólica Romana. Esse movimento de reforma extraordinária fez-se sob o signo do Barroco. 
Sisto V, conforme se aludiu no número anterior, foi o pontífice que, apesar de ter apenas sido Papa por cinco anos, impulsionou as Artes e, conforme já foi mostrado, deu uma nova aura a Roma. Paulo V, também com apenas seis anos de pontificado, deu continuidade às reformas. E  Roma  nunca mais abrandou até ao final do terceiro quartel do século XVII.

O século XVII é o século do barroco, por excelência. O Mundo Católico, depois de quebrantado pelas 95 teses de Martinho Lutero, apostas em 1517, nunca mais viria a ser o mesmo. O Concílio de Trento, os Exercícios Espirituais de Inácio de Loiola e as suas pedagogias sobre a Fé, compartilhadas por Carlos Borromeo e São Filipe Neri, o misticismo de Santa Teresa de Ávila e de São João da Cruz, haveriam de chamar os católicos novamente à "verdade". E é notável que Santo Inácio, Santa Teresa, São Filipe de Neri e o Apóstolo das Índias, Francisco Xavier, tenham sido canonizados no mesmo dia: 22 de Maio de 1622. Não deixa de ser um tanto paradoxal, no entanto, que por via do exemplo da simplicidade, do rigor de comportamento e da abnegação e ascese da Vida Terrena desses Santos, o Barroco tenha atingido o fulgor da plenitude das Artes da Escultura, da Pintura e da Arquitectura. Todas estas artes plásticas se juntaram atingindo a adjectivação de GESAMTKUNSTWERK, já nos inícios do século XIX, e cujo significado é a "Reunião de todas as Artes", ou "Obra de Arte total".



A água, elemento vital, não poderia faltar na capital da Cristandade. Dar de beber aos seus Romeiros era uma das prerrogativas mais importantes e urgentes. Assim, a Fontana dell'Acqua Felice (figura 27.1), da autoria de Domenico Fontana, de 1585/87, remata uma das principais nascentes de água canalizada de Roma. O "edifício" que assinala o ponto em que a água fica de serventia é um arco triunfal, de três arcadas profundas separadas por quatro colunas denotativas de compósitas, ainda que o cesto seja liso (figura 27.2). São de um desenho elaboradísimo. Compartindo a presença dos três arcos, as bases das colunas assentam sobre pedestais que também se multiplicam em profundidade, servindo as pilastras que sustentam as abóbadas. A linha superior dos pedestais corresponde à saída dos três jorros de água.
Figura 27.1 . Fontana dell'Acqua Felice . Roma . 1585/87 . Domenico Fontana 

Remata este arco triunfal um ático, de altura imponente, com a inscrição que revela o nome do Papa Sisto V. Por sobre o ático desenvolve-se um frontão circular complexo, amparado por volutas. Dois pináculos bastante esguios rematam os extremos superiores do ático.
Figura 27.2 . Fontana dell'Acqua Felice - Pormenor . Roma . 1585/87 . Domenico Fontana 

Esta fonte também é chamada Fonte de Moisés dado que o arco do meio é ocupado por uma estátua representando Moisés.

Em 1612 acabava-se a primeira fonte localizada na margem esquerda do Tibre, a Fonte Paulina (figura 27.3), dos arquitectos Giovanni Fontana, irmão de Domenico (Fonte da Água Feliz, acima reproduzida) e de Flamínio Ponzio.
Figura 27.3 . Fonte Paulina . Roma . 1585/87 . Giovanni Fontana . Flaminio Ponzio
Segue a repartição volumétrica da primeira, acrescentando mais um módulo a cada lado, ainda que a altura destes dois arcos seja menor do que as dos três arcos centrais. A água jorra de três bacias colocadas a um nível mais baixo do que os pedestais das colunas.
O remate superior emula o da Fonte de Moisés, mas numa solução mais elaborada tanto nas volutas que rematam a parte superior do ático como as partes laterais do frontão. Também nesta fonte, são mais elaborados e proporcionados os pináculos.
                        
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Falar-se de arquitectura barroca sem falar de Caravaggio, o pintor mais pujante dos finais do século XVI e início do século XVII, seria uma heresia. De facto, Michelangelo Merisi, natural da pequena vila de Caravaggio, veio a ser conhecido apenas como CARAVAGGIO e foi o pintor barroco, por excelência. O pathos barroco tem nele um dos seus máximos expoentes.

Nesta pintura da Medusa, de 1597 (figura 27.4), Caravaggio representa-a por meio de um auto-retrato!
Figura 27.4 . "Medusa" . 1597 . Caravaggio


Outras das características da pintura de Caravaggio é a tridimensionalidade ou, talvez dito de outra forma, a cinemática acrescentada ao chiaro-scuro violento, que também caracteriza a sua obra, como na "Ceia em Emaús", de 1601 (figura 27.5), onde as figuras de Cristo e dos outros três homens conseguem tridimensionalizar o quadro. Cristo ergue o seu braço direito e aponta para a frente enquanto o seu braço esquerdo aponta para o lado esquerdo; o homem à direita aponta simultaneamente para trás e para a frente; o homem à esquerda, ao erguer-se, ergue os cotovelos para a direita e para a esquerda, ainda que enviesadamente, e este movimento de viés é acentuado, embora de forma subtil, pela ligação entre o chapéu branco, do homem em pé, com o extremo da toalha e o guardanapo, também brancos, contrastando com as partes negras do quadro. E que dizer do cesto de fruta, em primeiro plano, "quase" a cair, reforçando a cinematização da cena?
Figura 27.5 . "Ceia em Emaús" (Galeria Nacional de Londres) . 1601 . Caravaggio

Também de 1597 data o início de pintura a fresco de um dos tectos do Palácio Farnese (figura 27.6), em Roma, da autoria de outro dos grandes pintores barrocos - Annibale Carracci. 
Figura 27.6 . "Os Amores dos Deuses" (Palácio Farnese) . 1597/1608 . Annibale Carracci 
Este tecto atinge um dos patamares mais altos da pintura dita quadratura. Com efeito, a ilusão de óptica dá-nos a ler um tecto dividido em secções através de ténues molduras de estuque como que estruturando-o. Por sua vez, algumas destas diversas cenas são retratadas como se fossem quadros, emoldurados a bronze, e apostos ao tecto e, daí, conhecidos como - quadri riportati. Nos cantos, estátuas de atlantes e mancebos suportando o entablamento do tecto e segurando as diversas molduras. É de salientar que, no entanto, a cornija, que é apenas pintada, só aparece nos quatro cantos. Portanto, toda a estatuária e arquitectura são falsas, apenas a pintura é verdadeira. A figura 27.7, representando um dos lados menores do rectângulo que enquadra o tecto, mostra bem esta complexidade do trompe l'oeil.
Figura 27.7 . "Oa Amores dos Deuses" (Palácio Farnese) . Detalhe . 1597/1608 . Annibale Carracci 
A Arte do Barroco, também o século da Ciência, lida tanto com a Vida como com a Morte, como com a Saúde como com a Doença.

As cenas bíblicas constituem um particular atractivo para os pintores barrocos e, em especial as mulheres da Bíblia. Artemisia Gentileschi foi uma das raras mulheres pintoras da História Moderna. Aqui, Judite, ajudada pela serva, leva a cabeça de Holofernes dentro de um cesto (figura 27.8) depois de o haverem decapitado, e olhando para o seu corpo inerte. É evidente a herança do chiaro-scuro "caravaggiesco"!
Figura 27.8 . "Judith com a cabeça de Holofernes" (Palácio Pitti . Florença) . 1613/14
Artemisia Gentileschi 
Os estados de alma também se petrificam. O estertor da Beata Ludovica Albertoni, momentos antes da sua morte (figura 27.9), foi um dos últimos trabalhos de Gian Lorenzo Bernini, não só um fabuloso escultor como também um dos maiores arquitectos barrocos de que, a devido tempo, falaremos. Bernini dizia que representava as emoções minutos ou segundos antes de elas se produzirem. Assim, parece, de facto, ao contemplar-se Ludovica.
Figura 27.9 . "Êxtase da Beata Ludovica" (S. Francesco a Ripa . Roma) . 1674 . Gian Lorenzo Bernini 
Entre as muitas representações da Morte, mais uma vez Bernini atingiu um altíssimo nível no monumento fúnebre que, também, é a tumulação do Papa Alexandre VII (figura 27.10), da Família Chigi, e um dos maiores patrocinadores da Arquitectura Barroca Romana.
Figura 27.9 . "Túmulo de Alexandre VII" e Pormenor . São Pedro do Vaticano . Roma) . 1678
Gian Lorenzo Bernini
Para além das figuras de uma finura de retrato inexcedível, atente-se no pormenor (do lado direito) da Morte envolta num manto de brocado, brandindo a ampulheta. O lado tenebroso do barroco, lembrando quão curta pode ser a Vida - MEMENTO MORI - aliás um dos lemas preferidos do Barroco.

Mas, antes de prosseguir na senda da arquitectura barroca, convém falar um pouco mais sobre esta era da civilização europeia. Ao falar-se do barroco não se pode deixar de ter em linha de conta que o século XVII foi o século da "Invenção da Ciência", segundo David Wooton. Foi o século, entre várias dezenas de personalidades, de Newton, de Galileu, de Descartes e também de Kepler. Depois de este cientista ter verificado que a trajectória de Marte era elíptica e de se ter extrapolado para as órbitas dos outros planetas essa mesma figura, as artes dependentes da geometria, como a arquitectura, tiveram ao seu dispor uma nova figura proporcionando uma nova centralidade: em rigor, uma bi-centralidade ou seja uma figura centralizada em dois focos - a elipse.

A Renascença utilizou o círculo e o seu centro idealizando-o como o ponto focal de Deus e o seu filho Homem. A elipse deu corpo à grande revolução social: Deus vs. Rei. O auge da sociedade áulica que viria a ter o seu ponto culminante no Rei-Sol, quando França e mais precisamente Paris destrona Roma.

O quadro 27.1 tenta dar uma sinopse das características das três idades do renascer da Arquitectura da Idade Moderna. Tem apenas uma mera indicação adjectivante que, no entanto, me parece poder enquadrar e substantivar algumas das diversas características dessas fases.
Quadro 27.1
E será, também, sob estas categorizações que se poderá olhar a Arquitectura Barroca sobre que se irá lançar a atenção nos próximos capítulos deste blog.

Mas, antes de fechar este capítulo e não querendo deixar a Morte como o principal mote, tenho que lembrar que o Barroco também exorta a Vida e o Amor ou, enfatizando, a exacerbação das paixões.
Assim, temos, de Caravaggio, a Natividade com São Lourenço e São Francisco a adorarem o Deus Menino, deitado no chão sobre mantas e palhas. Uma imagem (figura 27.10) não muito consentânea com a manjedoura, mais usada para o efeito de berço. Mais uma vez o chiaro-scuro, o ponto focal, o principal tema da cena, está no fundo da tela, mais uma vez a dinâmica dos olhares para o Menino Deus e a força dinâmica dada pela aparição do Anjo, apontando o Menino. E que dizer de São José, de costas, olhando para os visitantes e não para o centro das atenções?
Figura 27.10 . Natividade com São Lourenço e São Francisco . 1600 . Caravaggio
O Barroco celebra também o Amor carnal, ou não celebrasse também a folia, ainda que servindo-se da mitologia romana como Annibale Carracci o fez, variadas vezes mas, aqui, reproduzido na figura 27.11 a que não faltam as presenças de Vénus, e os seus atributos apelativos, empunhando uma maçã, e, como não podia deixar de ser, acompanhada pelo seu emissário e filho, o Cupido. Também não poderia faltar o casal de pombos, a essência e o símbolo insubstituível do AMOR.
Figura 27.11 . Vénus e Cupido . Annibale Carracci
a seguir: (24OUT19)
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CARLO MADERNO - o "Primeiro" Arquiteco Barroco