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30JUL20
Aquando da apresentação deste blog, alertei os possíveis leitores para que tomassem em conta que se registasse que esta abordagem nunca poderia confundir-se com a HISTÓRIA. Para isso teria de haver isenção e equidistância. Não houve essa intenção. Seria, é e será apenas um divagar sobre alguns dos edifícios que fizeram História. Uma quase-escolha dos que mais admirei e continuo a admirar e que Itália, por ter sido o berço deste código arquitectónico, seria o país eleito e, como tal, a fonte de inspiração.
O meu olhar sobre os artefactos arquitectónicos prende-se essencialmente com uma apetência de ver esses objectos especificando aspectos que se atribuem às características da matéria e suas diversas e possíveis expressões, enfatizando o que se chama: LINGUAGEM ARQUITECTÓNICA. Neste sentido, apelido de MANEIRISMOS às maneiras como o espírito da Arquitectura Moderna se insinuou em alguns outros países europeus, nomeadamente em França, Inglaterra, Espanha, Países Baixos e Alemanha.
Depois desta pequena ronda, acabarei o deambular pelas arquitecturas que perfizeram parte importante da minha aprendizagem e gozo intelectual com o regresso a Itália - o regresso às ORIGENS.
---------- OS "MANEIRISMOS" ----------
FRANÇA
Dos tempos medievais persistiram as torres de menagem, ou torreões, as chamadas "donjon", normalmente de planta circular, e que se insinuaram nos primeiros experimentos da arquitectura renascentista.
O donjon de Rouen (figura 44.1), ou de Santa Joana d'Arc, hoje, com a cidade que a cercou, constitui um dos exemplos mais puros destes cilindros de salvação última.
Figura 44.1 . Donjon de Jeanne d'Arc . Rouen |
O corte e o alçado traduzem um tanto a exiguidade dos espaços habitáveis (figura 44.2), por vezes como últimos redutos para salvaguarda do Rei ou do seu Senhor.
Figura 44.2 . Donjon de Jeanne d'Arc .Alçado e corte vertical . Rouen |
De volumetria bem mais complexa e caprichosa ergueu-se em Vincennes, um reduto. Na proximidade de Paris, e também na época feudal, o seu Castelo e a sua respectiva torre de menagem ainda hoje se evidenciam no perfil urbano. A planta é resolvida por um quadrado com quatro cilindros nos seus vértices. A planta de um dos seus pisos (figura 44.3) revela bem esta complexa arquitectura.
Figura 44.3 . Donjon de Vincennes . Paris |
E é interessante ver um dos seus pisos, com uma grande área de estar e de circulação e distribuição, em que a estrutura pétrea não poderia prescindir do apoio vertical (figura 44.4), uma coluna de secção oitavada, em pleno centro do espaço.
Figura 44.3. Donjon de Vincennes . Piso . Paris
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Figura 44.4. Donjon de Vincennes . Paris |
Figura 44.5. Panorâmica sobre Paris |
Se considerarmos a linguagem específica de alguns dos paços de algumas regiões francesas como, por exemplo, a Normandia, poderemos ter uma solução linguística que se pode sintetizar numa nova expressividade arquitectónica. Por exemplo, atendendo a um "donjon " como o do castelo de Largoet e à "manoir de Coupesart", em Calvados (figura 44.6), temos a imagem acabada do Chateau de Azay-le-Rideau, no Vale do Loire (figura 44.7).
Figura 44.6. Donjon de Largoet (esq.) e Manoir de Coupesart (dir.) Calvados |
No primeiro quartel do século XVI, a França deu origem a uma especial arquitectura que se distingue pela miscigenação de velhos "vocábulos" medievais com os novos renascentistas. Principalmente o Vale do Loire foi o local de eleição para esta arquitectura palatina.
Embora o "chateau" de Azay-le-Rideau (figura 44.7) não tenha sido o primeiro exemplar a adoptar esta nova imagem, parece-me ser o que mais claro é quanto à nova sintaxe arquitectónica, misturando velhos léxicos franceses com os novos italianos como a seguir se explicará.
Figura 44.7. Azay-le-Rideau . 1518/27 |
Se, por um lado se obtém como que uma "petrificação" da "manoir" normanda, por outro lado as faixas correspondentes ao emadeiramento dos pisos e dos entre-pisos adquirem, na pedra, reminiscências de entablamentos separadores de pisos. Acresce a esta nova materialização alguns outros aspectos ainda mais conotados com os elementos renascentistas como a materialização de pilastras, por exemplo. A figura 44.8 mostra-nos a imagem manipulada por aposição de parede de madeira sobre parede de pedra.
Figura 44.8. linguagem de madeira versus lingagem de pedra |
Também no vale do Loire mas já num seu afluente, o Rio Cher, com base numa antiga torre de menagem se constrói um dos palácios - "chateaux" - mais emblemáticos desta zona privilegiada de França - o chateau de Chenonceau (1515/21 a 1550s).
Com o seu donjon na margem esquerda do rio, já em pleno leito se edifica o corps-de-logis (figura 44.9) com a sua respectiva capela palatina (extremidade esquerda da figura 44.9 e, vistas do seu interior na figura 44.10). Se na capela as janelas ainda têm os seus lumes de arcos apontados (figura 44.9), tão caros ao gótico, as janelas da frente já se enquadram entre pilastras ao gosto renascentistas e as lucarnas são rematadas com frontões de desenho caprichosamente tendendo para fantasias medievais.
Figura 44.9. "Corps de logis" de Chenonceau . Rio Cher |
Figura 44.10. Abside da Capela Palatina de Chenonceau . Rio Cher |
A este conjunto se acrescentará o resto da ala do palácio, convertendo-se uma ponte unindo as duas margens, em três níveis habitáveis (figura 44.11) . A concepção geral do palácio é deslumbrante e, por mais belos ícones que o tentem retratar, a realidade suplanta-os.
Figura 44.11. Palácio de Chenonceau . Rio Cher |
Um dos andares-ponte (figura 44.12) deste conjunto dá bem a ideia da grandiosidade da obra, bem como um dos aposentos onde o conforto está intrinsecamente associado a um luxo caprichoso (figura 44.13) a que não poderia faltar uma lareira imponente.
Figura 44.12. Palácio de Chenonceau . Ala do 1º andar sobre o Rio Cher |
Figura 44.13. Palácio de Chenonceau . Quarto |
A figura 44.14 mostra com algum pormenor a linguagem sofisticada das paredes constituídas por tramos "abaluartados" alternando-se com tramos planos. Uns e outros são encimados por lucarnas redondas de frontões compostos e terminados em triângulos.
Figura 44.14. Palácio de Chenonceau . Pormenor da parede exterior da "ponte" |
Figura 44.15. Palácio de Chenonceau . Datação da "ala-ponte" |
A concepção geral do conjunto a edificar sobre um sítio específico que, inicialmente, seria apenas como um último reduto (figura 44.16), ainda hoje se pode eleger como o modo francês de "naturar" a natureza que, anos mais tarde, seria consagrada e tendo como expoente máximo Versailles.
Figura 44.16. Palácio de Chenonceau . Sítio |
a seguir: (13AGO20)
FRANÇA - continuação