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28MAR19
SERLIO - o Incontornável




Sebastiano Serlio nasceu em Bolonha em 1475 e faleceu em França, em Fontainebleau, em 1554 com a idade de 79 anos. Em França estava a serviço de François I, mecenas que foi, também, de Leonardo da Vinci.

Deste grande pensador da arte de arquitectura ficaram os seus afamados livros cujo lançamento não seguia directamente a numeração lógica por ele entendida. Assim, a seguir ao título dos livros afixa-se a ordem pela qual Serlio os numerava.

1537 - Veneza - Dos Cinco Estilos de Edifícios -Livro IV
1540 - Veneza - Sobre Antiguidades - Livro III
1545 - Paris - Da Geometria, Da Perspectiva - Livro I e II
1547 - Paris - Dos Templos - Livro V
1551 - Lyon - O Livro Extraordinário de Portas - Livro X
1575 - Frankfurt - Situações - Livro VII (póstumo)
1966 - Milão - Das Habitações - Livro VI (póstumo)
1994 - Milão - Teoria castrense de Políbio (póstumo) (Y)

Figura 13.1 . Modelo para fachada de igreja . 1537
Também é justo mencionar que Serlio, no seu primeiro livro publicado, ou seja o Volume IV, refere que as coisas agradáveis com que o leitor se depararia se ficariam a dever ao seu mestre Baldassare Peruzzi. É um gesto grande de gratidão e humildade perante esse professor e colega que havia morrido.
Para além do próprio conteúdo dos Livros, é de referir que foi a primeira vez que os textos desta natureza foram produzidos em italiano e não em latim, conforme havia feito Alberti, facilitando o alcance a todos os que se envolveram com a arte da Arquitetura. Alguns dos livros também teriam sido publicados em francês.

Antes de abordarmos a sua obra arquitectónica mais relevante e que sobreviveu, o Château d'Ancy-Le-Franc, em Tonerre, na Borgonha, será interessante e muito importante observarmos o pensamento de Serlio sobre as figuras centralizadas que a Renascença viu surgir como resposta à nova postura do Homem perante o Mundo. Postura essa que se idealizou buscando novos significantes para as novas formas de relacionamento do Homem com Deus.

Todos os espaços centralizados propõem diversos desafios aos seus projectistas no que concerne à forma da figura geométrica geratriz desse espaço, à sua cobertura, normalmente em cúpula, e à/s fachada/s desses espaços, quer interiores, quer exteriores.

A cruz latina ou a planta chamada de basilical oferece espaços alongados dirigidos para a capela-mor. São espaços rectilíneos a percorrer-se até ao "encontro" com o Divino. A planta centralizada, quer em cruz grega, quer circular, quer ovalada ou quer ainda elíptica pressupõem o "encontro" imediato, centralizado, sob o céu transmitido arquitectonicamente por uma figura geométrica em que o círculo, a mais imediata de todas, ou a oval, ou a elipse, ou ainda qualquer forma poligonal são as figuras mais consonantes com esse desidério da centralidade.



Já havíamos visto um dos primeiros exemplos de centralidade na Igreja de Santa Maria delle Carceri, de Giuliano da Sangallo (nº9 - 31 JAN 19). Estas figuras centralizadas foram abordadas inúmeras vezes por Leonardo. Donato Bramante projecta os dois extremos de grandeza das plantas centralizadas: a Basílica de São Pedro de Roma e o Templete de São Pedro in Montorio, também em Roma. A seu tempo, teremos ocasião de ver a primeira igreja de planta oval construída, pelo risco de Jacopo Barozzi da Vignola, a igreja de Sant'Andrea in Via Flaminia, 1550/51, em Roma.

O interesse pela escolha destas figuras centralizadas como base para os espaços religiosos não só renascentistas como mais tarde o barroco seguirá, deveu-se aos estudos que vários arquitectos fizeram sobre os monumentos deixados pela civilização romana, tais como, por exemplo, os anfiteatros, destacando-se entre todos os de Roma e Verona e os arquitectos Baldassare Peruzzi, Giovanni Battista da Sangallo e Andrea Palladio.



Sebastiano Serlio foi também um dos arquitectos que se dedicou ao estudo dos diagramas ovais. Segundo Sylvie Duvernois ( no magnífico artigo "Baroque Oval Churches: Innovative Geometric Patterns in Early Modern Sacred Architecture", publicado on line a 20 de Maio de 2015 por Kim Williams Books, Turin 2015), parece que Serlio foi tanto o primeiro como de certo modo o último a discorrer sobre novas figuras geométricas na literatura arquitectónica renascentista.


A figura 13.2 representa o estudo para uma igreja de planta oval da autoria de Serlio, apresentando a planta e um corte longitudinal. A planta, de uma aparente complexidade de pormenorização, propõe 8 grandes pilares, de contorno intrincado, para sustentação da cúpula. É uma tomada de posição diametralmente oposta à arquitectura gótica cuja sustentação primordial das paredes exteriores se exteriorizavam com recurso a pilares e arcos botantes, ao invés deste exemplo em que o pano da parede exterior é completamente liso e isento de estruturação necessária.
Figura 13.2 . Estudo para uma igreja oval . L'Architettura, Livro V "Le Diverse Forme dei Tempi Sacri"
Estes oito pilares avançam sobre o espaço interior, com recortes complexos a proporem espaços pequenos destinados a capelas, distinguindo-se 3 espécies de dimensões e formas, ainda que aproximadas umas e outras:
1ª. Capela-mor e entrada
2ª. quatro iguais, ligeiramente mais estreitas que as anteriores, dispostas a 45º em relação aos eixos principais
3ª. dois espaços maiores colocados como se de um transepto se tratasse. Estes espaços maiores abrem-se para a nave através de SERLIANAS.
A cúpula, também de superfície ovalada, seria realizada com o recurso a caixotões resultantes do cruzamento dos estruturantes radiais, em número de 16, que vão fazer a descarga sobre o mesmo número de pilastras embebidas nos previamente referidos oito pilares correspondentes à estrutura vertical. Entre cada par destes estruturantes radiais desenvolve-se um estruturante também radial que descarrega sobre a padieira de uma janela quadrada, pousada sobre o entablamento. Este facto, um tanto insólito de descarga sobre um vão, pode querer significar que o elemento radial estruture apenas e tão só a cúpula. A ligar todos estes elementos, 16 mais 8 estruturantes radiais estabelecem-se 5 estruturas anelares, horizontais, portanto, de planta oval, diminuindo de dimensões à medida que se aproximam do zénite da cúpula.
Uma nota, ainda, sobre o entendimento do que seria este espaço concretizado. A divisão entre "céu" e "terra" seria dado por um entablamento consentâneo com as pilastras que o apoiariam. Mas, a concordância das estruturas da cúpula com os suportes verticais impressas na parede contínua, e apesar do entablamento, traz à lembrança as estruturas góticas. Quase um século depois, Borromini haveria de adaptar na sua arquitectura este tipo de estruturação, razão pela qual foi vilipendiado como sendo um arquitecto "gótico".

De Serlio ficou um dos Chateaux mais emblematicamente italiano em solo francês: o Chateau d'Ancy-le-Franc, já atrás mencionado.
Em duas das gravuras que se encontram facilmente disponíveis, o palácio tem como extensão grande um jardim recticulado em parterres. Todo o conjunto é envolvido por um fosso, à maneira medieval, dificultando o "assédio inimigo", como mostra a figura 13.3.
Figura 13.3 . Chateau de Ancy-le-Franc . Desenho do alçado do côté du parterre . Borgonha . 1542/50
Sebastiano Serlio
A sua planta (desenhos 13.4 e 13.5) reflecte o desenho mais convencional de castelos perfeitos, de base quadrada e torreões nos quatro cantos.
Figura 13.4 . Chateau de Ancy-le-Franc . Planta do rés-do-chão . Borgonha . 1542/50 . Sebastiano Serlio
Figura 13.5 . Chateau de Ancy-le-Franc . Planta do piso das águas-furtadas . Borgonha . 1542/50
Sebastiano Serlio
Também nesta planta do piso térreo se pode verificar as passagens permitidas através das salas e compartimentos, enfilade.
Os quatro alçados exteriores são iguais, ressalvando-se o principal pela exaltação dada à porta principal.
Curiosamente, os desenhos conseguem ser mais explícitos do que propriamente as fotografias. Dever-se-á provavelmente ao facto de os elementos estruturantes como os frisos, entablamentos e as pilastras terem pouco relevo e nas fotografias não aparecerem com o realce que os desenhos possuem, como se poderá verificar pela comparação entre uns e outras. Também a qualidade e cor da pedra não dará grande relevo à diferenciação dos elementos componentes das paredes.
Figura 13.6 . Chateau de Ancy-le-Franc . Alçado principal - desenho . Borgonha . 1542/50 . Sebastiano Serlio

Figura 13.7 .Chateau de Ancy-le-Franc . Alçado tardoz . Borgonha . 1542/50 . Sebastiano Serlio
Façamos agora uma análise desta frontaria. O corpo central, de dois pisos e dois estratos, encontra-se ladeado por dois pavilhões de três pisos e três estratos. A separação entre os estratos é feita por meio de entablamentos com as respectivas componentes. É de realçar que o entablamento entre o primeiro e o segundo pisos é contínuo e, portanto, igual tanto no corpo principal como nos pavilhões avançados. A cornija do entablamento que remata o corpo central, mais baixo, projecta-se com o auxílio de um denticulado expressivo. Os torreões, de três pisos divididos igualmente por entablamentos iguais, também tem um remate superior do mesmo desenho do corpo central, isto é, a cornija apresenta também um denticulado.
O corpo central divide-se em nove tramos separados por pilastras da ordem toscana. O tramo central abre-se em porta de arco, no piso térreo, bem como também em arco no segundo piso, de acesso à varanda. É uma maneira bastante discreta de chamar a atenção ao eixo de penetração, ao eixo de simetria.
A varanda, de elaboração delicada como uma "renda" de pedra, apresenta o brasão de armas no centro, e apoia-se em duas colunas dóricas, nas extremidades, e em duas consolas elaboradas na parte central, num excesso de reforços.
Figura 13.8. Chateau de Ancy-le-Franc . Alçado principal - pormenor da varanda sobre o acesso principal Borgonha . 1542/50 . Sebastiano Serlio
Os torreões são divididos em três tramos, de largura igual, também separados por pilastras toscanas.
A figura 13.9 mostra-nos dois castelos, de filologias distintas: Azay-le-Rideau - arquitectura francesa e Ancy-le-Franc - arquitectura italiana. O primeiro data de 1518/27, portanto, um quarto de século anterior ao de Serlio. Apesar desta diferença, com a chegada da Renascença a solo francês, com as innovations architecturales italiennes, o chateau manteve os seus torreões cilíndricos, em sintonia com as fortalezas góticas mas, em compensação, rasgou as suas paredes com janelas amplas, altas, desde os peitoris até aos tectos. A busca do Sol e da luz reflecte-se ainda nas lucarnas, com o envidraçado igual ao das janelas, tanto em desenho como em tamanho. O sentir setentrional proporcionando os rasgamentos possíveis.
Figura 13.9. Chateau de Azay-le-Rideau . Tours . 1518/27
Chateau de Ancy-le-Franc . Borgonha . 1542/50 . Sebastiano Serlio
Em contraste, Serlio abre janelas relativamente pequenas, "evidenciando" o seu sentir de arquitecto meridional, onde a luz é abundante, e onde a sombra é uma benesse em climas mediterrânicos.

Irmanam estes dois castelos as respectivas coberturas, de telhados de pendentes fortemente inclinadas. A disparidade entre estes dois edifícios ainda se torna mais evidente nos rasgamentos correspondentes às lucarnas.
É bastante interessante a comparação entre a arquitectura do exterior do palácio e a do interior do seu pátio. Bastante severas as paredes exteriores, bastante mais delicadas as paredes do pátio, quadrado, também de nove tramos mas com uma interpretação subtil e requintada. Assim, cada fachada interior deste pátio apresenta cinco tramos separados por quatro tramos bastante mais pequenos, num ritmo a b a. Os tramos grandes rasgam-se em janelas e os tramos pequenos apresentam nichos simples no segundo piso e duplos no piso térreo.
Figura 13.10. Chateau de Azay-le-Rideau . Desenho do corte pelo cortile . Tours . 1518/27
Figura 13.11. Chateau de Azay-le-Rideau . Corte pelo cortile . Tours . 1518/27
As pilastras que separam os tramos do piso térreo assentam num pedestal quase com a altura de 1/3 da altura de cada estrato. A divisão entre estes dois estratos do pátio faz-se por um entablamento completo e remata o segundo estrato uma cornija também denticulada como a do exterior.
Mas o mais interessante desta composição rigorosa é a forma como Serlio faz as esquina interiores dos quatro lados, com a dobragem dos tramos mais pequenos, os tramos b, que contém os nichos. Esta opção estética (figura 13.12) propõe uma visão em continuum, portanto ininterrupta, da parede com todas as suas características construtivas. Contribui também para o continuum o facto do piso térreo conter cinco arcos em cada lado, não obstante uns serem abertos e outros "fechados", ou sejam alguns apenas impressos nas paredes.
Figura 13.12. Chateau de Azay-le-Rideau . Tours . 1518/27
Pormenor de canto do pátio
Os alçados do pátio são mais elaborados do que os alçados exteriores, quase que por fora querendo significar ainda uma casa forte e por dentro um éden privado. De facto, o pátio apresenta as duas ordens mais sofisticadas: no rés-do-chão a ordem coríntia e no andar superior a ordem compósita, ambas expressas em pilastras. 
Também é de salientar a inserção das janelas. No piso inferior são emolduradas por arcos suportados por pilastras dóricas e as do piso superior têm as cornijas encimadas por um remate de frontões floreados. As lucarnas abrem-se em arco, como se fossem edículas requintadamente esculpidas.
Como última nota, a frente da casa e o alçado oposto são a antítese uma da outra, como a figura 13.13 bem expressa. É bem possível que a composição dos jardins da frente e o do tardoz tenham sofrido alterações ao projecto original. Pelas diversas gravuras consultadas assim parece ter sido. No entanto, a imagem aqui apresentada mostra as duas maneiras de expressão do tratamento da natureza: à frente, à francesa, com a natureza domada através da geometria - a natureza naturanda, e atrás a natureza teoricamente naturada, tal como se apresentaria naturalmente, com o serpenteado bucólico de um riacho desaguando num lago.
Figura 13.13. Chateau de Azay-le-Rideau . Tours . 1518/27 . Implantação
a seguir (11ABR19)
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MICHELE SANMICHELLI
o Arquitecto da SERENÍSSIMA


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14MAR19

GIULIO PIPPI - o MANEIRISTA ROMANO

Muito se tem especulado sobre o que se entende por Maneirismo. Ainda que simplificando, entendo que a la maniera, ou seja, à maneira de, é o modo como um arquitecto entendia o código linguístico que correspondia ao seu tempo de vivência, determinando prioridades de certos elementos em detrimento de outros. A escolha da panóplia lexical, dos sintagmas paradigmáticos ou mesmo de diferentes arrojos de formulação davam consistência às prioridades compositivas ou sintácticas que eram conjugadas a seu belo prazer. Tendo o pórtico helénico sido o berço, a fantasia artística foi o seu crescimento e natural maturidade. A ordem e a norma cederam à imaginação criadora e foram tomadas com as mais amplas liberdades pelos maneiristas. Sobre este período, suponho que Leonardo Benevolo é, ainda, o mais completo pensador.
Quanto ao cerne da questão, e se nos abstrairmos da época específica atribuída ao Maneirismo, penso não errar ao afirmar que o arquitecto que se preze ambicionará deixar a sua assinatura, a sua marca nas obras por si criadas. Sempre assim terá sido e sempre assim será. Gostará de ser reconhecido pelo seu modo de pensar e criar o espaço, materializando-o, ao arquitectá-lo à sua MANEIRA.

Mas indo ao Maneirismo da época a que este blog se dedica, o período que medeia entre o Renascimento e o Barroco, saliento os dois gigantes desta sensibilidade de arquitectar all'antica: Giulio Romano e Miguel Ângelo. Os dois foram os que mais ultrapassaram os limites da lógica edificatória. Souberam, como poucos, lidar com algumas incongruências as regras construtivas mais elementares.

E, assim, se de maneirismo se pode começar a falar com propriedade, é de Giulio Pippi De'Januzzi, ou seja, Giulio Romano. E, como primeira “boutade” arquitectónica, apenas um apontamento sobre a maneira como Giulio Romano decidiu emoldurar as janelas de sacada do segundo piso da Villa Lante (figura 14.1), em Roma.

Figura 14.1 . Villa Lante . 1519 . Roma . Giulio Romano

Ao rematar as padieiras com duas volutas, embora mínimas, equiparou-as com as pilastras que as enquadram. Sob o ponto de vista estrutural parece um absurdo que um rasgamento assuma o papel de pilastra. Reforça ainda mais insolitamente o facto das ombreiras começarem a 1/3 da altura esperada, quase como que se as "pilastras" não pousassem no chão. Como se flutuassem...



A convite de Federico Gonzaga, Giulio Pippi saiu da sua cidade e foi para Mântua, e daí o epíteto de romano, onde ficou até à sua morte, em 1546. Mântua foi a cidade que ele trocou por Roma, para aí fazer o Palazzo Te (figura 14.2), nos seus subúrbios. De 1524 a 1534, o palácio tomou forma. É uma das construções mais originais dessa época, onde Giulio Romano conseguiu dar largas à sua imaginação quimérica com um mecenas tão disposto a aceitar os seus devaneios artísticos.
Figura 14.2 . Palazzo Te (planta piso térreo). 1524/34 . Mântua . Giulio Romano
A planta do piso térreo, lida desde a entrada no edifício, prenuncia a possibilidade de uma perspectiva que, desde a porta principal se dirige a um outro pórtico, que medeia o corpo paralelo ao da entrada, e até à espécie de ninfeu, um porticado implantado em círculo, que se atravessa com o olhar até ao imenso campo mantovense. É a chamada perspectiva diafragmada, posto que “vence barreiras” (figura 14.3) até o olhar se poder perder no infinito. Esta noção de visualização do infinito, com interferências arquitectónicas somente em parte ocultantes, haveria de se transformar em perspectivas ad infinitum, no período barroco. 
Figura 14.3 . Palazzo Te (perspectiva aérea). 1524/34 . Mântua . Giulio Romano 
Depois de percorrido o cortile quadrado, e tendo-se entrado e seguido sempre em frente, encontra-se um segundo corpo paralelo ao primeiro, de entrada, e deparamo-nos com uma loggia aberta dos dois lados. É um espaço magnífico (figura 14.4), com o tecto abobadado e recoberto de pinturas enquadradas em molduras que repercutem os arcos torais e as cordas da abóbada. No entanto, o que por demais se evidencia são os suportes verticais que compõem este espaço aberto, esta loggia aberta dos dois lados. Sob o ponto de vista gramatical, e enquanto língua, diríamos que essa abundância de colunas e pilares e pilastras tornariam o discurso hiperbólico. 
Figura 14.4 . Palazzo Té (loggia do segundo corpo paralelo ao da entrada) . 1524/34 . Mântua . Giulio Romano
Os suportes são excessivos, enquanto estruturação. São a “justa medida” enquanto arquitectura maneirista. Esta conjugação de supérfluo versus necessário seria já uma ante visão barroca, que se viria a confirmar. 
Figura 14.5 . Porticado "encerrando" a perspectiva do palácio Te . 1524/34 . Mântua . Giulio Romano 
E, finalmente, o cenário que remata a implantação de todo o palácio, deixando ver, embora de forma bastante condicionada (figura 14.5), a paisagem mantovana. A visão diafragmada em vez da visão total. 
Figura 14.6 . Palazzo Te (alçado sudeste da loggia do segundo corpo paralelo ao da entrada). 1524/34 . Mântua
Giulio Romano
A fachada deste espaço aberto, alçado sudeste, vista, portanto, do lado do porticado curvo, também é um compêndio de motivos arquitectónicos, onde predominam as serlianas. As do pórtico central têm os lumes mais pequenos em comum (figura 14.6). As dos extremos, em vez de colunas sustentando os arcos e os linteis, utilizam pilastras.

Curiosa é a maneira como Giulio Romano desenhou as serlianas de um lado e de outro do pórtico central. A primeira serliana, logo a seguir ao centro, é completa na sua formulação, assim como a segunda, contando-se tanto para o lado direito como para o esquerdo. A separá-las encontram-se duas pilastras de fuste bem robusto. A terceira e a quarta serlianas prescindem das aberturas dos lumes rectos, ainda que mantenham as pilastras, transformando-se em simples arcos. É um exercício de estilo interessante, como se dos extremos laterais até ao centro a arquitectura se tornasse mais complexa e dinâmica.

Porém, a outra face deste corpo (figura 14.7), primeiramente visível para quem entra no palácio, é o cúmulo de uma atitude maneirista.
Figura 14.7 . Palazzo Te (alçado noroeste da loggia do segundo corpo paralelo ao da entrada) . 1524/34 . Mântua Giulio Romano
Com efeito, os tríglifos do corpo edificado ameaçam cair a todo o instante. Duas métopas, parte sólida de qualquer friso que se queira como estruturante, são vazias, inexistentes enquanto tal. São postigos, logo, denunciam espaço habitável no friso. 
A parede também revela algumas incongruências construtivas. As janelas cegas têm a padieira resolvida por meio de aduelas estabelecendo uma padieira recta. Mas, por cima deste fecho portentoso, de desmedido que é, ainda tem a encimá-lo duas rampantes que se apoiam, de lado, em mísulas. As rampantes estão nitidamente a ser sustidas pelas aduelas da padieira da janela. Por cima de um dos nichos arqueados por três enormes aduelas, que se intercalam com as janelas cegas, abre-se uma janela, insólita, por ser única e por isso desvalida em concordância com as outras semelhantes, mas cegas. A ordem dórica que compõe esta fachada é de uma verdadeira singeleza e esbelteza, como raramente se encontra. Duas notas ainda para este palácio que é deveras fonte inesgotável de sintaxes surpreendentes.

A sua fachada principal e a nordeste (figura 14.8), a do lado esquerdo, portanto, são de um sentido estrito de um rigor linguístico no que respeita à estruturação, e de uma vontade de perturbar essa delicadeza clássica com uma tipologia de paredes rudes, de estereotomia rusticada e reveladora da sua sobreposição e contrafiamento.
Figura 14.8 . Palazzo Te (alçado principal - direita – e alçado nordeste - esquerda). 1524/34 . Mântua
Giulio Romano
A leitura que se tem é a de um estereóbata sobre o qual assenta uma profusão de pedestais, ligados por zonas recuadas, sobre os quais assentam pilastras dóricas de bases elaboradas, assim como os capitéis. Sobre estas pilastras assenta um entablamento generoso, com arquitrave, friso desenvolvido com métopas e tríglifos bem desenhados, e uma cornija de grande projecção. Os cunhais são resolvidos por pilares apilastrados de expressão mais forte do que a das próprias pilastras. Sendo de estrato único, as paredes dividem-se em dois pisos separados por um friso singelo, qual faixa estreita. As janelas do piso térreo são rectangulares, com a padieira formada por aduelas que se vão projectando cada vez mais assim que se aproximam de cima, sendo a de fecho eloquentemente mais saliente. As janelas do segundo piso são de simples recorte sem qualquer espécie de tratamento. A entrada, no tramo central, é feita por um arco cujo intradorso atinge o friso separador dos dois pisos. 

O contraste entre a delicadeza da ordem e o rusticado das paredes é algo desconfortável, quase se assemelhando às primeiras casas renascentistas em que se queriam quase-fortalezas, mas onde não havia um contraste tão gritante entre estruturantes e estruturados. E rematando este alçado, um entablamento requintado, elaborado num deslumbrante dórico mutulado.

Antes de deixarmos este palacete, poderemos admirar um fresco da autoria também de Giulio Romano, a” Queda dos Titãs” (figura 14.9), que cobre as paredes e tecto da Sala com o mesmo nome. 
Figura 14.9 . Palazzo Te . “A Queda dos Titãs” .  Mântua . Giulio Romano
Esta visão apocalíptica de um edifício a desmoronar-se pode bem ser apontada como o destino que a parede do cortile, que a figura 14.9 mostra, poderia ter tido, não fora senão mentira impressa a duas dimensões.

E de Giulio Romano, vejamos como ele desenhou a sua própria casa.
O edifício já existia quando o arquitecto o comprou para sua morada. Mas a fachada que hoje ainda se mantém em Mântua, por certo com algumas alterações ulteriores ao desenho original de Giulio Romano, não deixa ainda assim de causar algumas perplexidades (figura 9.10). Desde logo, a divisão em oito tramos, ficando a entrada descentrada.
Figura 14.10 . Casa de Giulio Romano. 1544 . Roma . Giulio Romano
Talvez que a ênfase posta nesse tramo e as expressivas “incongruências” linguísticas tornem essa assimetria disfarçável. De apenas dois estratos e dois pisos, o piso térreo ergue-se sobre vãos de arcos abatidos e demarcados com fortes aduelas, vãos esses sob janelas quadrangulares que, apesar da padieira recta, também ostentam aduelas, constituindo-se em arcos rectos. Separa os dois pisos um friso, delicadamente esculpido, e levantando-se em ângulo ascendente, quebrando a horizontalidade. Este desvio altimétrico é devido à marcação imponente da porta de entrada, rematada em arco abatido com aduelas, sendo a central fortemente salientada da parede e encaixando-se sob o ângulo do pseudo-frontão, pois que indiciado apenas pelas rampantes.
Sobre esta composição centralizadora está colocado um nicho com uma imagem de Mercúrio. As janelas, quatro mais três, de cada lado da porta de ingresso, são emolduradas por frisos, também finamente elaborados, e rematam-se com frontões delimitados com o mesmo friso (figura 14.11)

No vértice de cada tímpano, Giulio Romano apôs uma cabeça de anjo e, como se isto só não fosse suficientemente estranho, ainda mais bizarro é o facto de cada janela estar encaixada num recesso arqueado, com a estereotomia anunciando-se radiante e salientando-se planimetricamente à medida que se aproximam do cume. Os oito arcos de volta perfeita, das janelas, contrastam com o arco abatido que encima a porta de entrada, esta também com a aduela central saliente.
Figura 14.11 . Casa de Giulio Romano (pormenor central) . 1544 . Mântua . Giulio Romano
A pedra de fecho é mais saliente do que as demais. Contrastando ainda com a severidade da estereotomia da fachada, Giulio Romano teve o requinte de tratar as molduras das janelas, bem como o friso, com minúcias escultóricas.

a seguir (28MAR19):
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SEBASTIANO SERLIO - o Incontornável