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28MAR19
SERLIO - o Incontornável
Sebastiano Serlio nasceu em Bolonha em 1475 e faleceu em França, em Fontainebleau, em 1554 com a idade de 79 anos. Em França estava a serviço de François I, mecenas que foi, também, de Leonardo da Vinci.
Deste grande pensador da arte de arquitectura ficaram os seus afamados livros cujo lançamento não seguia directamente a numeração lógica por ele entendida. Assim, a seguir ao título dos livros afixa-se a ordem pela qual Serlio os numerava.
1537 - Veneza - Dos Cinco Estilos de Edifícios -Livro IV1540 - Veneza - Sobre Antiguidades - Livro III1545 - Paris - Da Geometria, Da Perspectiva - Livro I e II1547 - Paris - Dos Templos - Livro V1551 - Lyon - O Livro Extraordinário de Portas - Livro X1575 - Frankfurt - Situações - Livro VII (póstumo)1966 - Milão - Das Habitações - Livro VI (póstumo)1994 - Milão - Teoria castrense de Políbio (póstumo) (Y)
Figura 13.1 . Modelo para fachada de igreja . 1537
Também é justo mencionar que Serlio, no seu primeiro livro publicado, ou seja o Volume IV, refere que as coisas agradáveis com que o leitor se depararia se ficariam a dever ao seu mestre Baldassare Peruzzi. É um gesto grande de gratidão e humildade perante esse professor e colega que havia morrido.
Para além do próprio conteúdo dos Livros, é de referir que foi a primeira vez que os textos desta natureza foram produzidos em italiano e não em latim, conforme havia feito Alberti, facilitando o alcance a todos os que se envolveram com a arte da Arquitetura. Alguns dos livros também teriam sido publicados em francês.
Antes de abordarmos a sua obra arquitectónica mais relevante e que sobreviveu, o Château d'Ancy-Le-Franc, em Tonerre, na Borgonha, será interessante e muito importante observarmos o pensamento de Serlio sobre as figuras centralizadas que a Renascença viu surgir como resposta à nova postura do Homem perante o Mundo. Postura essa que se idealizou buscando novos significantes para as novas formas de relacionamento do Homem com Deus.
Todos os espaços centralizados propõem diversos desafios aos seus projectistas no que concerne à forma da figura geométrica geratriz desse espaço, à sua cobertura, normalmente em cúpula, e à/s fachada/s desses espaços, quer interiores, quer exteriores.
A cruz latina ou a planta chamada de basilical oferece espaços alongados dirigidos para a capela-mor. São espaços rectilíneos a percorrer-se até ao "encontro" com o Divino. A planta centralizada, quer em cruz grega, quer circular, quer ovalada ou quer ainda elíptica pressupõem o "encontro" imediato, centralizado, sob o céu transmitido arquitectonicamente por uma figura geométrica em que o círculo, a mais imediata de todas, ou a oval, ou a elipse, ou ainda qualquer forma poligonal são as figuras mais consonantes com esse desidério da centralidade.
Já havíamos visto um dos primeiros exemplos de centralidade na Igreja de Santa Maria delle Carceri, de Giuliano da Sangallo (nº9 - 31 JAN 19). Estas figuras centralizadas foram abordadas inúmeras vezes por Leonardo. Donato Bramante projecta os dois extremos de grandeza das plantas centralizadas: a Basílica de São Pedro de Roma e o Templete de São Pedro in Montorio, também em Roma. A seu tempo, teremos ocasião de ver a primeira igreja de planta oval construída, pelo risco de Jacopo Barozzi da Vignola, a igreja de Sant'Andrea in Via Flaminia, 1550/51, em Roma.
O interesse pela escolha destas figuras centralizadas como base para os espaços religiosos não só renascentistas como mais tarde o barroco seguirá, deveu-se aos estudos que vários arquitectos fizeram sobre os monumentos deixados pela civilização romana, tais como, por exemplo, os anfiteatros, destacando-se entre todos os de Roma e Verona e os arquitectos Baldassare Peruzzi, Giovanni Battista da Sangallo e Andrea Palladio.
Sebastiano Serlio foi também um dos arquitectos que se dedicou ao estudo dos diagramas ovais. Segundo Sylvie Duvernois ( no magnífico artigo "Baroque Oval Churches: Innovative Geometric Patterns in Early Modern Sacred Architecture", publicado on line a 20 de Maio de 2015 por Kim Williams Books, Turin 2015), parece que Serlio foi tanto o primeiro como de certo modo o último a discorrer sobre novas figuras geométricas na literatura arquitectónica renascentista.
A figura 13.2 representa o estudo para uma igreja de planta oval da autoria de Serlio, apresentando a planta e um corte longitudinal. A planta, de uma aparente complexidade de pormenorização, propõe 8 grandes pilares, de contorno intrincado, para sustentação da cúpula. É uma tomada de posição diametralmente oposta à arquitectura gótica cuja sustentação primordial das paredes exteriores se exteriorizavam com recurso a pilares e arcos botantes, ao invés deste exemplo em que o pano da parede exterior é completamente liso e isento de estruturação necessária.
Figura 13.2 . Estudo para uma igreja oval . L'Architettura, Livro V "Le Diverse Forme dei Tempi Sacri" |
Estes oito pilares avançam sobre o espaço interior, com recortes complexos a proporem espaços pequenos destinados a capelas, distinguindo-se 3 espécies de dimensões e formas, ainda que aproximadas umas e outras:
1ª. Capela-mor e entrada2ª. quatro iguais, ligeiramente mais estreitas que as anteriores, dispostas a 45º em relação aos eixos principais3ª. dois espaços maiores colocados como se de um transepto se tratasse. Estes espaços maiores abrem-se para a nave através de SERLIANAS.
A cúpula, também de superfície ovalada, seria realizada com o recurso a caixotões resultantes do cruzamento dos estruturantes radiais, em número de 16, que vão fazer a descarga sobre o mesmo número de pilastras embebidas nos previamente referidos oito pilares correspondentes à estrutura vertical. Entre cada par destes estruturantes radiais desenvolve-se um estruturante também radial que descarrega sobre a padieira de uma janela quadrada, pousada sobre o entablamento. Este facto, um tanto insólito de descarga sobre um vão, pode querer significar que o elemento radial estruture apenas e tão só a cúpula. A ligar todos estes elementos, 16 mais 8 estruturantes radiais estabelecem-se 5 estruturas anelares, horizontais, portanto, de planta oval, diminuindo de dimensões à medida que se aproximam do zénite da cúpula.
Uma nota, ainda, sobre o entendimento do que seria este espaço concretizado. A divisão entre "céu" e "terra" seria dado por um entablamento consentâneo com as pilastras que o apoiariam. Mas, a concordância das estruturas da cúpula com os suportes verticais impressas na parede contínua, e apesar do entablamento, traz à lembrança as estruturas góticas. Quase um século depois, Borromini haveria de adaptar na sua arquitectura este tipo de estruturação, razão pela qual foi vilipendiado como sendo um arquitecto "gótico".
De Serlio ficou um dos Chateaux mais emblematicamente italiano em solo francês: o Chateau d'Ancy-le-Franc, já atrás mencionado.
Em duas das gravuras que se encontram facilmente disponíveis, o palácio tem como extensão grande um jardim recticulado em parterres. Todo o conjunto é envolvido por um fosso, à maneira medieval, dificultando o "assédio inimigo", como mostra a figura 13.3.
Figura 13.3 . Chateau de Ancy-le-Franc . Desenho do alçado do côté du parterre . Borgonha . 1542/50 Sebastiano Serlio |
A sua planta (desenhos 13.4 e 13.5) reflecte o desenho mais convencional de castelos perfeitos, de base quadrada e torreões nos quatro cantos.
Figura 13.4 . Chateau de Ancy-le-Franc . Planta do rés-do-chão . Borgonha . 1542/50 . Sebastiano Serlio |
Figura 13.5 . Chateau de Ancy-le-Franc . Planta do piso das águas-furtadas . Borgonha . 1542/50 Sebastiano Serlio |
Também nesta planta do piso térreo se pode verificar as passagens permitidas através das salas e compartimentos, enfilade.
Os quatro alçados exteriores são iguais, ressalvando-se o principal pela exaltação dada à porta principal.
Curiosamente, os desenhos conseguem ser mais explícitos do que propriamente as fotografias. Dever-se-á provavelmente ao facto de os elementos estruturantes como os frisos, entablamentos e as pilastras terem pouco relevo e nas fotografias não aparecerem com o realce que os desenhos possuem, como se poderá verificar pela comparação entre uns e outras. Também a qualidade e cor da pedra não dará grande relevo à diferenciação dos elementos componentes das paredes.
Façamos agora uma análise desta frontaria. O corpo central, de dois pisos e dois estratos, encontra-se ladeado por dois pavilhões de três pisos e três estratos. A separação entre os estratos é feita por meio de entablamentos com as respectivas componentes. É de realçar que o entablamento entre o primeiro e o segundo pisos é contínuo e, portanto, igual tanto no corpo principal como nos pavilhões avançados. A cornija do entablamento que remata o corpo central, mais baixo, projecta-se com o auxílio de um denticulado expressivo. Os torreões, de três pisos divididos igualmente por entablamentos iguais, também tem um remate superior do mesmo desenho do corpo central, isto é, a cornija apresenta também um denticulado.
O corpo central divide-se em nove tramos separados por pilastras da ordem toscana. O tramo central abre-se em porta de arco, no piso térreo, bem como também em arco no segundo piso, de acesso à varanda. É uma maneira bastante discreta de chamar a atenção ao eixo de penetração, ao eixo de simetria.
A varanda, de elaboração delicada como uma "renda" de pedra, apresenta o brasão de armas no centro, e apoia-se em duas colunas dóricas, nas extremidades, e em duas consolas elaboradas na parte central, num excesso de reforços.
Figura 13.8. Chateau de Ancy-le-Franc . Alçado principal - pormenor da varanda sobre o acesso principal Borgonha . 1542/50 . Sebastiano Serlio |
Os torreões são divididos em três tramos, de largura igual, também separados por pilastras toscanas.
A figura 13.9 mostra-nos dois castelos, de filologias distintas: Azay-le-Rideau - arquitectura francesa e Ancy-le-Franc - arquitectura italiana. O primeiro data de 1518/27, portanto, um quarto de século anterior ao de Serlio. Apesar desta diferença, com a chegada da Renascença a solo francês, com as innovations architecturales italiennes, o chateau manteve os seus torreões cilíndricos, em sintonia com as fortalezas góticas mas, em compensação, rasgou as suas paredes com janelas amplas, altas, desde os peitoris até aos tectos. A busca do Sol e da luz reflecte-se ainda nas lucarnas, com o envidraçado igual ao das janelas, tanto em desenho como em tamanho. O sentir setentrional proporcionando os rasgamentos possíveis.
Figura 13.9. Chateau de Azay-le-Rideau . Tours . 1518/27
Chateau de Ancy-le-Franc . Borgonha . 1542/50 . Sebastiano Serlio
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Em contraste, Serlio abre janelas relativamente pequenas, "evidenciando" o seu sentir de arquitecto meridional, onde a luz é abundante, e onde a sombra é uma benesse em climas mediterrânicos.
Irmanam estes dois castelos as respectivas coberturas, de telhados de pendentes fortemente inclinadas. A disparidade entre estes dois edifícios ainda se torna mais evidente nos rasgamentos correspondentes às lucarnas.
É bastante interessante a comparação entre a arquitectura do exterior do palácio e a do interior do seu pátio. Bastante severas as paredes exteriores, bastante mais delicadas as paredes do pátio, quadrado, também de nove tramos mas com uma interpretação subtil e requintada. Assim, cada fachada interior deste pátio apresenta cinco tramos separados por quatro tramos bastante mais pequenos, num ritmo a b a. Os tramos grandes rasgam-se em janelas e os tramos pequenos apresentam nichos simples no segundo piso e duplos no piso térreo.
Figura 13.10. Chateau de Azay-le-Rideau . Desenho do corte pelo cortile . Tours . 1518/27 |
Figura 13.11. Chateau de Azay-le-Rideau . Corte pelo cortile . Tours . 1518/27 |
As pilastras que separam os tramos do piso térreo assentam num pedestal quase com a altura de 1/3 da altura de cada estrato. A divisão entre estes dois estratos do pátio faz-se por um entablamento completo e remata o segundo estrato uma cornija também denticulada como a do exterior.
Mas o mais interessante desta composição rigorosa é a forma como Serlio faz as esquina interiores dos quatro lados, com a dobragem dos tramos mais pequenos, os tramos b, que contém os nichos. Esta opção estética (figura 13.12) propõe uma visão em continuum, portanto ininterrupta, da parede com todas as suas características construtivas. Contribui também para o continuum o facto do piso térreo conter cinco arcos em cada lado, não obstante uns serem abertos e outros "fechados", ou sejam alguns apenas impressos nas paredes.
Figura 13.12. Chateau de Azay-le-Rideau . Tours . 1518/27 Pormenor de canto do pátio |
Os alçados do pátio são mais elaborados do que os alçados exteriores, quase que por fora querendo significar ainda uma casa forte e por dentro um éden privado. De facto, o pátio apresenta as duas ordens mais sofisticadas: no rés-do-chão a ordem coríntia e no andar superior a ordem compósita, ambas expressas em pilastras.
Também é de salientar a inserção das janelas. No piso inferior são emolduradas por arcos suportados por pilastras dóricas e as do piso superior têm as cornijas encimadas por um remate de frontões floreados. As lucarnas abrem-se em arco, como se fossem edículas requintadamente esculpidas.
Como última nota, a frente da casa e o alçado oposto são a antítese uma da outra, como a figura 13.13 bem expressa. É bem possível que a composição dos jardins da frente e o do tardoz tenham sofrido alterações ao projecto original. Pelas diversas gravuras consultadas assim parece ter sido. No entanto, a imagem aqui apresentada mostra as duas maneiras de expressão do tratamento da natureza: à frente, à francesa, com a natureza domada através da geometria - a natureza naturanda, e atrás a natureza teoricamente naturada, tal como se apresentaria naturalmente, com o serpenteado bucólico de um riacho desaguando num lago.
Figura 13.13. Chateau de Azay-le-Rideau . Tours . 1518/27 . Implantação |
a seguir (11ABR19)
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MICHELE SANMICHELLI
o Arquitecto da SERENÍSSIMA
o Arquitecto da SERENÍSSIMA