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10OUT19
o BARROCO
Era imperioso que Roma, capital da Fé e da Cristandade, se renovasse para a salvação da Igreja Católica Apostólica Romana. Esse movimento de reforma extraordinária fez-se sob o signo do Barroco.
Sisto V, conforme se aludiu no número anterior, foi o pontífice que, apesar de ter apenas sido Papa por cinco anos, impulsionou as Artes e, conforme já foi mostrado, deu uma nova aura a Roma. Paulo V, também com apenas seis anos de pontificado, deu continuidade às reformas. E Roma nunca mais abrandou até ao final do terceiro quartel do século XVII.
O século XVII é o século do barroco, por excelência. O Mundo Católico, depois de quebrantado pelas 95 teses de Martinho Lutero, apostas em 1517, nunca mais viria a ser o mesmo. O Concílio de Trento, os Exercícios Espirituais de Inácio de Loiola e as suas pedagogias sobre a Fé, compartilhadas por Carlos Borromeo e São Filipe Neri, o misticismo de Santa Teresa de Ávila e de São João da Cruz, haveriam de chamar os católicos novamente à "verdade". E é notável que Santo Inácio, Santa Teresa, São Filipe de Neri e o Apóstolo das Índias, Francisco Xavier, tenham sido canonizados no mesmo dia: 22 de Maio de 1622. Não deixa de ser um tanto paradoxal, no entanto, que por via do exemplo da simplicidade, do rigor de comportamento e da abnegação e ascese da Vida Terrena desses Santos, o Barroco tenha atingido o fulgor da plenitude das Artes da Escultura, da Pintura e da Arquitectura. Todas estas artes plásticas se juntaram atingindo a adjectivação de GESAMTKUNSTWERK, já nos inícios do século XIX, e cujo significado é a "Reunião de todas as Artes", ou "Obra de Arte total".
A água, elemento vital, não poderia faltar na capital da Cristandade. Dar de beber aos seus Romeiros era uma das prerrogativas mais importantes e urgentes. Assim, a Fontana dell'Acqua Felice (figura 27.1), da autoria de Domenico Fontana, de 1585/87, remata uma das principais nascentes de água canalizada de Roma. O "edifício" que assinala o ponto em que a água fica de serventia é um arco triunfal, de três arcadas profundas separadas por quatro colunas denotativas de compósitas, ainda que o cesto seja liso (figura 27.2). São de um desenho elaboradísimo. Compartindo a presença dos três arcos, as bases das colunas assentam sobre pedestais que também se multiplicam em profundidade, servindo as pilastras que sustentam as abóbadas. A linha superior dos pedestais corresponde à saída dos três jorros de água.
Figura 27.1 . Fontana dell'Acqua Felice . Roma . 1585/87 . Domenico Fontana |
Figura 27.2 . Fontana dell'Acqua Felice - Pormenor . Roma . 1585/87 . Domenico Fontana |
Em 1612 acabava-se a primeira fonte localizada na margem esquerda do Tibre, a Fonte Paulina (figura 27.3), dos arquitectos Giovanni Fontana, irmão de Domenico (Fonte da Água Feliz, acima reproduzida) e de Flamínio Ponzio.
Figura 27.3 . Fonte Paulina . Roma . 1585/87 . Giovanni Fontana . Flaminio Ponzio |
Segue a repartição volumétrica da primeira, acrescentando mais um módulo a cada lado, ainda que a altura destes dois arcos seja menor do que as dos três arcos centrais. A água jorra de três bacias colocadas a um nível mais baixo do que os pedestais das colunas.
O remate superior emula o da Fonte de Moisés, mas numa solução mais elaborada tanto nas volutas que rematam a parte superior do ático como as partes laterais do frontão. Também nesta fonte, são mais elaborados e proporcionados os pináculos.
O remate superior emula o da Fonte de Moisés, mas numa solução mais elaborada tanto nas volutas que rematam a parte superior do ático como as partes laterais do frontão. Também nesta fonte, são mais elaborados e proporcionados os pináculos.
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Falar-se de arquitectura barroca sem falar de Caravaggio, o pintor mais pujante dos finais do século XVI e início do século XVII, seria uma heresia. De facto, Michelangelo Merisi, natural da pequena vila de Caravaggio, veio a ser conhecido apenas como CARAVAGGIO e foi o pintor barroco, por excelência. O pathos barroco tem nele um dos seus máximos expoentes.
Nesta pintura da Medusa, de 1597 (figura 27.4), Caravaggio representa-a por meio de um auto-retrato!
Figura 27.4 . "Medusa" . 1597 . Caravaggio |
Outras das características da pintura de Caravaggio é a tridimensionalidade ou, talvez dito de outra forma, a cinemática acrescentada ao chiaro-scuro violento, que também caracteriza a sua obra, como na "Ceia em Emaús", de 1601 (figura 27.5), onde as figuras de Cristo e dos outros três homens conseguem tridimensionalizar o quadro. Cristo ergue o seu braço direito e aponta para a frente enquanto o seu braço esquerdo aponta para o lado esquerdo; o homem à direita aponta simultaneamente para trás e para a frente; o homem à esquerda, ao erguer-se, ergue os cotovelos para a direita e para a esquerda, ainda que enviesadamente, e este movimento de viés é acentuado, embora de forma subtil, pela ligação entre o chapéu branco, do homem em pé, com o extremo da toalha e o guardanapo, também brancos, contrastando com as partes negras do quadro. E que dizer do cesto de fruta, em primeiro plano, "quase" a cair, reforçando a cinematização da cena?
Figura 27.5 . "Ceia em Emaús" (Galeria Nacional de Londres) . 1601 . Caravaggio |
Também de 1597 data o início de pintura a fresco de um dos tectos do Palácio Farnese (figura 27.6), em Roma, da autoria de outro dos grandes pintores barrocos - Annibale Carracci.
Figura 27.6 . "Os Amores dos Deuses" (Palácio Farnese) . 1597/1608 . Annibale Carracci |
Este tecto atinge um dos patamares mais altos da pintura dita quadratura. Com efeito, a ilusão de óptica dá-nos a ler um tecto dividido em secções através de ténues molduras de estuque como que estruturando-o. Por sua vez, algumas destas diversas cenas são retratadas como se fossem quadros, emoldurados a bronze, e apostos ao tecto e, daí, conhecidos como - quadri riportati. Nos cantos, estátuas de atlantes e mancebos suportando o entablamento do tecto e segurando as diversas molduras. É de salientar que, no entanto, a cornija, que é apenas pintada, só aparece nos quatro cantos. Portanto, toda a estatuária e arquitectura são falsas, apenas a pintura é verdadeira. A figura 27.7, representando um dos lados menores do rectângulo que enquadra o tecto, mostra bem esta complexidade do trompe l'oeil.
Figura 27.7 . "Oa Amores dos Deuses" (Palácio Farnese) . Detalhe . 1597/1608 . Annibale Carracci |
As cenas bíblicas constituem um particular atractivo para os pintores barrocos e, em especial as mulheres da Bíblia. Artemisia Gentileschi foi uma das raras mulheres pintoras da História Moderna. Aqui, Judite, ajudada pela serva, leva a cabeça de Holofernes dentro de um cesto (figura 27.8) depois de o haverem decapitado, e olhando para o seu corpo inerte. É evidente a herança do chiaro-scuro "caravaggiesco"!
Figura 27.8 . "Judith com a cabeça de Holofernes" (Palácio Pitti . Florença) . 1613/14 Artemisia Gentileschi |
Os estados de alma também se petrificam. O estertor da Beata Ludovica Albertoni, momentos antes da sua morte (figura 27.9), foi um dos últimos trabalhos de Gian Lorenzo Bernini, não só um fabuloso escultor como também um dos maiores arquitectos barrocos de que, a devido tempo, falaremos. Bernini dizia que representava as emoções minutos ou segundos antes de elas se produzirem. Assim, parece, de facto, ao contemplar-se Ludovica.
Figura 27.9 . "Êxtase da Beata Ludovica" (S. Francesco a Ripa . Roma) . 1674 . Gian Lorenzo Bernini |
Entre as muitas representações da Morte, mais uma vez Bernini atingiu um altíssimo nível no monumento fúnebre que, também, é a tumulação do Papa Alexandre VII (figura 27.10), da Família Chigi, e um dos maiores patrocinadores da Arquitectura Barroca Romana.
Figura 27.9 . "Túmulo de Alexandre VII" e Pormenor . São Pedro do Vaticano . Roma) . 1678 Gian Lorenzo Bernini |
Para além das figuras de uma finura de retrato inexcedível, atente-se no pormenor (do lado direito) da Morte envolta num manto de brocado, brandindo a ampulheta. O lado tenebroso do barroco, lembrando quão curta pode ser a Vida - MEMENTO MORI - aliás um dos lemas preferidos do Barroco.
Mas, antes de prosseguir na senda da arquitectura barroca, convém falar um pouco mais sobre esta era da civilização europeia. Ao falar-se do barroco não se pode deixar de ter em linha de conta que o século XVII foi o século da "Invenção da Ciência", segundo David Wooton. Foi o século, entre várias dezenas de personalidades, de Newton, de Galileu, de Descartes e também de Kepler. Depois de este cientista ter verificado que a trajectória de Marte era elíptica e de se ter extrapolado para as órbitas dos outros planetas essa mesma figura, as artes dependentes da geometria, como a arquitectura, tiveram ao seu dispor uma nova figura proporcionando uma nova centralidade: em rigor, uma bi-centralidade ou seja uma figura centralizada em dois focos - a elipse.
A Renascença utilizou o círculo e o seu centro idealizando-o como o ponto focal de Deus e o seu filho Homem. A elipse deu corpo à grande revolução social: Deus vs. Rei. O auge da sociedade áulica que viria a ter o seu ponto culminante no Rei-Sol, quando França e mais precisamente Paris destrona Roma.
O quadro 27.1 tenta dar uma sinopse das características das três idades do renascer da Arquitectura da Idade Moderna. Tem apenas uma mera indicação adjectivante que, no entanto, me parece poder enquadrar e substantivar algumas das diversas características dessas fases.
Quadro 27.1 |
E será, também, sob estas categorizações que se poderá olhar a Arquitectura Barroca sobre que se irá lançar a atenção nos próximos capítulos deste blog.
Mas, antes de fechar este capítulo e não querendo deixar a Morte como o principal mote, tenho que lembrar que o Barroco também exorta a Vida e o Amor ou, enfatizando, a exacerbação das paixões.
Assim, temos, de Caravaggio, a Natividade com São Lourenço e São Francisco a adorarem o Deus Menino, deitado no chão sobre mantas e palhas. Uma imagem (figura 27.10) não muito consentânea com a manjedoura, mais usada para o efeito de berço. Mais uma vez o chiaro-scuro, o ponto focal, o principal tema da cena, está no fundo da tela, mais uma vez a dinâmica dos olhares para o Menino Deus e a força dinâmica dada pela aparição do Anjo, apontando o Menino. E que dizer de São José, de costas, olhando para os visitantes e não para o centro das atenções?
Figura 27.10 . Natividade com São Lourenço e São Francisco . 1600 . Caravaggio |
O Barroco celebra também o Amor carnal, ou não celebrasse também a folia, ainda que servindo-se da mitologia romana como Annibale Carracci o fez, variadas vezes mas, aqui, reproduzido na figura 27.11 a que não faltam as presenças de Vénus, e os seus atributos apelativos, empunhando uma maçã, e, como não podia deixar de ser, acompanhada pelo seu emissário e filho, o Cupido. Também não poderia faltar o casal de pombos, a essência e o símbolo insubstituível do AMOR.
Figura 27.11 . Vénus e Cupido . Annibale Carracci |
a seguir: (24OUT19)
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CARLO MADERNO - o "Primeiro" Arquiteco Barroco
Excelente. Obrigado
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