20DEZ18
Os Palácios urbanos - I PALAZZI (continuação)

Na senda de outro palácio urbano de Florença, há que referenciar o Palácio Strozzi (figura 6.1) cuja construção se iniciou em 1489, sob projecto do arquitecto Benedetto da Maiano, ou a ele atribuído, segundo o parecer de Vasari, e apenas terminado em 1538, por Baccio d’Agnolo ou por Il Cronaca (Simone de Pollaiolo). Depois de havermos visto os dois palácios urbanos florentinos, este parece não sair de uma aparente sistematização de características sedimentadas das “fortalezas urbanas”, como já haviam sido referenciados.
Figura 6.1 . Alçado principal do Palácio Strozzi . 1489/1538 . Florença . Benedetto da Maiano . Il Cronaca 
Assim, poder-se-á dizer, embora com algum risco, que, de um modo geral, os palacetes (expressão portuguesa que se coaduna com os palácios urbanos) ou os palazzi são passíveis de serem englobados em seis parâmetros:
A. três estratos e três pisos assinalados por frisos, com o perfil de cornija.

B. janelas assentando sobre o friso separador dos pisos.

C. janelas duplas nos segundo e terceiro pisos, com colunelo central e com padieira em arco perfeito.

D. estereotomia acusada expressamente nas paredes. Também nos arcos da porta e janelas, com as aduelas radiantes.

E. aberturas escassas no primeiro piso: porta de entrada e somente postigos rectangulares.

F. subtil marcação do eixo de simetria especular.
Figura 6.2 . Palácio Strozzi . alçado, planta e pormenores
A leitura da planta, no meio da figura de cima (figura 6.2), presumidamente correspondendo ao piano nobile, dá-nos uma visão de compartimentos possivelmente ajustados a cada um dos seus destinos. Os três compartimentos do lado direito, relativos à fachada principal, são autónomos e cada um possui apenas uma entrada a partir do cortile. Também do lado contrário, o compartimento do meio comunica com o cortile através de uma única porta. Todos os outros compartimentos se intercomunicam dois a dois ou três a três. A este tipo de comunicação interna, quer pelo centro quer pelos lados dos compartimentos, se dá o nome de "enfilade", a designação francesa para significar "em enfiada, em fila". O corredor só mais tarde viria a substituir este processo de passagem .
Figura 6.3 . Palácio Strozzi . Pátio interior 
Também pela leitura da figura 6.2 há que referenciar uma particularidade que poderá dizer-se, sem grande erro, ser comum a outros e não só aos palácios que acabámos de ver. E esse espaço, verdadeira obra-prima da arquitetura nascida no aro do Mediterrâneo, é o pátio interior. Vai significar uma vivência bucólica no meio da cidade, à época cidade essa em que a segurança pessoal não seria uma das suas características. Não foi por acaso que os primeiros pisos destas moradias se apresentam “fechados”, como arremedos de fortificações, em contraste absoluto com o pátio que se substitui ao campo. A leveza arquitectónica contrasta com a macicez do exterior. O pátio do palácio Strozzi (figura 6.3) abre-se num rectângulo de cinco tramos por três, portanto na proporção 3/5.
É de se notar a grande abertura e delicadeza desta zona do interior da casa em contraste com a macicez do exterior.
As colunas, de fustes lisos e de capitéis coríntios, embora de folhagem um tanto dispersa e individualizada, parecem rematar em ábacos duplicados e sobrepostos, que recebem o empuxe dos arcos. A essa peça intermédia entre o cimo do ábaco e a descarga do arco ou porventura de um lintel, se chama dosseret
Dosseret - palavra francesa sem tradução aparente. Os ingleses, também sem palavra própria, chamam-lhe super-abacus, seja um super-ábaco, se assim lhe quisermos chamar.
Muito próximo do partido estético do Palácio Stozzi, da autoria de Giuliano da Sangallo (de quem se tornará a falar), em Florença se ergue o Palácio Gondi (figura 6.4), a partir de 1489.
Também de três estratos, com a demarcação feita por frisos, tem sete rasgamentos em cada estrato/piso. 
Figura 6.4 . Palazzo Gondi . 1489 . Florença . Giuliano da Sangallo
O piso térreo tem três portas e quatro postigos. Em relação ao Stozzi, além de ter menos duas janelas por piso, aqui são de volta inteira e já não têm colunelos ao centro sendo, portanto, de lume único. A cornija é mais moderada na sua projecção, ainda que também mutulada.
A figura 6.5 expressa bem as diferenças de tratamento da pedra do estrato/piso térreo do que se lhe sobrepõe.
Figura 6.5 . Palazzo Gondi . Pormenor da estereotomia . 1489 . Florença . Giuliano da Sangallo
Relevante também é o seu pátio interior, na proporção, em planta, de 2/3, a proporção dita sesquiáltera.
Figura 6.6 . Palazzo Gondi . Pátio interior . 1489 . Florença . Giuliano da Sangallo
Também em Florença, e agora devido a desenho de Cronaca ou, segundo outros historiadores, devido possivelmente a Baccio d'Agnolo, se destaca outro palacete, o Palazzo Guadagni (figura 6.7), na mesma linha da "tipologia" adoptada mas com uma grande diferença: a existência do quarto e último piso. Além de acrescentar um aos habituais três pisos, este quarto é quase que uma réplica da ligeireza da arquitectura dos pátios, em contraste com a rudeza dos exteriores. Este piso apresenta-se como um varandim capacitando os seus ocupantes de poderem usufruir, de forma tranquila e resguardada, de uma panorâmica admirável sobre Florença. Um "passo" magnífico ao transpor-se a loggia - piso térreo - para uma loggia aérea. Com algum atrevimento, será o mesmo significante para dois significados distintos: a loja e a varanda/mirante.
Figura 6.7 . Palazzo Guadagni. 1507 . Florença . Il Cronaca ou Baccio d'Agnolo
Para além de um quarto piso, e avarandado, também se distingue o acabamento das suas paredes, rebocadas nos pisos superiores e levemente bujardadas no piso térreo (possível alteração mais tardia?). De notar que os rasgamentos, em arcos únicos e sem septos meeiros são envolvidos por aduelas de pedra com forte expressão e, curiosamente, desenhando arcos apontados apesar dos arcos de volta inteira dos próprios rasgamentos como. aliás, na Palácio Gondi, agora visto. 
O pátio interior oferece uma solução arquitectónica interessante na conjugação de arcos descarregando em colunas, numa parede e, na parede seguinte, perfazendo um ângulo de 90º, meias abóbadas descarregando em mísulas, criando um diálogo extremamente pouco vulgar, conforme a figura 6.8 nos mostra. Talvez que uma escassez de espaço tenha proporcionado uma solução tão "pouco-ortodoxa"!
Figura 6.8 . Palazzo Guadagni . Pátio interior . 1507 . Florença . Il Cronaca . Baccio d'Agnolo 
Em Roma, entre 1485 e 1513, construía-se o Palácio da Chancelaria (figura 6.9), encomendado pelo Cardeal Raffaele Riario. É um palácio imenso que alberga também uma capela palatina, preexistente, cuja entrada se faz pela porta mais pequena, do lado direito da fachada.
Figura 6.9 . Palácio da Chancelaria . 1485/1513 . Roma 
Se bem que tenha já sido atribuído a Alberti, sem dúvida por alguma parecença com o Palácio Rucellai, posteriormente tem-se posto a hipótese de que pudesse ter sido Donato Bramante e Andrea Begno ou, como ainda mais recentemente, algumas opiniões atribuem-no a Francesco di Giorgio Martini e Baccio Pontelli. Os três pisos e três estratos coincidentes estão na linha da tipologia dos palácios florentinos, no que respeita à divisão por andares, ou pisos, coincidentes com estratos.
Figura 6.10 . Palácio da Chancelaria . Pormenor da fachada 
Outra faceta curiosa é o facto de o tratamento da estereotomia ser quase idêntica ao do Rucellai, pela divisão nítida entre cada uma das pedras, e pelo acabamento das pedras mais rugoso para o primeiro piso, outro menos rugoso para o piso do meio e, finalmente, um tratamento mais macio para o piso superior. A fachada principal tem doze tramos com aberturas, alternados com treze tramos cegos, e remata-se com dois pavilhões - assim chamados os avanços dos extremos - que são constituídos por um tramo, com aberturas, ladeado por dois tramos cegos. Trinta e um tramos, no total: fachada marcada por tramos, assim tão extensa, será difícil de se encontrar.

Devido à preexistência de uma capela palatina, com a entrada privativa, e a necessidade de se individualizar a entrada para o palácio, o arquitecto suprimiu a diferenciação dos tramos no piso térreo, dando somente aos segundo e terceiro pisos as referidas diferenciações (figura 6.10) e o número de tramos já apontado. Esta opção de tornar a parede do primeiro piso destituída de quaisquer sinais de estruturas verticais foi uma solução realmente engenhosa, no sentido de fazer passar despercebida a falta de simetria especular. A não ter sido assim, seria deveras quase impossível coordenar o ritmo deste piso cuja entrada principal para o palácio se encontra ladeada por quatro janelas, de cada lado, e a entrada para a capela ser ladeada por quatro janelas no lado esquerdo e somente por duas no lado direito. 

Os tramos cegos são mais estreitos do que os que possuem aberturas. As pilastras são da ordem coríntia (possivelmente as do terceiro piso serão compósitas, não tendo eu indicação mais exacta). As janelas do segundo piso, todas iguais, apresentam padieira em arco de volta perfeita, mas são enquadradas por uma moldura que remata numa cornija recta sobre a qual se desenha uma pequena roseta. As janelas do terceiro piso são de perfil recto, também com uma pequena cornija rematando a padieira. Sobre estas abrem-se pequenos postigos arqueados (exceptuando as janelas dos pavilhões) que parecem anunciar um mezanino, dado que não há qualquer tipo de moldura separando horizontalmente as aberturas aprumadas. 
O andar térreo tem um friso contínuo onde assentam as janelas de recorte simplificado e de padieira em volta perfeita. O friso que separa este piso do segundo revela-se como um estreito entablamento de cornija salientada, anunciando-se quase como que um estilóbata, rematando um crepidoma sofisticado. O friso que separa o segundo do terceiro piso apresenta-se mais empolado do que os outros dois, resolvendo-se num entablamento completo e de cornija ainda mais saliente do que a anteriormente descrita. Finalmente o remate do edifício é feito por um entablamento não muito alto, mas com o friso desenvolvendo fortes mísulas ou modilhões que suportam a cornija projectante. 

A singularidade mais expressiva deste alçado é, contudo, a existência de áticos-dado, de altura bem expressiva, suportando o segundo e o terceiro pisos. Áticos a que nem sequer faltam os empuxes acusando as pilastras que, assim, repousam em pedestais. É, de facto, um alçado notável, tal a lógica de se contornar uma problemática dificílima de ser bem resolvida arquitectural e arquitectonicamente. 
Figura 6.11 . Palácio da Chancelaria . Cortile . Donato Bramante (?) 
O seu cortile (figura 6.11), também de três pisos, contrasta em absoluto com o exterior nos dois primeiros pisos, haja em vista a abertura que as arcadas oferecem. Mais uma vez encontramos colunas sobre as quais pousam arcos de volta perfeita, mas sem o recurso a dosserets. Os capitéis são esbeltos, acusando um pequeno equino, e os ábacos são constituídos por um friso e cornija pronunciada, dentro de um espírito de simplicidade.
É também de notar que as guardas dos pisos avarandados se resolvem em áticos-dado, acusando-se os pedestais das colunas. E, talvez que de extrema singularidade, seja o facto deste terceiro piso interior copiar o terceiro piso exterior, no respeitante às janelas e possíveis mezaninos e, também, na separação dos tramos realizada por pilastras. De referir, ainda que, neste espaço interno, os tramos são iguais e não ritmados em alternância com tramos cegos como no exterior.

O Palazzo Torlonia al Borgo (figura 6.12), em Roma, da autoria de  Andrea Bregno, é, sem dúvida, uma réplica ao palácio da Chancelaria. Construído para o Cardeal Adriano Castellesi da Corneto, de 1496/1506, a fachada principal do palácio tem sete tramos; no entanto, esta divisão  em sete pressupõe que se apelidem as pilastras de gémeas, embora com um afastamento algo significativo para assim serem designadas.
Figura 6.12 . Palazzo Torlonia (Giraud) . 1496/1506 . Roma . Andrea Bregno

Tem um piso térreo bastante hermético, apenas com seis janelas algo pequenas para a grande superfície vertical, onde se sobre-salienta um portal de grande altura e com as ombreiras e padieira duplicadas a 90º. Uma solução estranha, para a época?
Os estratos superiores também assentam sobre áticos-dado que, tal como no Palácio da Chancelaria, reproduzem o desenho dos pedestais das pilastras. Embora com um eixo de simetria a meio e bem respeitado, o piso térreo também não tem marcação de pilastras, parecendo seguir o modelo anterior. Não deixa de ser interessante que tanto num como noutro caso, o piano nobile é subtilmente anunciado.
Figura 6.13 . Palazzo Torlonia (Giraud) . Pátio interior . 1496/1506 . Roma . Andrea Bregno
Contrariamente aos exemplos que vimos, o pátio interior deste Palácio Torlonia (figura 6.13) é bastaste austero, escolhendo pilares de forte expressão e de uma ordem Toscana bem simplificada. 

Na sequência destes palácios alla romana, como começaram a ser designados em Florença, e no início com uma carga depreciativa, o palácio Bartolini Salimbeni (figura 6.14) é digno de registo.
Ainda que seja considerado já de um período maduro do Renascimento e quase na fase maneirista, não deixa de ser curioso que a fachada contenha alguns aspectos que a ligam com o período gótico, como sejam as janelas do segundo e terceiro pisos.
Figura 6.14 . Palácio Bartolini Salimbeni . 1520/23 . Baccio d’Agnolo 
Com efeito, as janelas quadripartidas por finos colunelos e linteis delicados, de pedra, estão ainda muito dentro do espírito gótico. 
No piso térreo, a porta encontra-se flanqueada por uma janela de cada lado. Janelas que têm também o carácter de quase postigos, ainda que a decoração seja já de um primor de eloquência arquitectural. 
A porta guarnece-se de duas colunas embebidas, suportando um entablamento e um frontão triangular. Este conjunto de porta e respectiva moldura não é mais do que a redução e simplificação do entendimento da fachada de um templo clássico. E é este um dos fundamentos para a compreensão da estruturação das fachadas clássicas, quer obedecendo à estrutura porticada verdadeira, quer às estruturas porticadas apenas insinuadas, com relevo ou apenas desenhadas.
As janelas que ladeiam a porta têm frontões curvos que, ainda na lógica de a b a, alternam com o frontão triangular da porta, assim como as janelas rematadas por frontões triangulares do segundo piso alternam com o frontão curvo da janela do meio. O último piso repete a mesma alternância de frontões do piso térreo. Esta alternância entre tímpanos curvos e tímpanos triangulares deve-se, para muitos autores, a Miguel Ângelo como tendo sido a utilizá-la primeiramente.
É ainda de se notar que os três estratos e três pisos, coincidentes, são marcados por cornijas arquitravadas, embora de forma bastante sofisticada, ainda que o remate superior da fachada seja em cornija arquitravada com um denticulado que suporta a cornija bem protuberante. 

a seguir (3JAN19):
7
FRANCESCO DI GIORGIO MARTINI
a VENEZA de MAURO CODUCCI

6DEZ18
SANTA MARIA NOVELLA - uma fachada seminal
I  PALAZZI

Com outra igreja, agora somente da fachada (figura 5.1) se tratando, e datando de 1470 o seu acabamento, Alberti atinge um resultado fascinante, uma mágica que somente os grandes conseguem alcançar: o cruzamento entre a linguagem dos antigos com a linguagem dos modernos. 

Em Florença, Alberti foi chamado a dar uma nova cara à igreja de Santa Maria Novella, gótica de origem. Tinha três naves, sendo de perfil basilical, isto é, sendo a nave central mais alta do que as laterais, acima da altura das quais se abria o clerestório, como era corrente. Neste caso o clerestório era resolvido por meio de pequenas rosáceas, a eixo dos arcos quebrados e encimando as paredes formeiras.
Figura 5.1 . Fachada de Santa Maria Novella . 1470 . Florença . Leon Battista Alberti 
A fachada tinha três portas, sendo as duas laterais ladeadas por dois arcossólios, nos extremos da fachada, e por um arcossólio separando-as da porta principal. Este arcos quebrados, e por isso conotados com o estilo gótico, contém túmulos de figuras ilustres, à maneira etrusca, tal conforme se viu no Templo Malatestiano, de Rimini
Figura 5.2 . Decomposição geométrica da fachada de Santa Maria Novella . Florença
Alberti solucionou a fachada propondo duas diferentes alturas, “inserindo-as” em três quadrados: dois, lado a lado, no piso térreo, e o segundo num andar sobreposto (figura 5.2), a meio do rectângulo composto pelos dois quadrados referidos. Estes dois quadrados, constituindo o primeiro estrato, Alberti rematou-os com um entablamento notável, com uma arquitrave, um friso deveras monumental decorado com quadrados embutidos contendo uma roseta no meio e, finalmente, uma cornija bastante modesta de altura. Este entablamento encontra-se suportado por duas pilastras salientes, nos extremos laterais da fachada, e por quatro colunas isentas, embora encostadas ao plano da fachada. É de notar que estas pilastras extremas se prolongam para cima da arquitrave e rematam-se no topo do friso. O segundo estrato é talvez o achado mais transcendente desta composição: Alberti desenha o frontispício de um pequeno templo tetrastilo, rematado por imponente frontão triangular. As pilastras desenham o intercolúnio com o ritmo a b a, na medida em que o tramo central teria que albergar a rosácea gótica preexistente. Este pequeno “templo” tem, no seu friso bem proporcionado, a data de MCCCCLXX. O frontão desenha-se imponente com as rampantes repercutindo o desenho da cornija. 

Mas, a conquista mais importante no desenho desta transformação antigo-moderno acontece nas partes laterais deste tempietto (figura 5.3) que é o segundo estrato desta fachada: as VOLUTAS. E cada voluta inscreve-se num quadrado.
Figura 5.3 . Voluta da fachada de Santa Maria Novella . Figura 5.4 . Voluta da fachada de Il Gesù . 1580 . Roma
Foi, de facto, Alberti o inventor de um novo significante arquitectónico. Ele inventou a voluta bidimensional para reduzir o impacte que a diferença de cotas das alturas (figura 5.3) das naves da igreja gótica apresentava. Cento e dez anos depois, numa das mais copiadas fachadas barrocas (figura 5.4), de Roma, da autoria de Giacomo della Porta, a voluta ganha novas sintaxes e transforma-se em tridimensional, prescindindo de motivos decorativos como os embrechados que a primitiva voluta de Alberti apresentava.

Se o Medievo elegeu os espaços eclesiásticos como seus símbolos edificatórios, e por maioria de razão, a CATEDRAL, o Renascimento elegeu a CASA como o seu símbolo, numa clara antecipação do que no Barroco haveria de maior ostentação: o PALÁCIO. Não obstante, é no Renascimento que se dá início à maior igreja da Cristandade: a Basílica de São Pedro, de Roma.

Assim, ainda sob o lema da obra de Alberti, o Palácio Rucellai (figura 5.5), de meados do século XV (1446/51), é uma das peças chave da arquitectura civil da Renascença. Nunca foi acabado por razões que se prendiam com a posse do terreno para o completar. Mas, o que remanesce é uma das fachadas mais bem conseguida em termos de composição que somente quem foi extremamente prolífico e conhecedor seria capaz de ter realizado. 
Figura 5.5. Fachada e planta do Palácio Rucellai . Florença
De outro modo não parece fazer sentido dado que, a fazer fé na presunção de ter sido planeado para oito tramos (os sete tramos hoje existentes e o oitavo para que não foi dada a posse do terreno, por razões que ignoro), isto é, com um número par de tramos o centro seria ocupado por estruturas verticais, pilastras neste caso, partido compositivo impensável. 
Assim, contemplemos o alçado principal (figura 5.6) desta moradia que haveria de ser uma fonte de inspiração para outros arquitectos.
Figura 5.6 . Fachada do Palácio Rucellai . 1446/51 . Florença . Leon Battista Alberti
Não deixa de ser bastante curioso o facto das janelas do segundo e terceiro estratos serem de dois lumes, com um colunelo a dividi-los, formalização herdada do período gótico, ainda que os arcos sejam de volta perfeita. Outro facto curioso é a não demarcação especial do piano nobile - o andar nobre, geralmente o primeiro andar - como viria a ser uma norma que perdurou muito para além do Renascimento, a não ser apenas o leve apontamento do brasão de armas (figura 5.7) a encimar o arco da janela central. 
Os estratos do alçado principal são separados por entablamentos, com os seus três elementos, sendo o friso que remata o terceiro piso/estrato resolvido por mísulas que suportam a cornija não muito pronunciada. Acima deste terceiro estrato ainda se implanta um ático-piso, não visível da rua, que se destinava à acomodação dos serventuários.
A parede é ritmada por dois tramos iguais, um outro um pouco mais desenvolvido, contendo a porta, e outros dois iguais aos primeiros, num ritmo a a b a a b a a
Figura 5.7 . Pormenor da fachada do Palácio Rucellai . 1446/51 . Florença . Leon Battista Alberti
A diferença entre os tramos a e b é muito subtil (figura 5.7), apenas anunciada pelas janelas dos tramos b serem ligeiramente mais altas. A separação entre tramos faz-se por intermédio de pilastras, bem desenhadas, toscanas no piso térreo, jónicas no piso intermédio e coríntias no terceiro piso. 
De assinalar, também, ainda que os capitéis da ordem jónica tenham um desenho em que as volutas pareçam pertencentes à ordem coríntia. Para muitos autores, o Rucellai teria sido o primeiro a ter as três ordens, em simultâneo, num alçado de arquitectura doméstica. 
Tanto a demarcação das pilastras como da estereotomia da pedra, que marcam a fachada, são feitas pelo refundamento entre pedras, tridimensionalizando o alçado de uma forma assinalável. É de referir que Alberti, no primeiro piso desta “fortaleza citadina”, um tanto como devem ser entendidas, faz recurso de um pódio, qual crepidoma em opus reticulatum, além de representar uma estereotomia de blocos maiores e mais vincados do que nos outros pisos superiores. 

O palácio Medici Riccardi, de grande presença citadina, é um dos palácios mais deslumbrantes de Florença e de toda a época renascentista. Com efeito, ainda que tenha herdado alguns artefactos do Rucellai, o Medici Ricardi acabou por ser o palácio renascentista mais visado em alguns dos seus atributos. Do Rucellai copia as mesmas janelas, de duplo lume separados por um colunelo, ambos os lumes inseridos numa moldura de volta perfeita. Apresenta três estratos correspondentes aos três pisos. No entanto, a separar os estratos apenas um ligeiro friso, mas com o perfil de uma pequena cornija.
Figura 5.8 . Palácio Medici Riccardi . 1466/50 . Florença . Michelloso Michellosi
Apresenta também uma característica interessantíssima que é o facto de a qualidade do acabamento das paredes ser diferente em cada piso (figura 5.8). No primeiro é alvenaria de pedra rusticada, de aspecto bastante rude; no segundo piso a alvenaria de pedra já é levemente bujardada e, finalmente, no terceiro piso a pedra é alisada. Em todas estas três superfícies a estereotomia está bem presente. E também é de se registar que a parede não apresenta divisões de tramos.  Nem tão pouco os ângulos são reforçados por pilastras. 
O coroamento do edifício faz-se por um pujante entablamento, projectando-se com o perfil de uma cornija, entablamento esse constituído nos seus três elementos e com o friso projectando mútulas que sustentam a cornija. 
Outra característica interessante é o facto da estereotomia dos arcos que encimam as janelas serem radiantes, obedecendo aos conceitos básicos da construção de arcos como se viu já no palácio Rucellai e verá no palácio Strozzi, bem como em outros palazzi

A observação atenta da fachada principal do Palácio Medici-Ricardi (figura 5.9) revela-nos uma certa incongruência: ao estabelecermos o eixo de simetria axial, veremos que, no primeiro piso, ele passa no meio da janela central e para cada lado dispõem-se três postigos, uma porta, dois postigos e uma janela.
Figura 5.9 . Fachada do Palácio Medici Riccardi . 1466/50 . Florença . Michelloso Michellosi
 No entanto, nos dois pisos de cima, o eixo de simetria passa entre duas janelas e não pelo meio de um vão, como seria suposto fazê-lo e como se localizava a então porta de entrada. Acontece que no segundo piso, do lado direito da fachada encontram-se oito janelas e no lado esquerdo encontram-se nove janelas. Depois, no terceiro piso encontram-se oito janelas de cada lado do eixo de simetria. É evidente que esta descoordenação leva a que as janelas do lado esquerdo do edifício não se encontrem aprumadas. Estou em crer que o que provocou esta falha de simetria especular poderá já ter sido ou virá a ser teor de trabalhos de investigação, sem dúvida, fascinantes. 
Figura 5.10 . Finestra inginocchiata na fachada do Palácio Medici Riccardi . 1571 . Miguel Ângelo
Esta fachada é rematada por um entablamento robusto, repetindo um tanto o do Rucellai no sentido em que o friso se desenvolve em possantes mísulas que suportam a cornija muito saliente. Mas esta fachada ainda nos dá a conhecer outra modificação a que esteve sujeita, no piso térreo, e que consta do fechamento de três das cinco portas que primitivamente suportava, portas que eram tão comuns às logge. Em 1517, pelo traço de Miguel Ângelo, estas portas são encerradas e transformadas em ”janelas ajoelhadas" (figura 5.10), ou sejam, as finestre inginocchiate.
Em contraste absoluto com o exterior, fechado qual fortaleza, o interior (figura 5.11) deste palácio, bem como regra geral de todos os outros palácios urbanos, é delicadamente aberto, um jardim-oásis dentro da cidade. É um refúgio seguro relativamente a uma certa intranquilidade algo violenta do exterior.
Figura 5.11 . Palácio Medici Riccardi . Pátio interior
Uma chamada de atenção para, mais uma vez nos alertarmos do modo como os arcos descarregam sobre as colunas, sem qualquer "artifício brunelleschiano", isto é, sem qualquer reminiscente de entablamento.
No Medici Ricardi, ainda que as colunas e a arcada confiram bastante leveza aos alçados do pátio, os aspectos decorativos são bem presentes como as guirlandas e medalhões enfeitando o friso bastante alto que se sobrepõe à arquitrave da colunata, como o paralelismo que existe no desenhar da estereotomia que copia a do exterior. Também as janelas que se abrem no pátio, tal como as do exterior, são de dois lumes geminados com colunelo a separá-los e rematadas em arcos com o desenho das aduelas. Estes pátios, há que lembrar, são herdeiros das domus romanas, com o respectivo peristilo. Uma casa fechada para fora e aberta para dentro.

Ainda no âmbito da arquitectura residencial, o palácio Antinori 1461/1469 (figura 5.12) da autoria de Giuliano da Maiano, parece repetir à exaustão o modelo visto nos três palácios atrás apontados. Curiosamente, em nenhum dos pisos se vê a vontade expressa de se estabelecer o eixo de simetria a não ser os dois estratos superiores se abrirem num número par de janelas (seis, no total), e o brasão de armas da família se posicionar sobre o eixo. O primeiro piso parece de todo não fazer parte desta composição simétrica, com a porta deslocada para um lado e da abertura de um postigo quase no limite parietal e dois outros do outro lado da porta.
Depois de 1506 o palácio passou para a propriedade de Niccolò Antinori, daí o nome do palácio, e teve obras posteriores com desenho de Baccio d’Agnolo.

Figura 5.12. Palácio Antinori . 1461/69 e 1506 . Florença . Giuliano da Maiano . Baccio d’Agnolo
a seguir (20DEZ18):
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I PALAZZI - continuação