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20DEZ18
Os Palácios urbanos - I PALAZZI (continuação)
Na senda de outro palácio urbano de Florença, há que referenciar o Palácio Strozzi (figura 6.1) cuja construção se iniciou em 1489, sob projecto do arquitecto Benedetto da Maiano, ou a ele atribuído, segundo o parecer de Vasari, e apenas terminado em 1538, por Baccio d’Agnolo ou por Il Cronaca (Simone de Pollaiolo). Depois de havermos visto os dois palácios urbanos florentinos, este parece não sair de uma aparente sistematização de características sedimentadas das “fortalezas urbanas”, como já haviam sido referenciados.
Figura 6.1 . Alçado principal do Palácio Strozzi . 1489/1538 . Florença . Benedetto da Maiano . Il Cronaca |
Assim, poder-se-á dizer, embora com algum risco, que, de um modo geral, os palacetes (expressão portuguesa que se coaduna com os palácios urbanos) ou os palazzi são passíveis de serem englobados em seis parâmetros:
A. três estratos e três pisos assinalados por frisos, com o perfil de cornija.
B. janelas assentando sobre o friso separador dos pisos.
C. janelas duplas nos segundo e terceiro pisos, com colunelo central e com padieira em arco perfeito.
D. estereotomia acusada expressamente nas paredes. Também nos arcos da porta e janelas, com as aduelas radiantes.
E. aberturas escassas no primeiro piso: porta de entrada e somente postigos rectangulares.
F. subtil marcação do eixo de simetria especular.
Figura 6.2 . Palácio Strozzi . alçado, planta e pormenores |
A leitura da planta, no meio da figura de cima (figura 6.2), presumidamente correspondendo ao piano nobile, dá-nos uma visão de compartimentos possivelmente ajustados a cada um dos seus destinos. Os três compartimentos do lado direito, relativos à fachada principal, são autónomos e cada um possui apenas uma entrada a partir do cortile. Também do lado contrário, o compartimento do meio comunica com o cortile através de uma única porta. Todos os outros compartimentos se intercomunicam dois a dois ou três a três. A este tipo de comunicação interna, quer pelo centro quer pelos lados dos compartimentos, se dá o nome de "enfilade", a designação francesa para significar "em enfiada, em fila". O corredor só mais tarde viria a substituir este processo de passagem .
Figura 6.3 . Palácio Strozzi . Pátio interior |
Também pela leitura da figura 6.2 há que referenciar uma particularidade que poderá dizer-se, sem grande erro, ser comum a outros e não só aos palácios que acabámos de ver. E esse espaço, verdadeira obra-prima da arquitetura nascida no aro do Mediterrâneo, é o pátio interior. Vai significar uma vivência bucólica no meio da cidade, à época cidade essa em que a segurança pessoal não seria uma das suas características. Não foi por acaso que os primeiros pisos destas moradias se apresentam “fechados”, como arremedos de fortificações, em contraste absoluto com o pátio que se substitui ao campo. A leveza arquitectónica contrasta com a macicez do exterior. O pátio do palácio Strozzi (figura 6.3) abre-se num rectângulo de cinco tramos por três, portanto na proporção 3/5.
É de se notar a grande abertura e delicadeza desta zona do interior da casa em contraste com a macicez do exterior.
É de se notar a grande abertura e delicadeza desta zona do interior da casa em contraste com a macicez do exterior.
As colunas, de fustes lisos e de capitéis coríntios, embora de folhagem um tanto dispersa e individualizada, parecem rematar em ábacos duplicados e sobrepostos, que recebem o empuxe dos arcos. A essa peça intermédia entre o cimo do ábaco e a descarga do arco ou porventura de um lintel, se chama dosseret.
Dosseret - palavra francesa sem tradução aparente. Os ingleses, também sem palavra própria, chamam-lhe super-abacus, seja um super-ábaco, se assim lhe quisermos chamar.Muito próximo do partido estético do Palácio Stozzi, da autoria de Giuliano da Sangallo (de quem se tornará a falar), em Florença se ergue o Palácio Gondi (figura 6.4), a partir de 1489.
Também de três estratos, com a demarcação feita por frisos, tem sete rasgamentos em cada estrato/piso.
Figura 6.4 . Palazzo Gondi . 1489 . Florença . Giuliano da Sangallo |
O piso térreo tem três portas e quatro postigos. Em relação ao Stozzi, além de ter menos duas janelas por piso, aqui são de volta inteira e já não têm colunelos ao centro sendo, portanto, de lume único. A cornija é mais moderada na sua projecção, ainda que também mutulada.
A figura 6.5 expressa bem as diferenças de tratamento da pedra do estrato/piso térreo do que se lhe sobrepõe.
Figura 6.5 . Palazzo Gondi . Pormenor da estereotomia . 1489 . Florença . Giuliano da Sangallo |
Relevante também é o seu pátio interior, na proporção, em planta, de 2/3, a proporção dita sesquiáltera.
Figura 6.6 . Palazzo Gondi . Pátio interior . 1489 . Florença . Giuliano da Sangallo |
Também em Florença, e agora devido a desenho de Cronaca ou, segundo outros historiadores, devido possivelmente a Baccio d'Agnolo, se destaca outro palacete, o Palazzo Guadagni (figura 6.7), na mesma linha da "tipologia" adoptada mas com uma grande diferença: a existência do quarto e último piso. Além de acrescentar um aos habituais três pisos, este quarto é quase que uma réplica da ligeireza da arquitectura dos pátios, em contraste com a rudeza dos exteriores. Este piso apresenta-se como um varandim capacitando os seus ocupantes de poderem usufruir, de forma tranquila e resguardada, de uma panorâmica admirável sobre Florença. Um "passo" magnífico ao transpor-se a loggia - piso térreo - para uma loggia aérea. Com algum atrevimento, será o mesmo significante para dois significados distintos: a loja e a varanda/mirante.
Figura 6.7 . Palazzo Guadagni. 1507 . Florença . Il Cronaca ou Baccio d'Agnolo |
Para além de um quarto piso, e avarandado, também se distingue o acabamento das suas paredes, rebocadas nos pisos superiores e levemente bujardadas no piso térreo (possível alteração mais tardia?). De notar que os rasgamentos, em arcos únicos e sem septos meeiros são envolvidos por aduelas de pedra com forte expressão e, curiosamente, desenhando arcos apontados apesar dos arcos de volta inteira dos próprios rasgamentos como. aliás, na Palácio Gondi, agora visto.
O pátio interior oferece uma solução arquitectónica interessante na conjugação de arcos descarregando em colunas, numa parede e, na parede seguinte, perfazendo um ângulo de 90º, meias abóbadas descarregando em mísulas, criando um diálogo extremamente pouco vulgar, conforme a figura 6.8 nos mostra. Talvez que uma escassez de espaço tenha proporcionado uma solução tão "pouco-ortodoxa"!
Figura 6.8 . Palazzo Guadagni . Pátio interior . 1507 . Florença . Il Cronaca . Baccio d'Agnolo |
Em Roma, entre 1485 e 1513, construía-se o Palácio da Chancelaria (figura 6.9), encomendado pelo Cardeal Raffaele Riario. É um palácio imenso que alberga também uma capela palatina, preexistente, cuja entrada se faz pela porta mais pequena, do lado direito da fachada.
Figura 6.9 . Palácio da Chancelaria . 1485/1513 . Roma |
Se bem que tenha já sido atribuído a Alberti, sem dúvida por alguma parecença com o Palácio Rucellai, posteriormente tem-se posto a hipótese de que pudesse ter sido Donato Bramante e Andrea Begno ou, como ainda mais recentemente, algumas opiniões atribuem-no a Francesco di Giorgio Martini e Baccio Pontelli. Os três pisos e três estratos coincidentes estão na linha da tipologia dos palácios florentinos, no que respeita à divisão por andares, ou pisos, coincidentes com estratos.
Figura 6.10 . Palácio da Chancelaria . Pormenor da fachada |
Outra faceta curiosa é o facto de o tratamento da estereotomia ser quase idêntica ao do Rucellai, pela divisão nítida entre cada uma das pedras, e pelo acabamento das pedras mais rugoso para o primeiro piso, outro menos rugoso para o piso do meio e, finalmente, um tratamento mais macio para o piso superior. A fachada principal tem doze tramos com aberturas, alternados com treze tramos cegos, e remata-se com dois pavilhões - assim chamados os avanços dos extremos - que são constituídos por um tramo, com aberturas, ladeado por dois tramos cegos. Trinta e um tramos, no total: fachada marcada por tramos, assim tão extensa, será difícil de se encontrar.
Devido à preexistência de uma capela palatina, com a entrada privativa, e a necessidade de se individualizar a entrada para o palácio, o arquitecto suprimiu a diferenciação dos tramos no piso térreo, dando somente aos segundo e terceiro pisos as referidas diferenciações (figura 6.10) e o número de tramos já apontado. Esta opção de tornar a parede do primeiro piso destituída de quaisquer sinais de estruturas verticais foi uma solução realmente engenhosa, no sentido de fazer passar despercebida a falta de simetria especular. A não ter sido assim, seria deveras quase impossível coordenar o ritmo deste piso cuja entrada principal para o palácio se encontra ladeada por quatro janelas, de cada lado, e a entrada para a capela ser ladeada por quatro janelas no lado esquerdo e somente por duas no lado direito.
Os tramos cegos são mais estreitos do que os que possuem aberturas. As pilastras são da ordem coríntia (possivelmente as do terceiro piso serão compósitas, não tendo eu indicação mais exacta). As janelas do segundo piso, todas iguais, apresentam padieira em arco de volta perfeita, mas são enquadradas por uma moldura que remata numa cornija recta sobre a qual se desenha uma pequena roseta. As janelas do terceiro piso são de perfil recto, também com uma pequena cornija rematando a padieira. Sobre estas abrem-se pequenos postigos arqueados (exceptuando as janelas dos pavilhões) que parecem anunciar um mezanino, dado que não há qualquer tipo de moldura separando horizontalmente as aberturas aprumadas.
O andar térreo tem um friso contínuo onde assentam as janelas de recorte simplificado e de padieira em volta perfeita. O friso que separa este piso do segundo revela-se como um estreito entablamento de cornija salientada, anunciando-se quase como que um estilóbata, rematando um crepidoma sofisticado. O friso que separa o segundo do terceiro piso apresenta-se mais empolado do que os outros dois, resolvendo-se num entablamento completo e de cornija ainda mais saliente do que a anteriormente descrita. Finalmente o remate do edifício é feito por um entablamento não muito alto, mas com o friso desenvolvendo fortes mísulas ou modilhões que suportam a cornija projectante.
A singularidade mais expressiva deste alçado é, contudo, a existência de áticos-dado, de altura bem expressiva, suportando o segundo e o terceiro pisos. Áticos a que nem sequer faltam os empuxes acusando as pilastras que, assim, repousam em pedestais. É, de facto, um alçado notável, tal a lógica de se contornar uma problemática dificílima de ser bem resolvida arquitectural e arquitectonicamente.
Figura 6.11 . Palácio da Chancelaria . Cortile . Donato Bramante (?) |
O seu cortile (figura 6.11), também de três pisos, contrasta em absoluto com o exterior nos dois primeiros pisos, haja em vista a abertura que as arcadas oferecem. Mais uma vez encontramos colunas sobre as quais pousam arcos de volta perfeita, mas sem o recurso a dosserets. Os capitéis são esbeltos, acusando um pequeno equino, e os ábacos são constituídos por um friso e cornija pronunciada, dentro de um espírito de simplicidade.
É também de notar que as guardas dos pisos avarandados se resolvem em áticos-dado, acusando-se os pedestais das colunas. E, talvez que de extrema singularidade, seja o facto deste terceiro piso interior copiar o terceiro piso exterior, no respeitante às janelas e possíveis mezaninos e, também, na separação dos tramos realizada por pilastras. De referir, ainda que, neste espaço interno, os tramos são iguais e não ritmados em alternância com tramos cegos como no exterior.
O Palazzo Torlonia al Borgo (figura 6.12), em Roma, da autoria de Andrea Bregno, é, sem dúvida, uma réplica ao palácio da Chancelaria. Construído para o Cardeal Adriano Castellesi da Corneto, de 1496/1506, a fachada principal do palácio tem sete tramos; no entanto, esta divisão em sete pressupõe que se apelidem as pilastras de gémeas, embora com um afastamento algo significativo para assim serem designadas.
Figura 6.12 . Palazzo Torlonia (Giraud) . 1496/1506 . Roma . Andrea Bregno |
Tem um piso térreo bastante hermético, apenas com seis janelas algo pequenas para a grande superfície vertical, onde se sobre-salienta um portal de grande altura e com as ombreiras e padieira duplicadas a 90º. Uma solução estranha, para a época?
Os estratos superiores também assentam sobre áticos-dado que, tal como no Palácio da Chancelaria, reproduzem o desenho dos pedestais das pilastras. Embora com um eixo de simetria a meio e bem respeitado, o piso térreo também não tem marcação de pilastras, parecendo seguir o modelo anterior. Não deixa de ser interessante que tanto num como noutro caso, o piano nobile é subtilmente anunciado.
Figura 6.13 . Palazzo Torlonia (Giraud) . Pátio interior . 1496/1506 . Roma . Andrea Bregno |
Na sequência destes palácios alla romana, como começaram a ser designados em Florença, e no início com uma carga depreciativa, o palácio Bartolini Salimbeni (figura 6.14) é digno de registo.
Ainda que seja considerado já de um período maduro do Renascimento e quase na fase maneirista, não deixa de ser curioso que a fachada contenha alguns aspectos que a ligam com o período gótico, como sejam as janelas do segundo e terceiro pisos.
Figura 6.14 . Palácio Bartolini Salimbeni . 1520/23 . Baccio d’Agnolo |
Com efeito, as janelas quadripartidas por finos colunelos e linteis delicados, de pedra, estão ainda muito dentro do espírito gótico.
No piso térreo, a porta encontra-se flanqueada por uma janela de cada lado. Janelas que têm também o carácter de quase postigos, ainda que a decoração seja já de um primor de eloquência arquitectural.
A porta guarnece-se de duas colunas embebidas, suportando um entablamento e um frontão triangular. Este conjunto de porta e respectiva moldura não é mais do que a redução e simplificação do entendimento da fachada de um templo clássico. E é este um dos fundamentos para a compreensão da estruturação das fachadas clássicas, quer obedecendo à estrutura porticada verdadeira, quer às estruturas porticadas apenas insinuadas, com relevo ou apenas desenhadas.
As janelas que ladeiam a porta têm frontões curvos que, ainda na lógica de a b a, alternam com o frontão triangular da porta, assim como as janelas rematadas por frontões triangulares do segundo piso alternam com o frontão curvo da janela do meio. O último piso repete a mesma alternância de frontões do piso térreo. Esta alternância entre tímpanos curvos e tímpanos triangulares deve-se, para muitos autores, a Miguel Ângelo como tendo sido a utilizá-la primeiramente.
É ainda de se notar que os três estratos e três pisos, coincidentes, são marcados por cornijas arquitravadas, embora de forma bastante sofisticada, ainda que o remate superior da fachada seja em cornija arquitravada com um denticulado que suporta a cornija bem protuberante.
a seguir (3JAN19):
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FRANCESCO DI GIORGIO MARTINI
a VENEZA de MAURO CODUCCI
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