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6DEZ18
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SANTA MARIA NOVELLA - uma fachada seminal
I PALAZZI
I PALAZZI
Com outra igreja, agora somente da fachada (figura 5.1) se tratando, e datando de 1470 o seu acabamento, Alberti atinge um resultado fascinante, uma mágica que somente os grandes conseguem alcançar: o cruzamento entre a linguagem dos antigos com a linguagem dos modernos.
Em Florença, Alberti foi chamado a dar uma nova cara à igreja de Santa Maria Novella, gótica de origem. Tinha três naves, sendo de perfil basilical, isto é, sendo a nave central mais alta do que as laterais, acima da altura das quais se abria o clerestório, como era corrente. Neste caso o clerestório era resolvido por meio de pequenas rosáceas, a eixo dos arcos quebrados e encimando as paredes formeiras.
Figura 5.1 . Fachada de Santa Maria Novella . 1470 . Florença . Leon Battista Alberti |
A fachada tinha três portas, sendo as duas laterais ladeadas por dois arcossólios, nos extremos da fachada, e por um arcossólio separando-as da porta principal. Este arcos quebrados, e por isso conotados com o estilo gótico, contém túmulos de figuras ilustres, à maneira etrusca, tal conforme se viu no Templo Malatestiano, de Rimini.
Figura 5.2 . Decomposição geométrica da fachada de Santa Maria Novella . Florença |
Alberti solucionou a fachada propondo duas diferentes alturas, “inserindo-as” em três quadrados: dois, lado a lado, no piso térreo, e o segundo num andar sobreposto (figura 5.2), a meio do rectângulo composto pelos dois quadrados referidos. Estes dois quadrados, constituindo o primeiro estrato, Alberti rematou-os com um entablamento notável, com uma arquitrave, um friso deveras monumental decorado com quadrados embutidos contendo uma roseta no meio e, finalmente, uma cornija bastante modesta de altura. Este entablamento encontra-se suportado por duas pilastras salientes, nos extremos laterais da fachada, e por quatro colunas isentas, embora encostadas ao plano da fachada. É de notar que estas pilastras extremas se prolongam para cima da arquitrave e rematam-se no topo do friso. O segundo estrato é talvez o achado mais transcendente desta composição: Alberti desenha o frontispício de um pequeno templo tetrastilo, rematado por imponente frontão triangular. As pilastras desenham o intercolúnio com o ritmo a b a, na medida em que o tramo central teria que albergar a rosácea gótica preexistente. Este pequeno “templo” tem, no seu friso bem proporcionado, a data de MCCCCLXX. O frontão desenha-se imponente com as rampantes repercutindo o desenho da cornija.
Mas, a conquista mais importante no desenho desta transformação antigo-moderno acontece nas partes laterais deste tempietto (figura 5.3) que é o segundo estrato desta fachada: as VOLUTAS. E cada voluta inscreve-se num quadrado.
Figura 5.3 . Voluta da fachada de Santa Maria Novella . Figura 5.4 . Voluta da fachada de Il Gesù . 1580 . Roma |
Foi, de facto, Alberti o inventor de um novo significante arquitectónico. Ele inventou a voluta bidimensional para reduzir o impacte que a diferença de cotas das alturas (figura 5.3) das naves da igreja gótica apresentava. Cento e dez anos depois, numa das mais copiadas fachadas barrocas (figura 5.4), de Roma, da autoria de Giacomo della Porta, a voluta ganha novas sintaxes e transforma-se em tridimensional, prescindindo de motivos decorativos como os embrechados que a primitiva voluta de Alberti apresentava.
Se o Medievo elegeu os espaços eclesiásticos como seus símbolos edificatórios, e por maioria de razão, a CATEDRAL, o Renascimento elegeu a CASA como o seu símbolo, numa clara antecipação do que no Barroco haveria de maior ostentação: o PALÁCIO. Não obstante, é no Renascimento que se dá início à maior igreja da Cristandade: a Basílica de São Pedro, de Roma.
Assim, ainda sob o lema da obra de Alberti, o Palácio Rucellai (figura 5.5), de meados do século XV (1446/51), é uma das peças chave da arquitectura civil da Renascença. Nunca foi acabado por razões que se prendiam com a posse do terreno para o completar. Mas, o que remanesce é uma das fachadas mais bem conseguida em termos de composição que somente quem foi extremamente prolífico e conhecedor seria capaz de ter realizado.
Figura 5.5. Fachada e planta do Palácio Rucellai . Florença |
De outro modo não parece fazer sentido dado que, a fazer fé na presunção de ter sido planeado para oito tramos (os sete tramos hoje existentes e o oitavo para que não foi dada a posse do terreno, por razões que ignoro), isto é, com um número par de tramos o centro seria ocupado por estruturas verticais, pilastras neste caso, partido compositivo impensável.
Assim, contemplemos o alçado principal (figura 5.6) desta moradia que haveria de ser uma fonte de inspiração para outros arquitectos.
Figura 5.6 . Fachada do Palácio Rucellai . 1446/51 . Florença . Leon Battista Alberti |
Não deixa de ser bastante curioso o facto das janelas do segundo e terceiro estratos serem de dois lumes, com um colunelo a dividi-los, formalização herdada do período gótico, ainda que os arcos sejam de volta perfeita. Outro facto curioso é a não demarcação especial do piano nobile - o andar nobre, geralmente o primeiro andar - como viria a ser uma norma que perdurou muito para além do Renascimento, a não ser apenas o leve apontamento do brasão de armas (figura 5.7) a encimar o arco da janela central.
Os estratos do alçado principal são separados por entablamentos, com os seus três elementos, sendo o friso que remata o terceiro piso/estrato resolvido por mísulas que suportam a cornija não muito pronunciada. Acima deste terceiro estrato ainda se implanta um ático-piso, não visível da rua, que se destinava à acomodação dos serventuários.
A parede é ritmada por dois tramos iguais, um outro um pouco mais desenvolvido, contendo a porta, e outros dois iguais aos primeiros, num ritmo a a b a a b a a.
Figura 5.7 . Pormenor da fachada do Palácio Rucellai . 1446/51 . Florença . Leon Battista Alberti |
A diferença entre os tramos a e b é muito subtil (figura 5.7), apenas anunciada pelas janelas dos tramos b serem ligeiramente mais altas. A separação entre tramos faz-se por intermédio de pilastras, bem desenhadas, toscanas no piso térreo, jónicas no piso intermédio e coríntias no terceiro piso.
De assinalar, também, ainda que os capitéis da ordem jónica tenham um desenho em que as volutas pareçam pertencentes à ordem coríntia. Para muitos autores, o Rucellai teria sido o primeiro a ter as três ordens, em simultâneo, num alçado de arquitectura doméstica.
Tanto a demarcação das pilastras como da estereotomia da pedra, que marcam a fachada, são feitas pelo refundamento entre pedras, tridimensionalizando o alçado de uma forma assinalável. É de referir que Alberti, no primeiro piso desta “fortaleza citadina”, um tanto como devem ser entendidas, faz recurso de um pódio, qual crepidoma em opus reticulatum, além de representar uma estereotomia de blocos maiores e mais vincados do que nos outros pisos superiores.
O palácio Medici Riccardi, de grande presença citadina, é um dos palácios mais deslumbrantes de Florença e de toda a época renascentista. Com efeito, ainda que tenha herdado alguns artefactos do Rucellai, o Medici Ricardi acabou por ser o palácio renascentista mais visado em alguns dos seus atributos. Do Rucellai copia as mesmas janelas, de duplo lume separados por um colunelo, ambos os lumes inseridos numa moldura de volta perfeita. Apresenta três estratos correspondentes aos três pisos. No entanto, a separar os estratos apenas um ligeiro friso, mas com o perfil de uma pequena cornija.
Figura 5.8 . Palácio Medici Riccardi . 1466/50 . Florença . Michelloso Michellosi |
Apresenta também uma característica interessantíssima que é o facto de a qualidade do acabamento das paredes ser diferente em cada piso (figura 5.8). No primeiro é alvenaria de pedra rusticada, de aspecto bastante rude; no segundo piso a alvenaria de pedra já é levemente bujardada e, finalmente, no terceiro piso a pedra é alisada. Em todas estas três superfícies a estereotomia está bem presente. E também é de se registar que a parede não apresenta divisões de tramos. Nem tão pouco os ângulos são reforçados por pilastras.
O coroamento do edifício faz-se por um pujante entablamento, projectando-se com o perfil de uma cornija, entablamento esse constituído nos seus três elementos e com o friso projectando mútulas que sustentam a cornija.
Outra característica interessante é o facto da estereotomia dos arcos que encimam as janelas serem radiantes, obedecendo aos conceitos básicos da construção de arcos como se viu já no palácio Rucellai e verá no palácio Strozzi, bem como em outros palazzi.
A observação atenta da fachada principal do Palácio Medici-Ricardi (figura 5.9) revela-nos uma certa incongruência: ao estabelecermos o eixo de simetria axial, veremos que, no primeiro piso, ele passa no meio da janela central e para cada lado dispõem-se três postigos, uma porta, dois postigos e uma janela.
Figura 5.9 . Fachada do Palácio Medici Riccardi . 1466/50 . Florença . Michelloso Michellosi |
No entanto, nos dois pisos de cima, o eixo de simetria passa entre duas janelas e não pelo meio de um vão, como seria suposto fazê-lo e como se localizava a então porta de entrada. Acontece que no segundo piso, do lado direito da fachada encontram-se oito janelas e no lado esquerdo encontram-se nove janelas. Depois, no terceiro piso encontram-se oito janelas de cada lado do eixo de simetria. É evidente que esta descoordenação leva a que as janelas do lado esquerdo do edifício não se encontrem aprumadas. Estou em crer que o que provocou esta falha de simetria especular poderá já ter sido ou virá a ser teor de trabalhos de investigação, sem dúvida, fascinantes.
Figura 5.10 . Finestra inginocchiata na fachada do Palácio Medici Riccardi . 1571 . Miguel Ângelo |
Esta fachada é rematada por um entablamento robusto, repetindo um tanto o do Rucellai no sentido em que o friso se desenvolve em possantes mísulas que suportam a cornija muito saliente. Mas esta fachada ainda nos dá a conhecer outra modificação a que esteve sujeita, no piso térreo, e que consta do fechamento de três das cinco portas que primitivamente suportava, portas que eram tão comuns às logge. Em 1517, pelo traço de Miguel Ângelo, estas portas são encerradas e transformadas em ”janelas ajoelhadas" (figura 5.10), ou sejam, as finestre inginocchiate.
Em contraste absoluto com o exterior, fechado qual fortaleza, o interior (figura 5.11) deste palácio, bem como regra geral de todos os outros palácios urbanos, é delicadamente aberto, um jardim-oásis dentro da cidade. É um refúgio seguro relativamente a uma certa intranquilidade algo violenta do exterior.
Figura 5.11 . Palácio Medici Riccardi . Pátio interior |
Uma chamada de atenção para, mais uma vez nos alertarmos do modo como os arcos descarregam sobre as colunas, sem qualquer "artifício brunelleschiano", isto é, sem qualquer reminiscente de entablamento.
No Medici Ricardi, ainda que as colunas e a arcada confiram bastante leveza aos alçados do pátio, os aspectos decorativos são bem presentes como as guirlandas e medalhões enfeitando o friso bastante alto que se sobrepõe à arquitrave da colunata, como o paralelismo que existe no desenhar da estereotomia que copia a do exterior. Também as janelas que se abrem no pátio, tal como as do exterior, são de dois lumes geminados com colunelo a separá-los e rematadas em arcos com o desenho das aduelas. Estes pátios, há que lembrar, são herdeiros das domus romanas, com o respectivo peristilo. Uma casa fechada para fora e aberta para dentro.
Ainda no âmbito da arquitectura residencial, o palácio Antinori 1461/1469 (figura 5.12) da autoria de Giuliano da Maiano, parece repetir à exaustão o modelo visto nos três palácios atrás apontados. Curiosamente, em nenhum dos pisos se vê a vontade expressa de se estabelecer o eixo de simetria a não ser os dois estratos superiores se abrirem num número par de janelas (seis, no total), e o brasão de armas da família se posicionar sobre o eixo. O primeiro piso parece de todo não fazer parte desta composição simétrica, com a porta deslocada para um lado e da abertura de um postigo quase no limite parietal e dois outros do outro lado da porta.
Depois de 1506 o palácio passou para a propriedade de Niccolò Antinori, daí o nome do palácio, e teve obras posteriores com desenho de Baccio d’Agnolo.
Figura 5.12. Palácio Antinori . 1461/69 e 1506 . Florença . Giuliano da Maiano . Baccio d’Agnolo
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a seguir (20DEZ18):
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I PALAZZI - continuação
Olá, sou estudante de arquitetura e gostaria de saber qual a definição de estratos e de tramos. Obrigada!
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