17JAN19

DONATO  BRAMANTE
 -  o RENASCER  -

Donato Bramante (1444/1514) foi o primeiro arquitecto do Alto Renascimento, significando isto que foi o homem da linguagem mais pura do Renascimento, porque mais próxima da arquitectura romana; A sua obra, sob o ponto de vista da arquitectura renascentista, nada deve, portanto, ao período gótico. 

Começando por ser pintor, a arte da arquitectura foi a que, no entanto, venceu. São obra sua os frescos que pintou para a Casa Visconti-Panigarola, em Milão, e hoje depositados na Pinacoteca de Brera. Heráclito, choroso, e Democrito, Risonho (figura 7.10), são duas figuras glosadas na Antiguidade que no Renascimento eram recorrentes para a representação dos dois modos de encarar a Vida . 
Figura 8.1 . Heráclito, Choroso e Demócrito, Risonho . Frescos da Casa Visconti-Panigaroa . Milão . 1480/85. Donato Bramante 
Também se deve a Bramante a célebre imagem de Cristo alla Colonna pintada entre 1480/90, hoje na Pinacoteca de Brera. Cristo acorrentado e não pregado na cruz.
Figura 8.2 . Cristo alla Colonna . 1480/90 . Donato Bramante
Mas Bramante ficaria como que o arquitecto iniciador do Alto Renascimento. A sua obra é despojada de qualquer estigma gótico. Em Milão, destaca-se a famosa cabeceira da Igreja de Santa Maria presso San Satiro. É uma cabeceira e transepto formando um T. Mas, no entanto, para quem entra na igreja, pela nave central e olhando em frente parecer-lhe-á estar contemplando, ao fundo, a capela-mor, com uma profundidade suficiente (figura 8.2) para aí decorrerem os ofícios sagrados. No entanto, observando a planta e o corte longitudinal da igreja, verifica-se facilmente que a capela-mor é quase inexistente, pois que se "desenvolve longitudinalmente" apenas dentro da espessura da parede confinante com o exterior.
Figura 8.3 . Igreja Santa Maria presso San Satiro . Abside da Igreja . Milão . Donato Bramante
A figura 8.4 mostra os desenhos do corte longitudinal e a planta mostrando a imponente falsa perspectiva. Dizendo de um modo mais convencional, perspectiva em trompe l’oeil e, permito-me também dizer avant la lettre, pois que este gesto de enganar a perspectiva visual ainda não era corrente.
Figura 8.4 . Igreja de Santa Maria presso San Satiro . Corte longitudinal e planta . Milão . Donato Bramante
Figura 8.5 . Igreja de Santa Maria presso San Satiro . Vista da abside em trompe l'oeil . Milão . Donato Bramante
Com efeito, a profundidade da cabeceira quase que é inexistente, conforme a figura 8.5 mostra perfeitamente, pouco mais tendo do que a espessura da parede da abside, confinante com uma rua de Milão, a Rua Falcone, possível razão da necessidade de uma tal redução para que a serventia da rua não ficasse interditada. 

O início do século XVI vê Florença ser substituída por Roma como a capital das artes. 
Esta mudança dever-se-ia não só aos distúrbios entre as famílias poderosas de Florença, que se gladiavam assíduas vezes, como também e, talvez como facto mais importante, ao pontificado de Júlio II que foi um verdadeiro mecenas. 

A Bramante é encomendada, pelo Cardeal Oliviero Carafa, o projecto do claustro do complexo de Santa Maria da Paz (figura 7.12), como a sua primeira obra romana. A esta igreja volveremos quando se estiver a dissertar sobre o período barroco e, mais concretamente de Pietro da Cortona. 
Figura 8.6 . Planta do complexo de Santa Maria della Pace . 1500 (ca.) . Roma . Donato Bramante 
De planta quadrada, com quatro vãos e pilares em número de dezasseis, número perfeito no entendimento de Andrea Palladio, é uma verdadeira obra prima de arquitectura (figura 8.7). Tem dois níveis, sendo a altura do superior menor ¼ em relação à altura do primeiro, de acordo com as boas regras, segundo Leon Battista Alberti e, depois, regra seguida também por Sebastiano Serlio. 
Figura 8.7 . Claustro de Santa Maria della Pace . 1502 . Donato Bramante 
O piso térreo é formalizado por pilares com base, fuste e capitéis que podem ser assumidos como dóricos ou toscanos, aos quais se adossam pilastras jónicas, com pedestal. Sobre esta colunata aposta à arcada dórica, sobrepõe-se a arquitrave de três ressaltos, friso liso e cornija também com três ressaltos. Sobre esta cornija é lançado um ático-dado sobre o qual assentam os pilares do segundo piso. Apostas a estes pilares salientam-se pilastras cujas bases assentam directamente na cornija do entablamento do piso de baixo. Entre os pilares e pilastras parece ter havido uma fusão de efeito surpreendente, e pertencente à ordem compósita. É de realçar que, enquanto no piso térreo os pilares não têm pedestal, no segundo piso são as pilastras que não o têm, sendo somente os pilares a tê-los. 
A meio do vão, entre os suportes verticais deste segundo piso, Bramante colocou colunas coríntias que, assim, assentam sobre o vão da arcaria do piso de baixo, sem qualquer correspondência axial. A rematar superiormente este conjunto salienta-se, mais uma vez, um entablamento com o friso desenvolvendo uma fiada forte de mísulas, proporcionando uma cornija saliente. 

É de notar que Bramante utiliza, assim, as cinco ordens num mesmo alçado. 

Nos finais do século XV, Bramante é convidado para a realização de um pequeno templo no local onde São Pedro teria sido martirizado, e que veio a ser conhecido por San Pietro in Montorio. É um martirium, num claustro pequeníssimo que, segundo proposta de Bramante, seria de planta redonda , tal como o referido martirium
Pela leitura da planta do conjunto, claustro e templo (figuras 8.8 e 8.9), se poderá aquilatar das premissas da Arquitectura do Renascimento no que respeita à escolha de um ponto de vista privilegiado para observação. Assim, neste claustro redondo e pequeníssimo, qualquer local seria o ideal para o observar, mantendo sempre a mesma imagem desejável de absoluta contemplação sem falhas. 
Figura 8.8 . San Pietro in Montorio . Planta do Claustro e do tempietto . 1502 . Roma . Donato Bramante
Figura 8.9 . San Pietro in Montorio . Planta . do tempietto . 1502 . Roma . Donato Bramante
O corte pelo eixo vertical (figura 8.10) do pequeno templo dá a ver perfeitamente a cripta onde jazem os instrumentos de tortura infligidos a São Pedro, significando o INFERNO, a “nave” cilíndrica – a TERRA, e o corte absoluto entre a parede e a cúpula – o CÉU, sobreposta ao cilindro que ilumina todo o espaço religioso e, porque não, místico? O tempietto, de ordem dórica, é de uma execução primorosa. As colunas que o rodeiam bem como as pilastras que se adossam às paredes confirmam esta afirmação (figura 8.11).
Figura 8.10 . San Pietro in Montorio . Alçado, Corte vertical e Fotos: cúpula, "nave" e cripta . 1502 . Roma . Donato Bramante
Figura 8.11 . San Pietro in Montorio . Pormenor de um capitel e intradorso da arquitrave
Também é dado como assente que este pequeno templete (1482/1502), teria sido um dos primeiros edifícios a empregar a ordem toscana, dado que a ordem dórica, segundo Vitrúvio, se destinava aos deuses/heróis gregos. De notar que do seu entablamento dórico, o friso tem inserido nas suas métopas algumas reproduções de símbolos eucarísticos.
Também se torna significativa a diferenciação das pedras constitutivas das bases e capitéis das pedras dos fustes, quase trazendo à memória o jogo de claro-escuro brunelleschiano.
Figura 8.12 . San Pietro in Montorio .  Fachada(s) . 1502 . Roma . Donato Bramante 
No pontificado de Júlio II, a basílica, que o Imperador Constantino havia mandado construir no século IV d.C., foi derrubada. Em Abril de 1506, o Papa encarrega Bramante de projectar a nova basílica. Não mais um edifício civil, como nos tempos de Constantino (figura 8.13), mas uma igreja, feita de raiz. 
Figura 8.13 . Desenho da planta bramantina sobre a planta da antiga basílica romana 
O desenho 8.13 ilustra bem o facto de Bramante ter projectado o centro da cruz sobre o centro da exedra da antiga basílica pagã. Assim se transfiguraria o local do Imperador terreno no sítio de veneração do corpo de São Pedro.

Mas, antes de prosseguirmos na apreciação desta obra-prima que atravessará cerca de cento e vinte anos até se completar, atentemos nos dois exemplos extremados, em tamanho, que couberam a Bramante desenhar, revelando-se assim, cabalmente, uma das características mais invulgares que este código arquitectural apresenta: a PROPORÇÃO (figura 8.14). Com o tempietto e a Basílica de São Pedro, Bramante abarcou a amplitude do classicismo, experimentada nos limites dimensionais extremos. 
Figura 8.14 . Comparação entre a Basilica di San Pietro al Vaticano e San Pietro in Montorio, à mesma escala
E, dando cumprimento à encomenda do Papa, Bramante começa a trabalhar no seu projecto para a Basílica de São Pedro - papale arcibasilica maggiore di San Pietro in Vaticano - uma tarefa gigantesca, tanto quanto gigantesca viria a ser a igreja-mãe do Catolicismo Apostólico Romano (figura 8.15), ainda hoje a maior igreja católica. 
Figura 8.15 . Planta de São Pedro . Roma . 1506 (in.) . Donato Bramante 
(no centro, foi sobreposta a medalha comemorativa do evento) 
Uma tal proposta, de cruz grega e enfaticamente centralizada, de significado pagão, somente um Papa Renascentista a poderia ter aceite.
Figura 8.16 . Cinco propostas para a planta de São Pedro do Vaticano 
Depois de Bramante, uma sucessão de arquitectos se seguem nas propostas para a elaboração da obra, ou propondo a Basílica de São Pedro em cruz grega ou em cruz latina, como bem expressa a figura 8.16. 

É curioso verificar-se que, apesar do Concílio de Trento, que se realizou entre 1545 e 1563, Rafael e Sangallo tenham proposto plantas em cruz latina, como haveria o Concílio de propor, e Miguel Ângelo e Peruzzi, apesar do Concílio, propuseram, novamente, a planta pagã para a igreja-mãe da Cristandade. 

Mas, talvez que a maior alteração à planta centralizada de Bramante tivesse sido a adição de um pronau, uma antecâmara preparando a entrada no templo. Ainda que se mantivesse uma planta centralizada, já não o era na verdadeira acessão da palavra. Curioso é o facto de esta adição ter condicionado o crescimento da nave da basílica que, já nos anos seiscentos se transformou em igreja de cruz latina, pelo risco de Carlo Maderno. 
Em 1514 morria Bramante e suceder-lhe-iam vários outros arquitectos de fama, conforme alguns são registados na figura 8.16. à morte de Bramante apenas parte dos quatro pilares fundamentais da estrutura estariam parcialmente levantados. Coube a Miguel Ângelo desenhar e construir a parte relativa ao presbítero que, a devido tempo, será mostrada.

Ainda que Santa Maria da Consolação, de Todi (figuras 8.17 e 8.18), pudesse ter tido o desenho de Bramante, e por muitos considerada como a igreja renascentista mais fiel aos ditames da época, é, de facto um edifício que, pela sua planta e pela sua volumetria, congrega todos os desideratos arquitectónicos. Começou em 1506 - data da encomenda da Basílica de São Pedro - e levou cem anos a acabar-se. A sua concepção traz à imaginação como poderia ter sido a Basílica de São Pedro, um marco isolado, conforme Bramante a teria primitivamente idealizado. 
Figura 8.17 . Planta da Basílica de Santa Maria da Consolação . 1506/1605 . Todi .. Donato Bramante (?) . Cola da Coprarola . Baldassare Peruzzi .Vignola . Ipollito Scalza . Galeazo Alessi . Antonio Sangallo (o jovem) 
Figura 8.18 . Basílica de Santa Maria da Consolação . 1506/1605 . Todi .. Donato Bramante (?) . Cola da Coprarola . Baldassare Peruzzi .Vignola . Ipollito Scalza . Galeazo Alessi . Antonio Sangallo (o jovem) 
a seguir (31JAN19)
9
GIULIANO  da  SANGALLO
ANTONIO da SANGALLO, o VELHO
ANTONIO da SANGALLO, o JOVEM
3JAN19

FRANCESCO   DI  GIORGIO   MARTINI 

a  VENEZA   de   MARIO   CODUCCI

Francesco di Giorgio Martini (1439/1501) foi um teórico de arquitectura do início da Renascença que escreveu um tratado – "Trattato di architettura civile e militare" - que não viria a ser publicado senão no século XIX. Esse tratado, no entanto, e aquando do seu surgimento, foi consultado por arquitectos e outros humanistas, entre os quais Leonardo da Vinci. 

Francesco di Giorgio foi contratado por Federigo da Montefeltro, duque de Urbino, para a construção de fortalezas. Mas para além desses trabalhos, a di Giorgio se deve uma das obras primas deste período, a igreja de cruz latina de Santa Maria al Calcinaio, 1485/1516, em Cortona (figura 7.1)
Figura 7.1 . Igreja de Santa Maria al Calcinaio . 1485/1516 . Cortona . Francesco di Giorgio Martini 
O rigor do desenho, de uma lógica renascentista, sobrevaloriza a centralidade com um coroamento do cruzeiro alcançando grande altura, ainda que o corpo da igreja seja de planta latina, conforme se vê, através da imagem do seu tecto (figura 7.2) ou da sua planta, embora a uma escala reduzida conforme a da figura 7.3 onde também se pode apreciar o desenho de um corte transversal da nave, pelo transepto, bem como o desenho da fachada principal. 
Figura 7.2 . Tecto da igreja de Santa Maria al Calcinaio . Cortona . Francesco di Giorgio Martini
Figura 7.3 . Planta, corte transversal e fachada principal da Igreja de Santa Maria al Calcinaio
Francesco di Giorgio Martini

A cúpula, majestosa para o tamanho da igreja, é oitavada, com um perfil parabólico e assenta sobre um tambor também oitavado em cujas paredes se abrem janelas rematadas por frontões triangulares como, aliás, se verá serem do mesmo género as outras janelas do corpo do edifício. Pelo interior, esta cúpula assenta sobre trompas que descarregam o peso nos quatro cantos do cruzeiro.
O seu interior é de uma beleza serena como serena é a pedra, a pietra serena, que contrasta com o reboco branco, contraste que já víramos em Brunelleschi.
Figura 7.4 . Igreja de Santa Maria al Calcinaio . 1485/1516 . Cortona . Francesco di Giorgio Martini
Neste interior, de uma erudição no tocante à arquitectura all'antica, é de reparar nas paredes interiores, de todos os espaços componentes, dividida a meio da altura por um friso que percorre todo o perímetro. Outra linha horizontal percorre o primeiro estrato das paredes interiores, um friso que se localiza à altura do arranque dos arcos que conformam as capelas laterais. Também assinalando o ritmo cadenciado, pilastras dividem verticalmente essas mesmas paredes. O desenho destas pilastras é de uma subtileza desconcertante. No primeiro estrato, têm por capitel nada mais do que o desenho do friso que contorna todo o perímetro interior da igreja, friso esse que tem um desenho mais próximo de uma cornija. Os capitéis do estrato superior formalizam uma ordem compósita ainda como que titubeante ou então numa procura deliberada do arquitecto, conforme mostra o pormenor da figura 7.5.

Figura 7.5 . Pormenor das pilastras do corpo da igreja de Santa Maria al Calcinaio . 1485/1516
Francesco di Giorgio Martini
Figura 7.6 . Igreja de Santa Maria al Calcinaio . 1485/1516 . Janelas exteriores do lado do Evangelho
Francesco di Giorgio Martini

Como nota curiosa, a juntar à observação desta igreja, é o desenho das janelas ser igual tanto no interior como no exterior. Outro tanto se passa com as pilastras, da mesma ordem e iguais à do interior (figura 7.6)

Mas, no entanto, três anos antes de começar esta igreja de Santa Maria, em Cortona, Francesco di Giorgio projectou a igreja de São Bernardino para ser o panteão dos Duques de Urbino, de um desenho singular, fundindo a cruz latina com a centralidade renascentista. A figura base, a do cruzeiro, configura uma geometria delineando um quadrado com semi-círculos irrompendo três dos seus lados, sendo o respeitante à abside de raio maior. 
Nos quatro cantos do quadrado inserem-se quatro colunas isentas, ainda que bastante próximas dos ângulos rectos, não sobrando algum espaço “habitável” (figura 7.7).
Francesco di Giorgio teve como seu ajudante o então jovem arquitecto Donato Bramante. 

Figura 7.7 . Igreja mausoléu de São Bernardino . 1482/91 . Cortona
Francesco di Giorgio Martini e Donato Bramante 

Figura 7.8 . Igreja mausoléu de São Bernardino . 1482/91 . Vista tomada do cruzeiro para a capela-mor (à esquerda) e para a entrada na nave (à direita) . Francesco di Giorgio Martini e Donato Bramante
E a singularidade da forma desta conjugação geométrica também se tridimensionaliza e as quatro colunas desempenham papel fundamental na espacialidade, marcando a centralidade (figura7.8).
Não deixa de ser curioso o desenho exterior da igreja, ainda algo presa às igrejas românicas, pela escassez das aberturas e respectivas dimensões, como mostra a figura 7.9. 
Figura 7.9 . Igreja mausoléu de São Bernardino . 1482/91 . Cortona . Francesco di Giorgio Martini e Donato Bramante
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a VENEZA de
MAURO   CODUCCI   (CODUSSI) 

Mauro Coducci (1440/1504), também referido como Codussi, foi um arquitecto de maior nomeada na República de Veneza. A sua arquitectura representa uma espécie de transição entre uma tradição codificada do gótico veneziano e um código toscano que haveria de ser determinante na arquitectura all’antica
A ele se deve a primeira igreja renascentista de Veneza, a pequena igreja de São Miguel-na-ilha – Chiesa San Michelle-in-isola, junto ao cemitério. 

A fachada tripartida (figura 7.10), é inspirada pelo templo Malatestiano de Rimini, da autoria de Alberti. Aqui, também a fachada é de um único estrato, dividido por pilastras compósitas, ainda que com alguma estilização. Note-se que Coducci ainda é coetâneo de Alberti, tendo este morrido quando Coducci já tinha 34 anos de idade. É muito provável que tivesse tido acesso ao desenho da medalha comemorativa do Templo de Malatesta, pois que as semelhanças das duas fachadas são por demais evidentes com a da referida medalha e não com a da realização efectiva do templo de Rimini. 
Curiosamente, a saliência das pilastras não se interrompe para cima dos capitéis, fazendo com que a leitura seja um tanto confusa, à primeira vista. É como se existissem dosserets
Figura 7.10 . Igreja de São Miguel na Ilha Mauro Coducci) e Templo Malatestiano (Leon Battista Alberti)
O estrato único é rematado por cornija algo saliente. O tramo central é coroado por um frontão complexo, dividido em duas partes. A de baixo mais parecendo um estrato achatado que se remata por um frontão curvo que se apoia num entablamento de forte expressão. Este primeiro estrato do frontão possui um óculo grande centrado e em cada canto do paralelogramo inserem-se óculos muito pequenos Um quinto óculo, também pequeno, mas com a forma elíptica centra-se no frontão curvo.
As janelas, uma em cada tramo lateral, são de volta inteira, estreitas e altas mais parecendo derivadas de uma concepção românica ou gótica. A porta da entrada é coroada por um frontão triangular sustentado por duas pilastras toscanas. 

A Coducci também se deve a fachada da igreja de San Zaccaria ou de São Zacarias. O corpo da igreja (figura 7.11) foi projectado por Antonio Gambello e é nítida a conjugação dos dois códigos arquitectónicos antagónicos: o moderno e o antigo.  
Figura 7.11 . Planta da Igreja de São Zacarias . Veneza . Antonio Gambello 
Do gótico subsistem as janelas da abside, em arco quebrado como também são quebrados os arcos que delimitam o deambulatório. 
Mas o corpo da igreja ainda se torna mais interessante ao vermos as três naves divididas por arcaria de volta inteira (figura 7.12) suportada por colunas, mas com uns suportes verticais estranhos: as colunas coríntias são bem proporcionadas, mas, para poderem atingir a altura desejada, são suportadas por pedestais que simulam colunas baixas, sem ligação aparente às ordens clássicas. Também é de reparar que as três naves se encontram à mesma altura, sinal evidente do final do gótico, pois que a não-existência das paredes formeiras assim o evidencia. 
De reparar, ainda, que as naves laterais são cobertas de abóbadas com arestas. A nave central, de três tramos, descarrega as respectivas cúpulas sobre perxinas. O contraste entre o cinzento da pedra com o reboco branco traz-nos à memória a obra de Brunelleschi.
Figura7.12 . Nave principal e abside da Igreja de São Zacarias . Veneza . Antonio Gambello 
A fachada (figura 7.13), da autoria de Coducci, é um exemplar da arquitectura veneziana bem elaborado. Apresenta-se em três estratos separados por entablamentos de forte expressão e por ordem de expressividade em crescendo de baixo para cima. Os três tramos, em que se divide a fachada, são separados por fortes pilastras nos dois primeiros estratos. Pilastras com base, fuste e capitel, no primeiro, e sem base nas pilastras do segundo estrato. A divisão de tramos no terceiro estrato faz-se por colunas geminadas, da ordem jónica.
Figura 7.13 . Fachada da Igreja da São Zacarias . Veneza . Mauro Coducci 
O primeiro piso/estrato é decorado por figuras quadrangulares em relevos diversificados que também se apõem aos pilares. O segundo piso/estrato é totalmente decorado com edículas cegas que somente se abrem em janelas geminadas, duas a duas, nos tramos laterais. O terceiro piso/estrato, com uma modulação de 3+5+3, enriquece-se com a separação dos tramos feita por intermédio de colunas geminadas, avançadas da parede. Os tramos laterais são constituídos por três sub-tramos separados por colunas apilastradas, sendo o do meio aberto em janela de arco, como também são em arco as três janelas dos cinco sub-tramos centrais.
Finalmente o frontão que, a haver "estilos" de frontões, se enquadraria no estilo "veneziano". É complexo, dividido em três tramos. Os laterais são curvos, nascendo dos extremos para o centro. O tramo central compõe-se de três estratos, os dois primeiros de quatro tramos separados por colunas geminadas isentas, sendo os dois tramos do meio preenchidos por janelas, e o terceiro estrato é um frontão curvo, simulando quase que como um entablamento curvo com um friso largo rematado por cornija saliente. No centro localiza-se um óculo, aberto, e nos dois semi-frontões curvos, atrás descritos, também se localiza um óculo cego em cada um.
Também é de realçar, finalmente, como Coducci manuseia a linguagem clássica, all'antica, com a linguagem gótica.


Também é de Coducci o Palácio Corner-Spinelli, no Gran Canal de Veneza (figura 7.14), começado em 1490
De três estratos, sendo o de baixo, rasante à água do canal, o mais alto, comportando dois pisos anunciados por duas janelas de cada lado da entrada, correspondentes ao piso térreo, e uma janela a eixo da porta, correspondendo ao segundo piso. Tanto a porta como as seis janelas são de arco perfeito.
Figura 7.14 . Palácio Corner-Spinelli .1490 (início) . Veneza . Mauro Coducci 
Ainda que a fachada comporte apenas um tramo efectivo, denunciado pelos estratos limitados por pilastras extremas, parece que estamos em presença de três tramos devido à composição das aberturas. E isto porque as aberturas e respectivos varandins se encontram agrupados por uma espécie de edícula rectangular de pouca espessura. Assim, as pilastras limitativas e do primeiro piso desenham-se como jónicas, ainda que num formato algo frustre, não deixando, no entanto, de representarem uma aproximação à jónica convencional. As pilastras dos outros dois pisos desenham-se como coríntias e compósitas, parecendo as usadas por Alberti em Santo André de Mântua.
As aberturas são portas com as respectivas sacadas. São portas de dois lumes separados por fino colunelo central, sobre o qual se abre um óculo. Estes três lumes, constitutivos da portada, inserem-se numa moldura de arco perfeito. Também esta conjugação se liga verticalmente a outro conjunto semelhante, perfazendo os dois andares como que uma pequena moldura um pouco saliente da parede. O todo do conjunto parece formar um tramo, daí o nome de falso-tramo ou, conforme atrás apontado, como uma espécie de edícula. Do outro lado da fachada se repete este esquema e na parte central também acontece o mesmo, mas com a diferença de serem duas janelas duplas, concretizando-se um falso-tramo mais largo.
As portas duplas têm varandas tripartidas e de planta tri-arqueada no segundo piso e varandas de plantas rectas nas do segundo piso. Os rasgamentos centrais têm varanda corrida nos dois pisos.
Referência ainda à superfície de alguma aspereza nas pedras que perfazem a superfície do primeiro piso e a lisura das superfícies dos outros dois pisos. Encimando este conjunto, um entablamento que corre de um extremo a outro, inserindo-se uma guirlanda no friso, alternando com rosetas. Remata a fachada, acima do entablamento, uma edícula dupla rematada por frontão triangular simples.
O eixo de simetria coincide com estruturas verticais nos andares acima do primeiro piso. 

a seguir (17JAN19):
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DONATO BRAMANTE
-o RENASCER -