17JAN19

DONATO  BRAMANTE
 -  o RENASCER  -

Donato Bramante (1444/1514) foi o primeiro arquitecto do Alto Renascimento, significando isto que foi o homem da linguagem mais pura do Renascimento, porque mais próxima da arquitectura romana; A sua obra, sob o ponto de vista da arquitectura renascentista, nada deve, portanto, ao período gótico. 

Começando por ser pintor, a arte da arquitectura foi a que, no entanto, venceu. São obra sua os frescos que pintou para a Casa Visconti-Panigarola, em Milão, e hoje depositados na Pinacoteca de Brera. Heráclito, choroso, e Democrito, Risonho (figura 7.10), são duas figuras glosadas na Antiguidade que no Renascimento eram recorrentes para a representação dos dois modos de encarar a Vida . 
Figura 8.1 . Heráclito, Choroso e Demócrito, Risonho . Frescos da Casa Visconti-Panigaroa . Milão . 1480/85. Donato Bramante 
Também se deve a Bramante a célebre imagem de Cristo alla Colonna pintada entre 1480/90, hoje na Pinacoteca de Brera. Cristo acorrentado e não pregado na cruz.
Figura 8.2 . Cristo alla Colonna . 1480/90 . Donato Bramante
Mas Bramante ficaria como que o arquitecto iniciador do Alto Renascimento. A sua obra é despojada de qualquer estigma gótico. Em Milão, destaca-se a famosa cabeceira da Igreja de Santa Maria presso San Satiro. É uma cabeceira e transepto formando um T. Mas, no entanto, para quem entra na igreja, pela nave central e olhando em frente parecer-lhe-á estar contemplando, ao fundo, a capela-mor, com uma profundidade suficiente (figura 8.2) para aí decorrerem os ofícios sagrados. No entanto, observando a planta e o corte longitudinal da igreja, verifica-se facilmente que a capela-mor é quase inexistente, pois que se "desenvolve longitudinalmente" apenas dentro da espessura da parede confinante com o exterior.
Figura 8.3 . Igreja Santa Maria presso San Satiro . Abside da Igreja . Milão . Donato Bramante
A figura 8.4 mostra os desenhos do corte longitudinal e a planta mostrando a imponente falsa perspectiva. Dizendo de um modo mais convencional, perspectiva em trompe l’oeil e, permito-me também dizer avant la lettre, pois que este gesto de enganar a perspectiva visual ainda não era corrente.
Figura 8.4 . Igreja de Santa Maria presso San Satiro . Corte longitudinal e planta . Milão . Donato Bramante
Figura 8.5 . Igreja de Santa Maria presso San Satiro . Vista da abside em trompe l'oeil . Milão . Donato Bramante
Com efeito, a profundidade da cabeceira quase que é inexistente, conforme a figura 8.5 mostra perfeitamente, pouco mais tendo do que a espessura da parede da abside, confinante com uma rua de Milão, a Rua Falcone, possível razão da necessidade de uma tal redução para que a serventia da rua não ficasse interditada. 

O início do século XVI vê Florença ser substituída por Roma como a capital das artes. 
Esta mudança dever-se-ia não só aos distúrbios entre as famílias poderosas de Florença, que se gladiavam assíduas vezes, como também e, talvez como facto mais importante, ao pontificado de Júlio II que foi um verdadeiro mecenas. 

A Bramante é encomendada, pelo Cardeal Oliviero Carafa, o projecto do claustro do complexo de Santa Maria da Paz (figura 7.12), como a sua primeira obra romana. A esta igreja volveremos quando se estiver a dissertar sobre o período barroco e, mais concretamente de Pietro da Cortona. 
Figura 8.6 . Planta do complexo de Santa Maria della Pace . 1500 (ca.) . Roma . Donato Bramante 
De planta quadrada, com quatro vãos e pilares em número de dezasseis, número perfeito no entendimento de Andrea Palladio, é uma verdadeira obra prima de arquitectura (figura 8.7). Tem dois níveis, sendo a altura do superior menor ¼ em relação à altura do primeiro, de acordo com as boas regras, segundo Leon Battista Alberti e, depois, regra seguida também por Sebastiano Serlio. 
Figura 8.7 . Claustro de Santa Maria della Pace . 1502 . Donato Bramante 
O piso térreo é formalizado por pilares com base, fuste e capitéis que podem ser assumidos como dóricos ou toscanos, aos quais se adossam pilastras jónicas, com pedestal. Sobre esta colunata aposta à arcada dórica, sobrepõe-se a arquitrave de três ressaltos, friso liso e cornija também com três ressaltos. Sobre esta cornija é lançado um ático-dado sobre o qual assentam os pilares do segundo piso. Apostas a estes pilares salientam-se pilastras cujas bases assentam directamente na cornija do entablamento do piso de baixo. Entre os pilares e pilastras parece ter havido uma fusão de efeito surpreendente, e pertencente à ordem compósita. É de realçar que, enquanto no piso térreo os pilares não têm pedestal, no segundo piso são as pilastras que não o têm, sendo somente os pilares a tê-los. 
A meio do vão, entre os suportes verticais deste segundo piso, Bramante colocou colunas coríntias que, assim, assentam sobre o vão da arcaria do piso de baixo, sem qualquer correspondência axial. A rematar superiormente este conjunto salienta-se, mais uma vez, um entablamento com o friso desenvolvendo uma fiada forte de mísulas, proporcionando uma cornija saliente. 

É de notar que Bramante utiliza, assim, as cinco ordens num mesmo alçado. 

Nos finais do século XV, Bramante é convidado para a realização de um pequeno templo no local onde São Pedro teria sido martirizado, e que veio a ser conhecido por San Pietro in Montorio. É um martirium, num claustro pequeníssimo que, segundo proposta de Bramante, seria de planta redonda , tal como o referido martirium
Pela leitura da planta do conjunto, claustro e templo (figuras 8.8 e 8.9), se poderá aquilatar das premissas da Arquitectura do Renascimento no que respeita à escolha de um ponto de vista privilegiado para observação. Assim, neste claustro redondo e pequeníssimo, qualquer local seria o ideal para o observar, mantendo sempre a mesma imagem desejável de absoluta contemplação sem falhas. 
Figura 8.8 . San Pietro in Montorio . Planta do Claustro e do tempietto . 1502 . Roma . Donato Bramante
Figura 8.9 . San Pietro in Montorio . Planta . do tempietto . 1502 . Roma . Donato Bramante
O corte pelo eixo vertical (figura 8.10) do pequeno templo dá a ver perfeitamente a cripta onde jazem os instrumentos de tortura infligidos a São Pedro, significando o INFERNO, a “nave” cilíndrica – a TERRA, e o corte absoluto entre a parede e a cúpula – o CÉU, sobreposta ao cilindro que ilumina todo o espaço religioso e, porque não, místico? O tempietto, de ordem dórica, é de uma execução primorosa. As colunas que o rodeiam bem como as pilastras que se adossam às paredes confirmam esta afirmação (figura 8.11).
Figura 8.10 . San Pietro in Montorio . Alçado, Corte vertical e Fotos: cúpula, "nave" e cripta . 1502 . Roma . Donato Bramante
Figura 8.11 . San Pietro in Montorio . Pormenor de um capitel e intradorso da arquitrave
Também é dado como assente que este pequeno templete (1482/1502), teria sido um dos primeiros edifícios a empregar a ordem toscana, dado que a ordem dórica, segundo Vitrúvio, se destinava aos deuses/heróis gregos. De notar que do seu entablamento dórico, o friso tem inserido nas suas métopas algumas reproduções de símbolos eucarísticos.
Também se torna significativa a diferenciação das pedras constitutivas das bases e capitéis das pedras dos fustes, quase trazendo à memória o jogo de claro-escuro brunelleschiano.
Figura 8.12 . San Pietro in Montorio .  Fachada(s) . 1502 . Roma . Donato Bramante 
No pontificado de Júlio II, a basílica, que o Imperador Constantino havia mandado construir no século IV d.C., foi derrubada. Em Abril de 1506, o Papa encarrega Bramante de projectar a nova basílica. Não mais um edifício civil, como nos tempos de Constantino (figura 8.13), mas uma igreja, feita de raiz. 
Figura 8.13 . Desenho da planta bramantina sobre a planta da antiga basílica romana 
O desenho 8.13 ilustra bem o facto de Bramante ter projectado o centro da cruz sobre o centro da exedra da antiga basílica pagã. Assim se transfiguraria o local do Imperador terreno no sítio de veneração do corpo de São Pedro.

Mas, antes de prosseguirmos na apreciação desta obra-prima que atravessará cerca de cento e vinte anos até se completar, atentemos nos dois exemplos extremados, em tamanho, que couberam a Bramante desenhar, revelando-se assim, cabalmente, uma das características mais invulgares que este código arquitectural apresenta: a PROPORÇÃO (figura 8.14). Com o tempietto e a Basílica de São Pedro, Bramante abarcou a amplitude do classicismo, experimentada nos limites dimensionais extremos. 
Figura 8.14 . Comparação entre a Basilica di San Pietro al Vaticano e San Pietro in Montorio, à mesma escala
E, dando cumprimento à encomenda do Papa, Bramante começa a trabalhar no seu projecto para a Basílica de São Pedro - papale arcibasilica maggiore di San Pietro in Vaticano - uma tarefa gigantesca, tanto quanto gigantesca viria a ser a igreja-mãe do Catolicismo Apostólico Romano (figura 8.15), ainda hoje a maior igreja católica. 
Figura 8.15 . Planta de São Pedro . Roma . 1506 (in.) . Donato Bramante 
(no centro, foi sobreposta a medalha comemorativa do evento) 
Uma tal proposta, de cruz grega e enfaticamente centralizada, de significado pagão, somente um Papa Renascentista a poderia ter aceite.
Figura 8.16 . Cinco propostas para a planta de São Pedro do Vaticano 
Depois de Bramante, uma sucessão de arquitectos se seguem nas propostas para a elaboração da obra, ou propondo a Basílica de São Pedro em cruz grega ou em cruz latina, como bem expressa a figura 8.16. 

É curioso verificar-se que, apesar do Concílio de Trento, que se realizou entre 1545 e 1563, Rafael e Sangallo tenham proposto plantas em cruz latina, como haveria o Concílio de propor, e Miguel Ângelo e Peruzzi, apesar do Concílio, propuseram, novamente, a planta pagã para a igreja-mãe da Cristandade. 

Mas, talvez que a maior alteração à planta centralizada de Bramante tivesse sido a adição de um pronau, uma antecâmara preparando a entrada no templo. Ainda que se mantivesse uma planta centralizada, já não o era na verdadeira acessão da palavra. Curioso é o facto de esta adição ter condicionado o crescimento da nave da basílica que, já nos anos seiscentos se transformou em igreja de cruz latina, pelo risco de Carlo Maderno. 
Em 1514 morria Bramante e suceder-lhe-iam vários outros arquitectos de fama, conforme alguns são registados na figura 8.16. à morte de Bramante apenas parte dos quatro pilares fundamentais da estrutura estariam parcialmente levantados. Coube a Miguel Ângelo desenhar e construir a parte relativa ao presbítero que, a devido tempo, será mostrada.

Ainda que Santa Maria da Consolação, de Todi (figuras 8.17 e 8.18), pudesse ter tido o desenho de Bramante, e por muitos considerada como a igreja renascentista mais fiel aos ditames da época, é, de facto um edifício que, pela sua planta e pela sua volumetria, congrega todos os desideratos arquitectónicos. Começou em 1506 - data da encomenda da Basílica de São Pedro - e levou cem anos a acabar-se. A sua concepção traz à imaginação como poderia ter sido a Basílica de São Pedro, um marco isolado, conforme Bramante a teria primitivamente idealizado. 
Figura 8.17 . Planta da Basílica de Santa Maria da Consolação . 1506/1605 . Todi .. Donato Bramante (?) . Cola da Coprarola . Baldassare Peruzzi .Vignola . Ipollito Scalza . Galeazo Alessi . Antonio Sangallo (o jovem) 
Figura 8.18 . Basílica de Santa Maria da Consolação . 1506/1605 . Todi .. Donato Bramante (?) . Cola da Coprarola . Baldassare Peruzzi .Vignola . Ipollito Scalza . Galeazo Alessi . Antonio Sangallo (o jovem) 
a seguir (31JAN19)
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GIULIANO  da  SANGALLO
ANTONIO da SANGALLO, o VELHO
ANTONIO da SANGALLO, o JOVEM

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