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14FEV19
LEONARDO da VINCI
RAFAEL
Falar-se do Renascimento sem uma referência a Leonardo da Vinci (1452/1519) seria um sacrilégio. Tal risco não quereria correr e, assim, evoco o nome deste Homem, por muitos historiadores considerado como o maior de todos os artistas da Idade Moderna, se é que uma tal categorização possa fazer sentido, em absoluto! Mas genial, sem dúvida, em várias áreas do conhecimento.
O chamado “Homem de Vitrúvio” (figura 10.1), o desenho fabuloso que Leonardo concebeu para dar um corpo ao Homem, como centro do Universo, será talvez o desenho mais celebrado do génio a quem se deve um dos mais afamados aforismos:
"il disegno e cosa mentale"Subordinado aos ensinamentos de Vitrúvio, cujo livro o acompanhou durante toda a sua vida de artista, é, de facto, uma imagem incontornável, sob qualquer ponto de vista que se admire o Homem versus Geometria.
Entre as muitas conjecturas criativas de engenhos de quase toda a espécie, entre armas de ataque e defesa, objectos voadores, veículos blindados e muitas mais, Leonardo também dedicou parte da sua imensa e inesgotável inventiva à fenomenologia urbana. Entre as suas propostas estão as cidades e as respectivas infraestruturas que esperariam cerca de cinco séculos para se tornarem realidades que hoje admitimos como fundamentais e sem as quais não passaríamos.
Também Leonardo dedicou parte da sua criatividade a edifícios - igrejas de planta centralizada, conforme a figura 10.3 nos mostra. Não restarão dúvidas de que Bramante tivesse sido influenciado pela concretização da centralidade renascentista procurada por Leonardo.
Figura 10.2 . Desenho de projecto de comunicações subterrâneas |
Como arquitecto a ele se ficaria a dever a obra-prima que é a escada central do Palácio de Chambord, no Vale do Loire. Aliás dever-se-ia chamar o Pavilhão de Caça que Francisco I, rei de França, mandou edificar. A escadaria que liga os pisos do palácio é dupla, conforme se pode verificar pela imagem 10.4 e conforme se pretende demonstrar através do desenho 10.5
Figura 10.4 . Palácio de Chambord . Loire . Escada principal e central do palácio . Leonardo da Vinci (atr.) |
Figura 10.5 . Escadaria dupla |
Não ficaria completo este pequeno apontamento sobre Leonardo sem a reprodução da sua "Última Ceia" (figura 10.6), um fresco aposto sobre uma parede do refeitório anexo à Basílica de Santa Maria delle Grazie, em Milão.
Figura 10.6 . "Última Ceia" . Leonardo da Vinci . 1495/96 |
No capítulo 9 deste blog, falou-se dos três arquitectos famosos, membros da mesma família: os Da Sangallo. Ora tanto Leonardo da Vinci, como Rafael são coetâneos dos três familiares. Leonardo morreu em 1519 e Rafael em 1520, portanto entre Giuliano e Antonio, o Velho.
Rafael Sanzio, dos mais celebrados pintores de sempre, deixou inúmeras obras primas, entre as quais se podem destacar as imagens da Madona, em diversos cenários e com diversas companhias, mormente com o Menino Jesus. Entre elas destaco a imagem chamada Madona do Grão Duque (figura 10.7), principalmente pelo ar beatífico dos dois ícones. O verdadeiro nome da imagem é a de Virgem com o Menino mas, por ter pertencido a Fernando III, Duque da Toscana, tem o subtítulo.
Figura 10.7 . "Virgem do Grão Duque" . 1505/06 . Rafael Sanzio |
Pintada entre 1505 e 1506, foi das primeiras obras pintadas em Florença e com uma grande influência da arte de Leonardo.
Apesar de ter vivido apenas 37 anos, também se dedicou à arquitectura. E, após a morte de Bramante, Rafael juntamente com Fra Giocondo e Giuliano da Sangallo encarregaram-se do seguimento da Catedral de São Pedro. A opção pela planta em cruz latina acabaria por não seguir avante, pelo menos não da forma que o desenho indica.
Figura 10.8 . Planta da Basílica de São Pedro (proposta) . Rafael, Fra Giocondo e Giuliano da Sangallo |
Deve-se a Rafael o projecto de casa ideal da Renascença, casa citadina que, dada a excepcional localização na cidade de Roma, teria sido o nec plus ultra do Palácio renascentista. Os seus jardins estender-se-iam até ao Rio Tibre. Apenas uma pequena parte foi realizada mas do que resta se pode ter uma ideia do que teria sido se tivesse sido completamente formalizada.
Figura 10.9 . Villa Madama . Roma . 1518 (com.) . Foto do existente na actualidade . Rafael |
Figura 10.10 . Villa Madama . Roma . 1518 (com.) . Planta da proposta (a cinzento) e do existente (a preto) Rafael |
Figura 10.11 . Villa Madama . Roma . 1518 (com.) . Frente do jardim "à italiana" . Rafael |
A obra foi começada em 1518 e com a morte de Rafael, dois anos depois, a obra foi sendo continuada por Baldassare Peruzzi até 1527, data do Saque de Roma.
Ainda como nota curiosa, vamos ver uma realização de Rafael enquanto arquitecto: o Palazzo Branconio dell'Aquila (figura 10.13), em Roma, que, segundo sugerido por alguns estudiosos, foi influenciado por um palacete urbano, também romano, da autoria de Donato Bramante, o Palácio Caprini (figura 10.12) que a seguir a será comentado.
De 1516 data este palacete urbano, sem cortile. Uma peça de arquitectura integrada em correntes de prédios de habitação, ou com outros fins, que constituem a grande massa dos quarteirões das cidades.
Embora com o nome de Palazzo Caprini, ficou a ser conhecido como a Casa de Rafael por este artista ter aí residido.
Bramante “inaugura” o modelo de casa de somente dois pisos, apresentando o primeiro, ao nível da rua, quatro logge e a entrada privativa da habitação. O segundo piso, o piano nobile, de estirpe renascentista, tem altas aberturas avarandadas.
Nascia, assim, uma tipologia que perduraria por séculos vindouros.
Figura 10.12 . Palácio Caprini . 1516 . Roma . Donato Bramante |
Ainda
que Bramante não seja conotado, de modo algum, com a arquitectura maneirista, convenhamos que
nesta fachada ele comete uma “infracção” à normalidade construtiva, se nos
colocarmos numa posição de extrema radicalização e cuja questão é:
Se, para se vencer o vão sustentado pelas duas colunas que contém a janela do andar superior, se necessita de um entablamento com a altura que apresenta o desenho, então, para vencer o vão cego, que medeia entre os vãos com aberturas, também entre duas colunas gémeas, precisar-se-ia de um entablamento muito mais estreito! Ora, este raciocínio deveria ter feito com que os entablamentos se apresentassem como os propostos, a amarelo na figura 87. Claro que se poderá invocar tratar-se de uma falsa questão, pois não faria o mínimo senso uma configuração de um entablamento retalhado e variando à medida das necessidades estruturais.
Mas, paradoxalmente, a porta para os devaneios do Maneirismo estaria aberta…
Se sofreu ou não influências do Palácio Caprini, a Rafael Sanzio, pintor, acima de qualquer outra qualidade, é atribuído o
projecto deste Palacete romano (figura 10.12),
destruído aquando da construção da Praça de São Pedro do Vaticano.
Curiosamente quase nada vai buscar dos aspectos linguísticos do Palácio Caprini, de Bramante, apenas os cinco tramos em que divide a fachada e a solução de arcaria para o piso térreo. Mas, neste, Rafael prescinde da alvenaria rusticada, que Bramante imprimiu no Caprini, e vai dotar este piso com arcos inseridos em pórticos, de colunas toscanas, adossados à parede. Nos dois vãos extremos, insere logge; os vãos intermédios são cegos e o vão central contém a porta de entrada. Ao segundo piso, Rafael dá uma complexidade de artefactos que, se não são já maneiristas, outra leitura parece difícil de ser aceite. Por sobre o entablamento do primeiro piso, assenta um ático-dado que recebe os empuxes dos vãos e dos nichos que compõem os vãos ou, se se quiser de outro modo, um ático-dado que contém os pedestais das colunas adossadas.
A emoldurar, e entre as janelas, insere nichos cegos, portanto, em número de seis. As janelas, quais pequeninos “templetes”, são ladeadas por colunas que aparentam ser jónicas, e os respectivos coroamentos alternam entre frontões triangulares e curvos. Por cima das janelas abrem-se pequenos postigos que poderão ser indicativos de um mezanino. Entre estes inserem-se guirlandas e, acima da janela central, apõe-se o brasão de armas da família. Ainda mais espectacular (na medida em que se destinaria à acomodação do pessoal serventuário) é o ático- piso, que se apoia sobre um ático-dado que, por sua vez, se apoia na cornija do segundo piso. Entre as cinco janelas rectangulares deste ático medeiam almofadas de requadros, tendo as duas extremas metade da largura das outras três, tal como os nichos arqueados dos extremos em relação aos outros quatro do piano nobile. Remata a cornija do edifício uma balaustrada.
A comparação entre os dois alçados, distanciados de poucos anos, mostra bem o rumo que o Renascimento arquitectónico estava a seguir.
Como remate à obra de Rafael, não posso deixar de referir aqui o coroamento da Capela Chigi, na Igreja de Santa Maria del Popolo, em Roma, começada em 1513 e acabada já no período barroco, por GianLorenzo Bernini.
Figura 10.14 . Esquiço da figura de Deus . Rafael Sanzio |
A figura 10.14 mostra-nos um dos esboços que Rafael executou para inserir no côncavo da cúpula da capela, e a figura 10.15 mostra-nos a obra executada.
Figura 10.15 . Cúpula da Capela Chigi . Igreja de Santa Maria del popolo . Roma . Rafael Sanzio |
A figura 10.16 representa a planta da capela Chigi, inserida no interior de Santa Maria do Povo. Sendo de planta centralizada, parece prenunciar a intranquilidade barroca. Não admira que o complemento berniniano tão bem se lhe ajustasse. Também, mais uma vez, nunca será demais repetir, a importância da dimensão é ultrapassada pela da proporção!
Figura 10.16 . Planta da Capela Chigi
É também no transepto, do lado do evangelho, desta igreja que se insere a Capela Cerasi, com a representação da "Ascenção da Virgem", por Annibale Carracci e, do lado esquerdo e do lado direito encontram-se, respectivamente, dois dos mais famosos quadros de Caravaggio: "A Crucificação de São Pedro" e "A Conversão de São Paulo", conforme nos mostra a figura 10.17. Sabendo-se que a arquitectura da capela se ficou a dever a Bernini, dificilmente se encontram quatro génios em espaço tão pequeno.
Figura 10.17 . Capela Cerasi
a seguir: (28FEV19)
GIOVANNI MARIA FALCONETTO - o precursor das logge?
BALDASSARE PERUZZI - a grande incógnita do all'antica?
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