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31JAN19
Os Da SANGALLO
GIULIANO,
ANTONIO, o VELHO e ANTONIO, o JOVEM
GIULIANO,
ANTONIO, o VELHO e ANTONIO, o JOVEM
Giuliano da Sangallo, nascido e falecido em Florença (1443/1516), foi arquitecto, escultor e engenheiro militar. Era irmão de Antonio da Sangallo, o Velho, e tio de Antonio da Sangallo, o Jovem.
Foi o arquitecto preferido de Lourenço de Medici, o Magnífico, para quem fez a Villa Medicea di Poggio a Caiano, entre 1485 e 1520, embora com um hiato de interrupção.
A figura 9.1 apresenta os três pisos da habitação, fundidos num único desenho. O segundo piso, o piano nobile, por excelência, tem um salão no meio, a sala Papa Leão X (figura 9.2), que reúne os dois blocos paralelos. Um que constitui a frente, onde se processa a entrada e o outro voltado para o jardim. De referir que Leão X era filho de Lourenço, o Magnífico.
Figura 9.1 . Villa Medicea . Poggio a Caiano . 1480 . Giuliano da Sangallo |
Figura 9.2 . Villa Medicea . Salão Leão X . Poggio a Caiano . 1480 . Giuiano da Sangallo |
Figura 9.3 . Villa Medicea . Salão Leão X . Poggio a Caiano . 1480 . Giuiano da Sangallo |
O frontão curvo interno da parede extrema da referida sala Leão X (figura 9.2), foi pintada por Jacopo Pontorno, pintor pupilo de Leonardo da Vinci e de Andrea del Sarto. Trata-se da composição Vertumnus e Pomona. É notável a expressão da mulher deitada, no canto inferior direito, que a figura 9.3 mostra em detalhe.
Tida essencialmente como residência de Verão, esta vila registou importantes factos na família Medici. Entre eles o casamento de Alexandre de Medici com Margarida de Áustria (1536) bem como de Cosme I de Medici com Eleonora de Toledo (1539) cuja chegada à Vila ficou registada para a posteridade (figura 9.4).
Figura 9.4 . Chegada de Leonor de Toledo a Poggio a Caiano |
Figura 9.5 . Villa Medicea . Poggio a Caiano . 1480 . ALçado principal . Giuiano da Sangallo |
E, finalmente, a fachada principal (figura 9.5). Como a planta já indiciava, parece que a fachada nos revela o corpo principal da casa se desenvolvendo em dois pisos assentes sobre uma base, uma plataforma suportada por uma arcaria contínua, assente sobre pilares, oferecendo um "piso térreo" de largura constante em redor do perímetro do corpo da casa. A frente destaca-se por um elemento de notável aprumo arquitectónico. A plataforma na parte correspondente à zona central avança, desdobrando-se em duas escadas de planta circular abraçando o visitante e dirigindo-o para a pórtico hexastilo, da ordem jónica, que protege a entrada. A zona do verdadeiro piso térreo entre as duas escadas curvas constitui-se como uma arcaria de três vãos separados por dois nichos.
É uma solução arquitectónica de extrema elegância o contraste entre o adensamento de referências arquitectónicas que Sangallo destinou à entrada e o despojamento com que trata o restante da fachada. Assim, as paredes são completamente lisas, sem qualquer tipo de decorativismo e os cunhais exibem a rudeza da execução pétrea, sem subterfúgios de qualquer tipo de reboco. As janelas rectangulares, apenas envolvidas em aros de pedra muito simplificados, apresentam-se num ritmo 1+4+1, reforçando a centralidade.
O remate superior, sobre o telhado, é um pequeno ático que se eleva no centro, ático assinalado por dois acrotérios e outros dois sobre o brasão de armas da família.
O jogo entre alguma complexidade e o despojamento que este alçado apresenta reveste-se de uma espécie de "pré-palladianismo".
Outra união se concretizou, a união de Francisco I e da sua amante Bianca Campello, em 1579, e a cujos aposentos privados se acedia por uma engenhosa escada de tiro, com dois patamares, sustentada por meio de duas mísulas duplas (figura 9.6), salientadas da parede de que depende. Será, talvez, das escadas mais originais que o Renascimento nos legou.
Figura 9.6 . Escada unindo os compartimentos de Bianca Campello . Villa Medicea . Poggio a Caiano
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A Giuliano da Sangallo se deve a primeira igreja em cruz grega (1486/1495), a igreja de Santa Maria delle Carceri (figura 9.7), na localidade Toscana de Prato. É de um absoluto rigor, quanto a geometria, sendo por isso uma das mais bem conseguidas ao seguir os ditames renascentistas. Os quatro alçados não se distinguem não fosse dois deles não estarem acabados com as devidas e projectadas placagens de mármores. É interessante ver o efeito das duas colorações de pedra contrastantes que contribuem ainda mais para acentuar o desenho rigoroso da concepção.
Figura 9.7 . Igreja de Santa Maria delle Carceri . 1486/1495 . Prato . Giuliano da Sangallo |
Os topos de cada braço da cruz são divididos em dois estratos, na proporção de 1/2, tendo o superior metade da altura do inferior. No estrato térreo, os cunhais protuberantes são desenhados em três pilastras gémeas, da ordem dórica. Os cunhais reentrantes têm apenas duas pilastras que se encontram a 90º, pertencentes à ordem dórica. A um entablamento de arquitrave fortemente estriada em camadas sobrepõe-se um friso liso e baixo que é rematado por uma cornija fortemente saliente, embora de expressividade neutra. Sobre as pilastras jónicas do estrato superior, na sequência construtiva das pilastras de baixo, pousa apenas uma cornija arquitravada sobre a qual se desenvolve um frontão com as rampantes seguindo o perfil do entablamento.
Figura 9.8 . Igreja de Santa Maria delle Carceri . 1486/1495 . Planta e corte . Prato . Giuliano da Sangallo |
Interiormente, o espaço retrata fielmente a configuração da cruz grega, com a "nave", propriamente dita, igual a cada um dos braços do transepto e igual à abside da capela-mor. A centralidade é, de facto, conseguida, sem qualquer outra interpretação espacial. As mudanças de direcção das paredes, quer a 90º quer a 135º, são feitas por uma pilastra única que se dobra ora a 90º ora a 135º, como seria de esperar-se nesta composição tão meticulosamente geometrizada. A figura 9.9 mostra a vista em direcção à capela-mor, onde um altar em edícula parece antepor-se como um retábulo. As edículas em forma de janelas exteriores, de frontões triangulares, apõem-se aos pequenos braços da cruz, dando réplica formal às portas que se abrem nos topos dos braços dessa cruz.
Figura 9.9. Igreja de Santa Maria delle Carceri . 1486/1495 . Interior da nave . Prato . Giuliano da Sangallo |
Sobre as pilastras assenta um entablamento nos seus três elementos constituintes mas distinguindo-se, com um aparato notável, o seu friso, pois que nele se insere uma majólica vidrada em azul e branco (figura 9.10) da autoria do atelier de Luca della Robia.
Figura 9.10 . Igreja de Santa Maria delle Carceri . 1486/1495 . Entablamento interior . Prato . Giuliano da Sangallo |
A centralidade reforça-se ainda mais com a presença de uma cúpula altíssima, dividida em doze partes, cada uma com o seu óculo (figura 9.11), repousando sobre um cilindro, baixo também dividido em doze cartelas, que descarrega o peso sobre quatro perxinas. Cada uma destas perxinas contém uma roseta de majólica do atelier dos Della Robia.
Figura 9.11 . Igreja de Santa Maria delle Carceri . 1486/1495 . Pormenor do tambor e da cúpula. Prato . Giuliano da Sangallo |
De Antonio da Sangallo, o Velho (1455/1534), é de se enaltecer a Igreja de San Biagio, em Montepulciano, datada de 1518/28. Tem uma planta muito sui generis (figura 9.12), aliando uma cruz grega de braços extremamente breves, uma sacristia por trás da capela-mor cuja planta em semicírculo se adossa ao quarto braço igual aos outros três: a entrada e os dois extremos do "transepto". O seu perímetro inscreve-se num rectângulo de aproximadamente de 38 x 44 metros.
Figura 9.12 . Igreja de San Biagio . Montepulciano . 1518/1528 . Antonio da Sangallo, o Vellho |
A confirmar a proposta de uma planta invulgar, propunha Antonio da Sangallo, o Velho, a construção de duas torres isentas, com escassos centímetros separando-as do corpo da igreja, conforme nos mostra a figura 9.13.
Figura 9.13 . Igreja de San Biagio . Montepulciano . 1518/1528 . Antonio da Sangallo, o Vellho . pormenor da torre |
O interior desta igreja é marcado, como não poderia deixar de ser, pela centralidade do espaço fruível. Os paramentos interiores são do mais requintado que a Renascença nos deu. Comparemos o rigor do desenho irrepreensível da pietra serena,de Brunelleschi, com a exuberância do trabalho das modinaturas do interior de San Biagio que nos mostra a figura 9.14. A ordem dórica assume por inteiro os paramentos interiores e as dobragens de direcção das paredes, quer as reentrante quer as projectantes, são realizadas com o recurso a uma pilastra que se posiciona no meio de duas colunas: três suportes verticais geminados. O entablamento é também exuberante, com uma arquitrave resolvida em duas faixas, o friso bem expressivo com as suas métopas e triglifos e, por fim, a cornija bastante projectada. Conformando as abóbadas, tanto na junção das quatro, ao centro, como nas extremidades das "naves", os arcos torais ornamentam-se de caixotões quadrados com rosetas elaboradas em cada um desses caixotões.
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O exterior desta igreja, tal como hoje se apresenta, parece pertencer à tipologia de igreja de cruz latina (embora pouco extensa) e apenas torreada do lado do Evangelho (figura 9.15). No entanto, segundo a opinião de John Fleming, Hugh Honour e Nikolaus Pevsner, o projecto original comportaria quatro torres e não somente duas. A ter sido esse o projecto e, se construído, somente a protuberância semicircular aposta à capela-mor, desvirtuaria a completa igualdade dos quatro alçados.
Figura 9.15 . Igreja de San Biagio . Montepulciano . 1518/1528 . Antonio da Sangallo, o Vellho Exterior do lado do evangelho |
A Antonio da Sangallo, o Novo, se ficou a dever o palazzo urbano tido como o mais notável da Renascença, o mais monumental: o palácio Farnesio, em Roma, mais tarde acabado por Miguel Ângelo. A este se devem as colunas que emolduram a porta central do piano nobile, bem como a aposição do brasão de armas, central.
A Sangallo se ficou a dever os dois primeiros pisos do palácio. Mais tarde acrescentado que foi o terceiro piso, se poderá dizer, com uma dúvida metódica, que se deve a um segundo autor: a Miguel Ângelo, bem como o remate portentoso da cornija.
Figura 9.16 . Palácio Farnésio - Palazzo Farnese - 1515/1542 . Roma . Antonio da Sangallo, o jovem . Miguel Ângelo |
A fachada apresenta-se sem divisões de tramos, apenas sublinhados os cunhais por pedras imitando os cunhais rusticados. Fachada com treze vãos, uma porta de acesso, uma janela sacada no segundo piso e as treze janelas todas iguais assinalando o terceiro piso.
As janelas do piso térreo têm verga lisa que assenta sobre as ombreiras através de mísulas. O parapeito assenta sobre um friso contínuo que percorre toda a fachada, interrompendo-se unicamente na porta. Estas janelas são "ajoelhadas" como as do terceiro piso. As janelas do segundo piso são coroadas por frontões triangulares e curvos, alternadamente. As pilastras que perfazem as ombreiras assentam sobre plintos que são enfatizados por uma banda contínua, qual ático-dado. Também as do terceiro piso são "ajoelhadas" e estas bases estão inscritas num ático-dado.
O coroamento destas janelas é de uma inventiva grande posto que os frontões são apenas sustentados pelas rampantes, dada a inexistência de entablamento. Os pisos são separados por cornijas arquitravadas que interrompem os cunhais.
Figura 9.17 . Palácio Farnésio - Palazzo Farnese - 1515/1542 Roma . Antonio da Sangallo, o jovem . Miguel Ângelo Planta |
De planta rectangular (figura 9.17), dispõe os seus compartimentos ligando-os enfilade, ainda que com o recurso de acesso à galeria que delimita o pátio a céu aberto que, contrariando a implantação rectangular se anuncia num perfeito quadrado de cinco módulos.
A entrada principal realiza-se através de um salão que ostenta uma ala principal ladeada por outras duas, separadas estas da mais larga por seis pares de colunas isentas.
É interessante versificar-se que, não obstante a regular disposição dos vãos e da busca de simetria das fachadas, a planta não tem qualquer simetria de compartimentação, apenas no pátio e nos eixos que aí se cruzam.
Figura 9.18 . Palácio Farnésio - Palazzo Farnese - 1515/1542 . Roma . Antonio da Sangallo, o jovem . Miguel Ângelo Alçado da Praça, alçado do cortile e corte |
a seguir (14FEV19):
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10
LEONARDO da VINCI
RAFAEL
Não seria de considerar que uma escada de 1579 (e um desenho que brinca tanto com a invenção, o desequilíbrio e a bizarria) como sendo mais uma herança do Maneirismo do que um legado do Renascimento?
ResponderEliminarTalvez sim, muito mais róximo do espírito maneirista. Mas... vá-se lá saber!
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