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29AGO19
As Igrejas de Palladio - II
Depois de havermos visto San Giorgio Maggiore, também em Veneza mas noutra ilha da laguna, a ilha de La Giudecca, ergue-se a obra-prima das igrejas de Palladio: Il Redentore. Sem dúvidas que, embora San Giorgio Maggiore ofereça pontos altos da arte de arquitectar, Il Redentore consegue ser sem falhas. E penso que não estarei isolado nesta avaliação.
As obras começaram em 1557 e acabaram em 1592, 12 anos depois da morte de Palladio.
A figura 24.1 mostra um desenho retratando Veneza, no século XVII. A rosa assinala-se Il Redentore e a azul San Giorgio Maggiore.
Na figura 24.2 estão representadas as plantas das duas igrejas de Palladio, à mesma escala. Il Redentore é mais curta, e a largura também é menor. Estão alinhadas pelo início da parte do presbitério, daí parecerem estar as duas desalinhadas. Também, tal como San Giorgio, Palladio dispões de um rectro-coro para Il Redentore.
Figura 24. 1 . Veneza séc. XVII |
Figura 24.2 . Plantas de San Giorgio Maggiore e Il Redentore |
Il Redentore tem nave única (fig. 24.3), sem subterfúgios, e mais larga do que a de San Giorgio. As capelas cripto-colaterais, três em cada um dos lados, são bem menos profundas das de São Jorge e as passagens entre elas está à escala propícia à serventia.
Figura 24.3 . Il Redentore . Vista da nave em direcção ao altar-mor . Andrea Palladio |
A planta do Redentor aponta também uma novidade em igrejas de nave alongada, isto é, de igrejas não-centralizadas, que é a cúpula apoiar-se sobre dois absidíolos que, em planta, são a concretização de um transepto ligeiro que não excede a dimensão das capelas cripto-colaterais; aliás, têm a mesma profundidade. A imagem 24.4 mostra bem o "poisar" do tambor da cúpula, numa cornija arquitravada de pedra cinzenta, talvez pietra serena, sobre quatro arcos de molduras reduzidas a uma expressão desornamentada. Os quatro arcos são dois da nave e dois sobre os absidíolos, ou sejam correspondentes ao transepto. Estes arcos repousam sobre a cornija mutulada do entablamento que contorna todo o interior da igreja.
Figura 24.4 . Il Redentore . Cúpula do cruzeiro e meias cúpulas do transepto . Andrea Palladio |
A relação entre a nave e as capelas cripto-colaterais faz-se de um modo aberto, realçando-se os altares respectivos, de frente para a nave, conforme mostra a figura 24.5. É também de realçar a métrica que Palladio imprimiu aos alçados laterais interiores. A disposição é claramente a b a b a . Mas, como a imagem bem revela, as mísulas, que se anunciam como que as pedras de fecho dos arcos, dividem os tramos a em duas metades equivalentes aos tramos b. É um modo, melhor dito, uma maneira extremamente simples mas ao mesmo tempo inventiva de se inculcar tramos "iguais". Para além deste subterfúgio Palladiano, outro acontece, também na mesma fachada interior, e que é o facto de os tramos b, entre as colunas adossadas, se inscrever uma cornija arquitravada que percorre e marca todo o contorno interior, passando por trás das colunas embebidas. Assim, à face, esta composição parece querer sugerir serlianas. Volumetricamente, é um jogo notável de planos, abóbadas, edículas e nichos, num discurso sereno, de apreensão fácil, embora de uma elaboração magistral, a que somente poucos se atreveram.
Figura 24.5 . Il Redentore . Fachada do lado do Evangelho . Andrea Palladio |
Ainda em relação à mesma parede, agora vista de escorço como apresenta a figura 24.6, vê-se claramente as passagens entre capelas e, também facto interessante, os espaços reservados às passagens atrás dos tramos b, são preenchidos por paredes com dois nichos sobrepostos. A grande luminosidade do espaço da igreja deve-se às aberturas parietais e às lunetas da cobertura, todas solucionadas por janelas termais. As colunas são coríntias, com um desenho notável de fluidez.
Figura 24.6 . Il Redentore . Parede do lado do Evangelho em direcção ao altar-mor . Andrea Palladio |
O entablamento que percorre todo o interior da igreja (fig. 24.7) faz lembrar a opção de Brunelleschi, ao imprimir nervuras longitudinais na arquitrave, mútulas na cornija e nenhuma decoração no friso que, assim, fica branco, tal como em São Lourenço e Santo Spirito, ambas as igrejas em Florença. Curiosamente também a pedra aqui aplicada faz lembrar a pietra serena. As paredes delimitadoras do espaço, realçadas pelas meias-colunas perfazendo como que uma ordem monumental, bem como pelas pilastras, perfazem um continuum pouco comum em outros espaços religiosos: atente-se bem nas figuras 24.6 e 24.7, correspondente esta à parede de entrada no templo, oposta ao porticado que acolhe o altar-mor.
Figura 24.7 . Il Redentore . Parede da entrada no Templo . Andrea Palladio |
O presbitério desta igreja é de um desenho notável, tal a grande inovação de o dotar de um "transepto" que não ultrapassa a largura da nave da igreja. Como remate visual da capela-mor, um porticado de planta curva, separando a nave da igreja do coro dos padres; um rectro-coro como também o de San Giorgio Maggiore. A figura 24.8 mostra bem a delicadeza desta separação, numa solução talvez mais diáfana do que a adoptada para San Giorgio Maggiore. E o facto de a separação entre Capela-mor e rectro-coro ser feita por um arco elevando-se acima do entablamento, mais uniforme torna todo este interior com uma clara distinção entre "terra e céu", em que a parede do altar-mor se rasga para a comunhão entre os "dois mundos", sem qualquer outro elemento sobrepondo-se à cornija, como acontece em San Giorgio Maggiore, com a aposição do órgão sobre a separação do rectro-coro.
Figura 24.8 . Il Redentore . Porticado da parede do altar-mor . Andrea Palladio |
Figura 24.9 . Il Redentore . Porticado do lado do coro. Andrea Palladio |
A figura 24. 9 mostra-nos a vista a partir do rectro-coro para a nave. Como se pode verificar, os monges tinham o seu recato e, por conseguinte, não tinham visibilidade para os fiéis.
Figura 24.10 . Il Redentore . Alçado principal, corte transversal e corte longitudinal. Andrea Palladio |
A figura 24.10 mostra-nos a fachada da frente do templo, um corte transversal, evidenciando as relações entre a largura das naves, das capelas cripto-colaterais e ainda a volumetria da cúpula e dos torreões circulares, de prováveis influências islamitas, e um corte longitudinal.
A fachada principal (figura 24.11) parece ser a resultante do "ensaio" de San Francesco della Vigna. Assim, temos uma frente albergando a nave e as capelas, com o seu frontão que se interrompe por trás do frontão principal que coroa os três tramos centrais. Os tramos têm as dimensões a b c b a, mas o tramo c contém a porta principal que, por sua vez, é flanqueada por duas colunas e um frontão, tendo a porta a mesma dimensão a, dos tramos laterais. É um verdadeiro jogo de proporcionalidades.
A parede do fundo da nave, também rematada por uma empena triangular, aumenta este efeito de jogo entre triângulos "iguais" dois a dois.
Figura 24.11 . Il Redentore . Desenho do alçado principal e foto da fachada. Andrea Palladio |
A estruturação vertical da fachada faz-se por duas pilastras sobrepostas, uma pilastra por trás de outra pilastra mas esta da ordem monumental, depois uma coluna (meia-coluna) também monumental e, enquadrando a porta de admissão, uma outra coluna (meia-coluna) da mesma altura das pilastras extremas.
É também curioso que Palladio se tenha apropriado de um significante árabe ou, talvez melhor dizendo, bizantino, ao dotar a zona do presbitério de duas torres sineiras cilíndricas (figura 24.12), de estreitos diâmetros. Mais lembra uma mesquita do que um templo cristão!
Figura 24.12 . Il Redentore . Coro, torres sineiras e cúpula. Andrea Palladio |
Ainda uma nota final sobre a beleza da Linguagem ou, melhor dizendo, do código Palladiano, expressa na figura 24.13 mostrando o capitel compósito da ordem monumental e o capital coríntio da coluna que ladeia a porta. Os entablamentos também se expressam de forma simples, não perturbando a leitura da composição delicada desta fachada.
Figura 24.13 . Il Redentore . "código linguístico" de Andrea Palladio |
A pequenina igreja para a Família Barbaro, em Maso, erigida junto à Villa Barbaro, tem aspectos extremamente interessantes, a começar pela concepção da sua planta que é uma figura geométrica com alguma complexidade como se pode ver na figura 24.14 É uma simbiose entre uma cruz grega com um dos braços um tanto mais longo do que os outros três, por admitir uma galilé em pronao tetrastilo no seu interior, e um círculo perfeito. Foram as figuras centralizadas mais procuradas na Renascença.
Figura 24.14 . Tempietto Barbaro . Planta . Andrea Palladio |
Quanto à sua configuração volumétrica, a figura resultante é um pouco mais complexa, dado Palladio ter jogado com ligeiras alterações nos braços do "transepto". Também as duas torres sineiras, de configuração paralelepipédica, ajudam a tornar ainda mais complexa a geometria planar.
Figura 24.15 . Tempietto Barbaro . Alçado principal . Andrea Palladio |
Figura 24.16 . Tempietto Barbaro . Interior . Andrea Palladio |
O seu interior, circular (fig. 24.16), alterna meias-colunas com edículas que se rematam superiormente com frontões triangulares que servem de "descanso" a figuras reclinadas.
Figura 24.17 . Tempietto Barbaro . Pormenor do frontão . Andrea Palladio |
Mais uma vez Palladio brinda a arte de arquitectar com uma novidade que consiste na ligação entre os capitéis coríntios através de guirlandas (fig.24.17) soltas, como se se tratasse de verdadeiras flores entrelaçadas. Este conjunto requintado ainda mais contrasta com a simplicidade do entablamento que apenas tem a cornija denticulada, bem assim como as cornijas das rampantes. No friso, liso, inscreve-se o nome do proprietário.
E, no próximo capítulo, falar-se-á, finalmente, no Teatro Olímpico que disputa o ómega da obra de Palladio com esta igreja Barbaro ou, melhor dito, Tempietto Barbaro.
a seguir: (12SET19)
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Palladio - TEATRO OLÍMPICO - Vincenzo Scamozzi