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15AGO19
As Igrejas de Palladio - I
A igreja de San Francesco della Vigna, dos Franciscanos, data de 1534/54, obra de Jacopo Sansovino. Possivelmente, a fachada pensada em termos artísticos seria deixada para mais tarde, seguindo mais ou menos a tradição italiana de se aprontar o interior dos templos, em ordem ao normal funcionamento da Eucaristia, deixando o embelezamento para depois. Estão, entre outros, o célebre caso da Catedral de Bolonha ou mesmo a igreja de São Lourenço, em Florença. Mas, depois do Concílio de Trento, as fachadas passam a ter um papel por demais importante, na medida em que funcionavam como mais um apelativo à oração e à visita das igrejas. Igrejas essas que se implantariam onde houvesse espaço, ou livre ou mesmo entre construções existentes, sem qualquer preocupação de se orientar a cabeceira para Nascente, como até aí. Palladio é chamado para dar uma nova face à Igreja, facto que se completa em 1564.
Figura 23.1a . Fachada de San Francesco della Vigna . 23.1b . Escorço do lado da Epístola da igreja |
E Palladio desenha este alçado que vai constituir como que um embrião que vai "amadurecendo" até acabar na magistral fachada de Il Redentore que, tal como o tempietto Barbaro, não chegará a ver concluídas.
A figura 23.1a mostra o alçado em que a luz faz salientar os elementos constituintes de San Francesco. A figura 23.1b mostra o "volume" da fachadas do lado da Epístola, evidenciando a espessura da fachada que se apõe ao corpo primitivo da igreja.
Figura 23.2 . Fachada de San Francesco della Vigna . 1564 . Desenho de alçado . Andrea Palladio |
O desenho da fachada de San Francesco della Vigna é a solução encontrada por Palladio para resolver o frontispício de uma igreja de três naves, tal como Alberti teve que se confrontar com o mesmo problema aquando ter de desenhar uma nova fachada para Santa Maria Novella, em Florença, em 1470, cerca de um século antes. Não são três naves no sentido estrito do termo: é uma nave central, mais alta do que as partes laterais onde o espaço se divide em cinco capelas, um tanto à maneira da igreja de Santo André, em Mântua.
Assim, Palladio desenha uma base, qual crepidoma, "tentando" elevar a igreja o mais possível do chão secular "impuro" . A figura 23.1a mostra à evidência que a altura real da porta atinge o cimo desta base, sendo o resto da altura uma espécie de bandeira opaca. O alçado divide-se em cinco tramos, a a' b a' a. As partes laterais da igreja, correspondentes ao Evangelho e à Epístola são separadas por pilastras e colunas embebidas, ambas geminadas nos extremos, e por colunas embebidas junto à parte central. Esta zona que abrange a totalidade da largura da igreja é rematada por um frontão triangular que desaparece por trás dos tramos a' b a', ou seja, por trás da nave principal da igreja. Esta parte central, mais destacada, é divida por colunas embebidas que são sobrepujadas por um entablamento vigoroso, nos seus três elementos, sobre o qual assenta um frontão de cornijas denticuladas. Estas colunas embebidas descansam em bases que se salientam do crepidoma, dando ainda mais relevo ao ligeiro avanço da zona central.
Quer sobre os arranques dos dois frontões, quer no topo do frontão completo Palladio previu a colocação de estatuária mas que acabou por restar apenas os acrotérios.
Ainda uma nota para o sentido de composição de Palladio. O tramo central, o b, é mais largo do que os outros dois as. No entanto, Palladio, ao ladear a porta por duas colunas embebidas, acaba por aproximar o vão b do vão a. E, mais uma nota sobre a composição Palladiana: Os tramos a' não contém colunas gémeas, somente as grandes colunas do "templo" central.
Outra grande intervenção de Palladio é a igreja do mosteiro de San Giorgio Maggiore, em Veneza.
Situado na ilha de San Giorgio Farina Sal, o conjunto monacal constitui uma presença importante e referencial como se fora um cenário da praceta de São Marcos (fig.23.3).
Figura 23.3 . Mosteiro de San Giorgio Maggiore visto da Piazzeta de S. Marcos . Veneza |
A data de 1566 para a construção da igreja parece reunir consenso entre as diversas atribuições. O Concílio de Trento acabara três anos antes. No entanto, algumas das suas directivas, mormente a de se adoptar nave única, que haveria de produzir as "box-churches" de capelas criptocolaterais, parece neste caso não ter tido grande eco. Com efeito, a planta da igreja (fig. 23.4) mais parece ser de três naves, como de uso antes do Concílio, tal a vastidão das capelas, face à largura da nave central. Ainda que estas capelas já possuam os respectivos altares encostados às paredes laterais, sem a obrigatoriedade de as orientar para Nascente, a passagem entre as capelas é de tal forma vasta que mais contribui para a noção de igreja de três naves e não de capelas criptocolaterais, efeito esse que, como veremos, está mais presente na igreja do Il Redentore.
Figura 23.4 . Planta da Igreja de San Giorgio Maggiore . Veneza . Andrea Palladio |
A separação entre a nave e as capelas faz-se por pilares resultantes da junção de quatro pilastras, voltadas duas a duas para a capela-mor e para a entrada da igreja, mais uma outra meia coluna voltada para as capelas e mais uma meia coluna voltada para a nave. Este sistema fica mais complexo nos quatro pilares de sustentação da cúpula, conforme a figura 23.5 nos mostra. A ordem das pilastras é a coríntia e a ordem das meias-colunas é compósita. Esta discrepância entre as alturas das colunas e das pilastras anunciam uma ordem monumental.
A coroar toda a estruturação vertical corre uma cornija arquitravada, de grande imponência, sobre a qual os tectos das capelas e da nave se lançam em abóbadas.
Figura 23.5 . Nave central da Igreja de San Giorgio Maggiore . 1566/1610 . Veneza . Andrea Palladio |
O transepto é lançado para além dos limites das paredes laterais exteriores, constituindo-se quase como duas absides, terminadas planimetricamente em semi-círculo, como mostra a figura 23.6.
Figura 23.6 . Abside do transepto da Igreja de San Giorgio Maggiore . 1566/1610 . Veneza . Andrea Palladio |
O presbitério é algo complexo dado que depois das "absides" do transepto ainda se implantam duas zonas de planta quadrada, quais altares laterais (Fig. 23.6) ou, dizendo de outra forma, é uma cabeceira tripartida em que os altares laterais avançam em relação à Capela-mor e, por fim, a Capela-mor. O limite longitudinal do topo desta capela faz-se faz através de um porticado de vãos a b a, sobreposto também por uma cornija arquitravada que repercute os empuxes das colunas e pilastras.
Figura 23.7 . Altar da Capela-mor da Igreja de San Giorgio Maggiore . 1566/1610 . Veneza . Andrea Palladio |
Por sobre esta , ergue-se o órgão (fig.23.7). Quero também salientar o modo como Palladio densifica a dobragem das paredes laterais da Capela-mor com a frontal, através de uma colagem de meias-colunas e pilastras, solenizando o ponto fulcral do templo. A parede que delimita o corpo da igreja destinado aos fiéis constitui,assim, uma composição forte de estruturas mas também diáfana. Por detrás deste cenário arquitectónico notável, abriga-se o rectro-coro dos frades (fig.23.8). Acima do cadeiral abrem-se janelas que alternam com nichos preenchidos com santos. As janelas estão ligadas por um ático-dado com os pedestais salientes e as janelas estão ligadas por uma forte cornija arquitravada que sustem os frontões, alternando-se triangulares com circulares, que transfiguram as janelas quase como se fossem edículas.
Figura 23.8 . Rectro-coro da Igreja de San Giorgio Maggiore . 1566/1610 . Veneza . Andrea Palladio |
Figura 23.9 . Rectro-coro da Igreja de San Giorgio Maggiore . Vista em direcção à porta da entrada no templo . 1566/1610 . Veneza . Andrea Palladio |
Figura 23.10 . Igreja de San Giorgio Maggiore . 1566/1610 . Vista desde a Capela-mor para o lado do Evangelho Veneza . Andrea Palladio |
O interior desta igreja tem, além de outros grandes atributos, a particularidade de os elementos estruturantes se imporem (fig. 23.10). Tanto os verticais, como as colunas (meias colunas) e pilastras, como os horizontais que ressaltam através de cornijas arquitravadas em vez de entablamentos como seria de se "esperar". É também digno de nota o contraste destes elementos estruturantes com as molduras das janelas termais ou mesmo com o simplificado embelezamento, quase que inexistente, dos arcos, tanto nas faces como nos intradorsos.
Quanto ao exterior, o conjunto arquitectónico é de especial relevância na laguna, como já foi anteriormente apontado. O complexo do mosteiro domina a pequena ilha e o jogo dos volumes também aporta geometrias quase puras e um jogo de contrastes entre o vermelho do tijolo, o cinza da chapa metálica das coberturas e da cúpula e o branco da pedra calcária.
Figura 23.11 . Igreja e Mosteiro de San Giorgio Maggiore . 1566/1610 . Veneza . Andrea Palladio |
Mas, depois de termos analisado a fachada de San Francesco della Vigna, detenhamo-nos um tanto sobre a de San Giorgio, tentando estabelecer uma comparação (fig. 23.12).
O plano maior abrcando as capelas laterais, é dividido também em cinco tramos a b a' b a. Mas, contrariamente à de San Francesco della Vigna, este plano anuncia-se com o seu próprio frontão com o entablamento horizontal completo e não somente os arranques como o de San Francesco. Há, nesta fachada uma força maior na presença deste "templo". a que falta, contudo, o remate da cúspide.
Figura 23.12. Fachada da Igreja de San Giorgio Maggiore . 1566/1610 . Veneza . Andrea Palladio |
Os tramos extremos são acusados por pilastras gémeas, e os outros tramos desta superfície são divididos também por pilastras, ainda que ligeiramente "escondidas" por detrás das quatro colunas do pano central. Salientando-se deste plano apõem-se quatro colunas embebidas a 3/4, que sustentam um frontão completo. Os dois entablamentos são iguais, tanto no estriado da arquitrave, como no friso desguarnecido, como ainda no denticulado das cornijas. O crepidoma de San Giorgio marca os ressaltos das edículas bem como das colunas, tornando este contacto do templo com o chão exterior mais bem conseguido do que em San Francesco della Vigna. A porta de entrada no templo marca outra proporção mais harmoniosa. E é de notar, ainda, que tal como em San Francesco, os tramos b também não têm pilastras.
a seguir: (29AGO19)
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As Igrejas de Palladio - II
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