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1AGO19
PALLADIO e os PALÁCIOS de VICENZA

Em 1552, concluía-se o Palácio Porto (Contrà Porti) do nobre Iseppo Porto. Com uma planta notável e indicadora da grande "pompa e circunstância" que Palladio soube imprimir à casa de tão ilustre personagem Vicentino. E, como tão ilustre personagem que era, fez-se representar, assim como a seu filho, Leonida, no ático-piso da sua casa (fig. 22.1).
Figura 22.1 . Iseppo e Leonida Porto . Ático do Palácio Porto (Contrà Porti)
A planta da casa (figura 22.2) apresenta um grande átrio de entrada (a zona mais larga) com quatro colunas isentas (como veremos também no palácio Barbarano del Porto), ladeado por compartimentos que se dispõem simetricamente. A este primeiro corpo da casa, em contacto com a rua, segue-se um cortile majestoso, de planta quadrada, quase que existindo para si mesmo, dado que as colunas, em número de 6 de cada lado, apenas servem como passagem coberta, não existindo compartimentos para além das paredes que o encerram.
O segundo corpo, mais pequeno do que o principal, também se abre para uma outra rua através de um átrio também com quatro colunas isentas.
Figura 22.2 .  Palácio Porto (Contrà Porti) . Planta do piso térreo . 1552 . Vicenza . Andrea Palladio
Como mais uma vez se constata, o alçado principal  vai basear-se na casa urbana que Bramante desenha para habitação de Rafael, em Roma. Já por diversas vezes se fez alusão a esta casa, o Palácio Caprini, neste blog. É extraordinário que a mesma semente possa ter dado tantos frutos, por mãos de diferentes arquitectos. Neste caso, à solução bramantina da correspondência do piso térreo a um crepidoma e à existência de um único estrato coincidente com o segundo piso, Palladio sobrepôs um ático-piso ao piano nobile.
Como total antítese a este desenho do alçado principal, Palladio despoja o alçado tardoz de quase todos os elementos que habitualmente acompanhavam os desenhos de fachadas, simplificando as molduras.
Figura 22.3 .  Palácio Porto (Contrà Porti) . Fachada principal e fachada tardoz . 1552 . Vicenza . Andrea Palladio
A figura 22.4 mostra-nos bem os diferentes espaços habitáveis, bem como algumas das suas relações volumétricas e habitacionais.
Figura 22.4 .  Palácio Porto (Contrà Porti) . Modelo de corte longitudinal . 1552 . Vicenza . Andrea Palladio
Este desenho do modelo tridimensional explicita bem aspectos da compartimentação deste tipo de palacetes, bem como as diferentes proporções entre os aposentos. De reparar também na composição do átrio principal que, como adiante veremos, se insere numa tipologia tão cara a Palladio. 
É de reparar, ainda, no autêntico luxo que o cortile proporciona, aos habitantes desta casa, nos três níveis de espaço aberto!

A Loggia del Capitaniato foi o que de mais notável se edificou do palácio que Palladio desenhou para albergar o representante de Veneza, em Vicenza. E digo restou porque apenas se fez uma pequena parte do edifício. É curioso que este palácio se edificou quase junto a uma das primeiras obras de Palladio, a célebre “Basílica de Palladio”, edifício com o qual acabará esta 22ª deambulação pela Arquitectura da Idade Moderna. 
Figura 22.5 . Loggia del Capitaniato . 1565 (proj.) . planta . Andrea Palladio 

A planta do Capitaniato, tal como restou do projecto inicial, não é mais do que uma loggia, aberta de três lados, estando o quarto lado integrado numa edificação justaposta (fig.22.5).

A fachada principal, apenas com três vãos em vez dos cinco (ou sete, dependendo dos autores que estudaram o projecto) é bem um mostruário do requinte Palladiano no seu código particular do manuseamento da linguagem do classicismo. Os vãos são separados por quatro colunas embebidas (figura 22.6), tal como se fossem pilastras, da ordem compósita e alcançando dois pisos. São de ordem monumental, dado que os vãos das portas da loggia são guarnecidos por pilastras adequadas à altura do pé-direito.
Figura 22.6 . Loggia del Capitaniato . 1565 (proj.) . Alçado - desenho e foto . Andrea Palladio

O segundo piso abre-se em portas de molduras simples, abrindo sobre varandas sustentadas por cachorros paralelepipédicos, e cujas padieiras irrompem a arquitrave, escalonada. O friso é simplificado e a cornija projecta-se fortemente com um mutulado bem forte. Sobre a cornija assenta uma balaustrada cuja planta reflecte os avanços e recuos dos ímpetos das colunas. O ático-piso abre-se em três janelas separadas por pilastras e remata-se superiormente por uma pequena cornija.

A figura 22.7 mostra um pormenor do canto formado pela fachada principal e pela fachada lateral. É bem visível a “fabrica” deste alçado.
Figura 22.7 . Loggia del Capitaniato. Pormenor da coluna/pilastra de canto
Figura 22.8 . Loggia del Capitaniato. Fachada lateral . Andrea Palladio

A fachada lateral (fig. 22.8) tem uma composição algo independente do alçado principal. Com efeito, o piso térreo é marcado por quatro colunas embebidas, suportando uma varanda cuja abertura para a sala se reveste de uma falsa serliana dado que os tramos rectos são cegos apenas dois nichos com as respectivas estátuas. Remata o alçado um entablamento vigoroso sobre o qual assenta um ático que, no centro, se abre numa balaustrada.


No entanto, o maior palácio que haveria de ser edificado por Palladio, em Vicenza, foi o Barbaran da Porto, construído entre 1575/79, ainda que o projecto deva ser dos últimos anos de 60. A sua planta é irregular devido ao facto de se ter anexado uma outra propriedade. A entrada, assim, ficou descentrada. A planta do palácio Barbarano da Porto é de uma extrema "imperfeição" (fig.22.9) , dada a irregularidade do cadastro da zona da cidade. No entanto, Palladio consegue dotar esta residência de elementos de uma extrema sofisticação e sempre inventivos.
Figura 22.9 . Palácio Barbarano del Porto . 1575/79 . Vicenza . Planta do piso térreo . Andrea Palladio
No entanto, apesar da irregularidade, o acesso é feito por um átrio de extraordinária elegância e engenho. Para fazer face ao peso da grande sala do piano nobile situado no "centro" do palácio, Palladio resolve a questão de sustentação através do emprego de 4 colunas jónicas, isentas, no meio do compartimento e colunas essas que perfazem 4 serlianas ou, melhor dito, "quase-serlianas" dado que as colunas que apoiam os extremos da arquitrave se embebem nas paredes frontais. Também as colunas das paredes dos extremos, tanto a da entrada da rua como a da entrada do cortile, se adossam às paredes exteriores. Sendo esta explicação algo confusa, nada melhor do que ver a figura fig. 22.10. Resta acrescentar que o tecto deste vestíbulo se apresenta como uma sucessão de abóbadas de arestas, coadjuvando para o efeito tridimensional do espaço nobre de entrada. 

Figura 22.10 . Palácio Barbarano del Porto . 1575/79 . Vicenza . Pormenor do átrio de entrada da rua
Andrea Palladio

Na História da Arquitectura do Classicismo (designação ampla que me parece abranger toda quanto utilizou os fundamentos gregos) poucos são, de facto, os arquitectos que souberam re-inventar e re-inventarem-se de um modo tão sublime, na medida em que Palladio tanto abre uma janela sem qualquer alusão a uma única moldura (Villa Godi, Refeitório de San Giorgo Maggiore) como vai a extremos "barrocos" conforme vimos na Vila Barbaro!


Para além da sofisticação que já apontei no átrio deste palácio, repare-se no extremo cuidado posto na composição do alçado principal (fig. 22.11). 

Figura 22.11 . Palácio Barbarano del Porto . 1575/79 . Vicenza . Desenho do Alçado principal . Andrea Palladio

Sem querer ser repetitivo em excesso, gostaria que fosse bem observada parte da fachada do tardoz do corpo principal, na zona de abertura que dá acesso ao cortile (fig.22.12)

Figura 22.12 . Palácio Barbarano del Porto . 1575/79 . Vicenza . Alçado tardoz do átrio principal . Andrea Palladio
Para além da colunata que segue a norma de sobreposição das duas ordens, a jónica no piso térreo e a coríntia no piso superior, Palladio abre 3 portas de saída do átrio para o cortile. Com uma singeleza deslumbrante, Palladio reduz a serliana a um mínimo elementar, onde apenas as diferenças das aberturas, e respectivos capitéis de supostas colunas ou pilares reduzidos ao mínimo, significam serliana. Que MANEIRA tão sui generis de se fazer arquitectura!

Chama-se impropriamente basílica ao edifício (fig.22.13), já existente, o Palazzo della Ragione, que tinha como finalidade a reunião dos 400 notáveis de Vicenza, centro cívico político e de negócios. Palladio foi o arquitecto escolhido a intervir para lhe dar uma nova “cara”, construindo-lhe uma envolvente em pedra branca, que consagraria de uma forma loquaz a SERLIANA.

Figura 22.13 . Basílica de Vicenza . Vicenza . 1546/97 . Andrea Palladio
E o desenho magnífico que a figura reproduz é bem demonstrativo da delicadeza do revestimento.

De facto, as paredes exteriores não são mais do que uma sucessão de serlianas, em ambos os pisos. A monotonia, que se poderia adivinhar do emprego de tanta justaposição, é desfeita pelo uso de serlianas com os tramos rectos mais estreitos em cada extremo de cada uma das três fachadas livres: a’ b' a’  a b a …. a b a  a´ b' a’ (fig. 22.13 e fig. 22.14 ).
A fachada sudeste tem oito tramos, a fachada sudoeste tem cinco e a fachada noroeste tem nove tramos: 

Figura 22.14 . Tramo terminal e corrente da Basílica de Vicenza . Vicenza . 1546/97 . Andrea Palladio
Figura 22.15 . Tramo terminal e corrente da Basílica de Vicenza . Vicenza . 1546/97 . Andrea Palladio
Este edifício notável encosta-se à Torre Bissara, do século XII. Este facto ainda mais faz admirar a mestria de Palladio, libertando o seu projecto de uma possível monotonia ao dar-lhe como que um ponto final ao seu discurso arquitectónico.

Mas, para além de este efeito estético ou, por trás deste efeito estético, ressalta a lógica estrutural da parede, na medida em que se reforçam os cunhais (fig. 22.14).

Figura 22.16 . Planta do piso térreo da Basílica de Vicenza . Vicenza . 1546/97 . Andrea Palladio

Outro efeito grandioso desta envoltura, é o facto de fazer "desaparecer" a tortuosidade da planta do edifício gótico preexistente, conforme se pode verificar na figura 22.16. 

A obra foi adjudicada em 1546 e só terminou, com o segundo piso, em 1597, dezassete anos após a morte de Palladio. A figura 22.17 mostra bem não só as janelas de arcos apontados, do medievo, bem como a dimensão da nave desse 2º piso.
Figura 22.17 . Nave do segundo piso da Basílica de Vicenza . Vicenza . 1546/97 . Andrea Palladio
Entre a fachada original e a nova fachada, o espaço citadino, sob logge, é também um dos momentos em que o passeante pode usufruir arquitecturalmente este extraordinário "up-grade" renascentista, conforme a figura 22.18 nos mostra à evidência.
Figura 22.18 . Loggia do segundo piso da Basílica de Vicenza . Vicenza . 1546/97 . Andrea Palladio

E para finalizar a visão sobre a arquitectura civil de Palladio se falará do seu Teatro Olímpico, também em Vicenza, obra de 1580 (ano da morte de Palladio) a 1585, mas acabada já por Vincenzo Scamozzi, arquitecto seu colaborador. Este edifício encerrará o capítulo sobre Palladio, depois de nos inteirarmos da arquitectura das igrejas de Palladio, constantes da próxima edição.

a seguir: (15AGO19)
23
As Igrejas de Palladio











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