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7NOV19

O Barroco "não-romano"

É curioso verificar-se que nos finais do século XV e inícios do XVI, algumas igrejas fossem idealizadas a partir da proposta de Bramante-Miguel Ângelo para São Pedro no Vaticano. No capítulo anterior a planta de Bramante apareceu reproduzida para se ver a transformação que ela viria a ter até se tornar na planta definitiva, pela mão de Carlo Maderno. Agora, a planta bramantina (figura 29.1) é novamente recordada e mostrar-se-ão algumas das igrejas que se foram edificando não só fora de Roma mas também nesta cidade.


Figura 29.1 . Basílica de São Pedro de Roma. Planta de Projecto . 1509
Donato Bramante 
Assim, uma das igrejas "herdeira" é a de Santa Maria della Sanità, em Nápoles, de 1602/13, que ficou a dever-se ao risco do Frade Giuseppe Nuvolo. Desenvolve uma espacialidade bem fora do comum, como se poderá apreciar, desde logo pela forma como o altar se desenvolve superiormente, a uma cripta. A igreja foi edificada sobre umas catacumbas.
Figura 29.2 . Planta do complexo de Santa Maria della Sanità . Nápoles
Frade Giuseppe Nuvolo

A figura 29.3 mostra o altar-mor e, por baixo, a cripta na figura 29.4.
Figura 29.3 . Altar-mor da Igreja de Santa Maria della Sanità . Nápoles
Frade Giuseppe Nuvolo
Figura 29.4 . Cripta da Igreja de Santa Maria della Sanità . Nápoles
Frade Giuseppe Nuvolo

O espaço interior, que a planta e as fotos nos revelam (figura 29.5) são intercomunicantes, suportados por pilastras compostas, em tons neutros. Os tramos da nave central são divididos por uma larga pilastra que se apõe a duas outras, as três coríntias, e de fuste estriado. Assentam sobre pedestais altos que também repercutem a sobreposição das pilastras. A separação entre as paredes e o tecto abobadado é feita por intermédio de um entablamento muito desenvolvido, também em dois tons, em que a arquitrave, bastante reduzida em altura, e o friso e a cornija se desenvolvem todos em estreitas camadas sobrepostas, acentuando a horizontalidade. Para este efeito os empuxes das pilastras também são de pouco relevo.
Figura 29.5 . Nave da Igreja de Santa Maria della Sanità . Nápoles
Frade Giuseppe Nuvolo

Esta igreja com uma planta tão especial, poligonal e quase "circular", tem uma fachada (figura 29.6) que traduz bastante bem a sua complexidade interna.
Figura 29.6 . Fachada principal da Igreja de Santa Maria della Sanità . Nápoles
Frade Giuseppe Nuvolo

Parte do conturbado perímetro interior é traduzido para o exterior. Mas também é traduzida a opção cromática do interior bem como a estrutura vertical e a divisão entre o "céu e a terra", por meio de um entablamento em tudo igual ao do interior. A parede exterior apresenta-se fragmentada, revelando a "intranquilidade" interior.

A igreja de Sant'Alessandro in Zebedia, em Milão, ou seja Santo Alexandre em Zebedia, para além da planta centralizada (figura 29.7) e dos grandes pilares que apoiam a cúpula, tem capelas cripto-colaterais, ligadas entre si, bem consonantes com os ditames do Concílio de Trento. Deve-e ao risco de Lorenzo Binago, também conhecido por Biffi, monge barnabita, e começou a ser construída em 1601.
Figura 29.7 . Sant'Alessandro in Zebedia . Planta . Milão
1601 . Lorenzo Binago
E, tal como São Pedro bramantino-miguelangelesco, tem quatro fortes pilares centrais, suportando a cúpula (figura 29.8). Estes pilares também são em "L", elaborados, e cada um destes "L"s conta com a coadjuvação suportante de duas colunas isentas, ainda que geminadas às paredes lisas.
Figura 29.8 . Sant'Alessandro in Zebedia . Nave . Milão . 1601 . Lorenzo Binago
A igreja é bastante vasta e é curioso que, não sendo caso único, a sua composição básica de quatro grandes suportes verticais centralizados deixa o caminho aberto para a inclusão de naves laterais, fugindo-se da "box-Church" ou "igreja-caixa", ficando o espaço interior mais coadunado com os ditames de Trento: espaço amplo e único mais capelas cripto-colaterais com passagem entre elas somente para o clero se poder deslocar sem perturbar a assistência dos crentes.
Ao contrário do interior de Santa Maria dela Sanità, o interior de Sant'Alexandre é completamente pintado a fresco, numa sucessão de temas sem solução de continuidade.
Figura 29.9 . Sant'Alessandro in Zebedia . Fachada . Milão . 1601 . Lorenzo Binago
A fachada desta igreja (figura 29.9) apresenta um estrato e um remate superior que actua como um estrato-frontão, tal a sua extensão e altura. A intranquilidade do piso térreo deve-se à excepcional diferença entre os seus sete tramos, se contarmos como tramo único o espaço que enquadra a porta. Assim, poderemos dizer que a fachada divide-se em a b c b a em que os as e cs avançam sobre os outros tramos. O entablamento que divide os dois "estratos" tem uma arquitrave escalonada, um friso liso e uma cornija saliente e denticulada. O segundo "estrato" resulta de uma combinação interessante entre duas torres, correspondentes aos tramos a, duas volutas correspondentes aos tramos b e um frontão dividido em três tramos, de cornija arquitravada ondulante e rampante para rematar, no seu zénite, numa curva acentuada que se sobrepõe ao "panejamento" que serve de moldura ao janelão central.
Apenas como curiosidade, parece interessante mostrar-se o altar-mor (figura 29.10) desta igreja, uma jóia barroca exacerbante de exagero. 
Figura 29.10 . Sant'Alessandro in Zebedia . Altar-mor

O Duomo Nuovo de Brescia, ou seja a Sé Nova ou, ainda, a Catedral de Santa Maria Assunta, deve-se a Giovanni Battista Lantana, a partir de 1604. A planta da igreja (figura 29.11) é efectivamente devedora de São Pedro bramantino-miguelangelesco. As dimensões desta igreja também são muito avantajadas e o seu labor bastante requintado, sob uma mesma cor com subtis gradações.
Figura 29.11 . Duomo Nuovo . Brescia . 4604 . Giovanni Battista Lantana
A planta desenvolve-se em cruz grega que apresenta a singularidade de ter o braço longitudinal mas extenso do que o transversal. A esta diferença para mais, acresce a zona do presbitério que se arredonda no seu limite. A figura 29.12 reproduz a foto tirada de um dos lados do "transepto" para o seu oposto, ou seja uma vista transversal, não muito usual.
Tem um interior notável de grandiosidade arquitectónica em que as cores jogam um papel fundamental na interiorização do espaço religioso, conforme as figuras bem revelam.
Figura 29.12 . Duomo Nuovo . Vista da cúpula sob o "transepto" . Brescia . 4604 . Giovanni Battista Lantana
Os quatro pilares do cruzeiro têm uma forma bastante caprichosa, em "L" com os lados e os centros interior e exterior dilatados e os topos rematam-se em pilastras que se geminam com colunas, todos da ordem coríntia.
Ainda há uma consideração de monta a fazer-se no referente ao cruzeiro desta igreja e que consiste no seguinte: Sendo arcos duplos os que perfazem o cruzeiro que sustenta a cúpula, os arcos centrais descarregam a sua força em colunas isentas. Ora este "desvio" à teoria Albertiana foi Lantana buscar a inspiração à Igreja de Santo Alexandre, obra de Lorenzo Binago, em Milão, e começada em 1601 (figuras 29.7 a 29.10).

Deste conjunto de igrejas, que seguiram a planta bramantina, a de Sant'Alessandro é a mais interessante sob vários pontos de vista, segundo a opinião de Rudolf Wittkower.
Figura 29.13 . Duomo Nuovo . Vista dos pilares que suportam a cúpula . Brescia . 4604
Giovanni Battista Lantana
O entablamento deste interior também tem um desenho muito elaborado, principalmente do friso constituído por baixos relevos e a cornija que é denticulada e, na parte mais saliente, mutulada. O contraste que estes dois componentes fazem com a arquitrave é notável, na medida em que é reduzida a um mínimo que faz ressaltar a separação entre "terra e céu", ou seja, entre paredes e tectos.


Em Bolonha, em 1606 acaba-se a igreja de São Salvador do risco de Giovanni Ambrogio Mazenta (por vezes aparece nomeado como Magenta).
A figura 29.14 representa-a, numa perspectiva dirigida para o canto respeitante ao Evangelho e dá-nos de imediato uma noção da sua espacialidade interior que se reflecte no facto de aparentar o corpo da nave ter três tramos, com o do meio mais largo e igual a um provável transepto. 
Figura 29.14 . Igreja de São Salvador . 1606 . Bolonha . Giovanni Ambrogio Mazenta
Efectivamente, vendo a planta, o exterior do edifício não contradiz essa suposição, bem pelo contrário, afirma essa suposição. A planta (figura 29.15) revela-se como uma obediência às normativas tridentinas, dado consagrar capelas cripto-colaterais, que são em número de três, sendo a do meio mais ampla do que as outras.
Figura 29.15 . Igreja de São Salvador . Planta . 1606 . Bolonha . Giovanni Ambrogio Mazenta
O alçado é difícil de se fotografar dada a extrema exiguidade do espaço onde se insere. No entanto, a figura 29.16 mostra-o, em desenho, ladeado por uma foto. Conforme se pode verificar, este alçado nada de novo aportará ao barroco. Pelo contrário, é um alçado de um academismo sem rasgos de inquietação, com os tramos a a' b a' a. Continuo é a realçar as protuberâncias do alçado lateral respeitantes aos espaço atrás referidos.
Figura 29.16 . Igreja de São Salvador . Fachada . 1606 . Bolonha . Giovanni Ambrogio Mazenta
Mas, em contraste absoluto com o exterior, o seu interior é de uma riqueza de elementos arquitectónicos conjugadamente reflectindo um espaço unitário, em que a espacialidade do transepto parece diluir-se, dada a proximidade de imagem da capela cripto-colateral central, conforme o desenho da figura 29.17 demonstra, tanto exterior como interiormente.
Figura 29.17 . Igreja de São Salvador . Bolonha . 1607 . Alçado lateral e corte longitudinal
Giovanni Ambrogio Mazenta
O espaço interior adquire, ainda, as características que as seguintes figuras nos apresentam. A figura 29.18 dá-nos a ver a composição da sequência dos tectos, num ritmo a b a b' c em que os as correspondem às capelas mais estreitas, o b à capela mais larga e o b' corresponde à outra capela larga mas coroando este o espaço da nave com a cúpula cega da igreja e, finalmente o c representando a abside coberta com meia cúpula.
Figura 29.18 . Igreja de São Salvador . Bolonha . 1607 . Tecto da igreja
Giovanni Ambrogio Mazenta
A figura 29.19 representa o tramo das capelas mais estreitas, onde a conjugação das colunas e as pilastras geminadas e, por sua vez, geminadas com outras pilastras dão sustentação reforçada à cúpula.
Figura 29.19 . Igreja de São Salvador . Bolonha . 1607 . Tramo a
Giovanni Ambrogio Mazenta
A perspectiva que o crente tem, aquando da sua entrada na nave é a que a figura 29.20 mostra, à esquerda, e o que ele vê aquando da saída. O tratamento das paredes laterais com as suas protuberantes colunas geminadas com as pilastras torna este espaço uniforme. Repare-se também nos dois nichos sobrepostos que se albergam nas paredes que dividem as capelas cripto-colaterais, também de um e outro lado das referidas paredes.
Figura 29.20 . Igreja de São Salvador . Vista da nave em direcção ao altar-mor (esquerda) e vista da saída (direita) 1606 . Bolonha . Giovanni Ambrogio Mazenta
E, em pormenor se poderá contemplar a magnífica estruturação do espaço interior (figura 19.21) com o deslumbrante detalhe arquitectónico das colunas isentas e geminadas às pilastras, bem como o entablamento grandioso com uma arquitrave trabalhada em camadas de fino lavor, um friso liso mas suficientemente alto para competir com o trabalho requintado e rendilhado da cornija. Em contrapartida a este deslumbramento, a estrutura do tecto é de uma simplicidade a toda a prova, com intradorsos ligeiramente salientes das abóbadas e numa cor menos clara.
Figura 29.21 . Igreja de São Salvador . Pormenor da cornija interior . 1606 . Bolonha
Giovanni Ambrogio Mazenta
a seguir: (21NOV19)
30
Francesco Maria Ricchino
Carlo Maderno e o Palácio Barberini

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