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21NOV19

Francesco Maria Ricchino

Carlo Maderno e o Palácio Barberini

Em Milão, em 1607 ergue-se a igreja de São José, Chiesa San Giuseppe, da autoria de Francesco Maria Ricchino. Já não se trata de uma igreja de planta centralizada como as que até agora temos visto mas sim de uma igreja que dispõe de dois espaços "autónomos", dois espaços centralizados que se encostam (figura 30.1). São, no entanto, duas cruzes gregas que se tocam, a dos devotos advém de um octógono e a cruz do presbitério advém de um quadrado.
Figura 30.1 . Igreja de São José . Corte longitudinal e planta . Milão . 1607 . Francesco Maria Ricchino
O corte longitudinal desta igreja revela a proporção entre os dois espaços da igreja, relevando-se a planta centralizada da nave, com a sua maior altura rematada pela cúpula esférica, pelo interior, mas inserida num tambor octogonal, pelo exterior.
Figura 30.2 . Igreja de São José . Nave e presbitério . Milão . 1607 . Francesco Maria Ricchino
A transição entre as faces maiores do octógono da nave para o quadrado do presbitério faz-se por colunas duplas geminadas a pilastras da ordem coríntia de volutas bem desenvolvidas. A figura 30.2 dá bem a perspectiva geral de um espaço grandioso de modinaturas elegantes e em que o friso, mais claro do que cornijas e arquitraves, é da cor das cúpulas, fazendo como que uma penetração tímida dos tectos nos topos das paredes.
Figura 30.3 . Igreja de São José . Cúpula da "nave" . Milão . 1607 . Francesco Maria Ricchino
A cúpula da "nave",ainda que de formalização quadrada, repercute o assentamento nos lados mais pequenos do octógono (figura 30.3).
A fachada principal desta igreja (figura 30.4) também constitui uma certa novidade. Embora Francesco Ricchino tenha já visto a fachada de Santa Susana, em Roma, desenvolve aqui uma composição interessante, na medida em que ocupa o tramo central, nos dois estratos, com edículas. É relevante a composição do segundo estrato na medida em que, socorrendo-se de um ático, os tramos b c b são coroados por um entablamento, com os seus três componentes, que vai continuar nos outros sete lados do tambor que, assim, adquire os seus oito lados.
Figura 30.4 . Igreja de São José . Alçado da frente e lado da Epístola . Milão . 1607 . Francesco Maria Ricchino
Também é digno de registo o facto dos alçados laterais, contíguos a esta zona da nave, portanto à zona do octógono interior, serem uma espécie de simplificação do alçado principal, reduzido apenas a três tramos.

Ainda de Francesco Maria Ricchino e ainda em Milão, temos a fachada do Colegio Elvetico. Fachada côncava (figura 30.5) que, segundo Rudolf Wittkower, deve ser a primeira fachada barroca que foge às superfícies planas.
Figura 30.5 . Colegio Elvetico . Fachada principal . Francesco Maria Ricchino
A fachada é de extrema simplicidade em termos de atributos arquitectónicos, fazendo, no entanto, a sua concavidade a grande novidade e, sobretudo, a dinâmica que imprime a uma fachada. Esta divide-se em dois estratos/piso com um tramo único marcado por cunhais de alvenaria rusticada. Os estratos são divididos por uma cornija arquitravada baixa a que se sobrepõe um ático tal como se fora uma sacada corrida e opaca, que é ritmada pelos "joelhos" das janelas do segundo piso. Os frontões destas janelas são curvos. O frontão do meio rompe-se para albergar o escudo e encima uma porta de acesso ao varandim. As janelas do piso térreo são ajoelhadas sobre um friso que só se interrompe junto às pilastras geminadas que ladeiam a porta de acesso.
Figura 30.6 . Colegio Elvetico . Fachada principa do Colégio e da Igreja . Francesco Maria Ricchino
Ao lado esquerdo da fachada fica anexada uma capela que, pelo desenho (figura 30.6) se vê perfeitamente a sua "paternidade". Basta compará-la à fachada da igreja de São José, atrás reproduzida. É efectivamente uma variante, embora mais reduzida, apenas com os tramos a b a.

Entre 1625 e 1649 Ricchino desenhou o portal principal do Ospedale Maggiore de Milão. Nele (figura 30.7) se pode observar, uma vez mais a sua "assinatura". Com dois estratos separados por um entablamento em que a predominância vai para o friso, ainda que liso, a fachada divide-se em três tramos separados por pilastras, justapostas nos topos e no centro, ladeando o portal e o janelão do segundo piso as pilastras são geminadas mas com colunas apostas a elas. Mais uma vez esta composição e de um requinte enorme na "destreza" com que Ricchino assembla os elementos tectónicos. 
Figura 30.7 . Ospedale Maggiore . Milão . Fachada principal . 1625/49 . Francesco Maria Ricchino
O remate superior excede os dois até agora vistos. O janelão do piso superior constitui uma edícula que, por sua vez, se encaixa noutra edícula. A primeira, rematando o janelão, tem frontão triangular, ainda que interrompido. A segunda edícula, que contém o janelão, é circular e, finalmente, todo o conjunto é rematado por um frontão triangular, sobreposto a um outro, com uma cornija denticulada.

De Francesco Maria Ricchino temos também o Palácio Annoni (figura 30.8), em Milão, tido como uma das suas obras primas.
Figura 30.8 . Palácio Annoni . Milão . Fachada principal . Francesco Maria Ricchino
Tem uma frente de dois estratos e de quatro prováveis pisos. O primeiro estrato assenta sobre uma reminiscência de um crepidoma, de paredes de pedra, bem como de pedra de corte "adiamantado" são os extremos da frente, dado que não tem quaisquer tramos. A separação entre os estratos é feita por uma cornija a que se apoia um ático que contém os rasgamentos avarandados das janelas superiores. A estrutura das janelas assentam sobre "joelhos" que ladeiam as referidas varandas. O remate superior quase que se reduz a uma cornija arquitravada, de recorte bastante acentuado, em que os cachorros e a cornija se projectam com vigor. As janelas do piso térreo e as do andar têm frontões que se alternam lado a lado e de cima e de baixo entre triangulares e curvos.
Figura 30.9 . Palácio Annoni . Milão . Fachada principal (detalhe)
Francesco Maria Ricchino
A figura 30.9 mostra um detalhe do frontão das janelas do piso térrreo, o parapeito e o "ajoelhamento" das janelas do piso superior, bem como o capitel da coluna que ladeia a porta de entrada.
Figura 30.10 . Palácio Annoni . Milão . Cortile - Fachada oposta à principal . Francesco Maria Ricchino
A figura 30.10 mostra a parede oposta à parede da rua, e é curioso notar-se que esta é dividida em tramos, cinco, no total, em que o piso térreo se resolve em arcadas perfeitas, a separação entre o primeiro e o segundo piso é feita através de um friso sobre o qual assentam os parapeitos das janelas do segundo piso cujas padieiras são ajoelhadas e sobre as quais assenta uma cornija arquitravada bastante alta e com cornija mutulada.

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ROMA
Regressados a Roma, vejamos a que é tida como a última obra de Carlo Maderno: o Palácio Barberini.
Já existia um palácio previamente, no local, que foi comprado por Maffeo Barberini que haveria de ascender ao pontificado como o Papa Urbano VIII.

Carlo Maderno, já de uma certa idade foi o escolhido, ou não tivesse sido ele a terminar a Basílica de São Pedro. As obras começaram em 1627 e nela trabalhava o sobrinho de Maderno, o arquitecto Francesco Borromini. Mas, à morte de Barberini, o arquitecto à frente da obra viria a ser Gian Lorenzo Bernini, tendo as obras acabado em 1633.

A planta do piso térreo do palácio traz de novo uma frente em "U" (figura 30.11), um tanto ao modo das ville que havemos visto principalmente na terra ferma e por todo o Veneto. Mas esta disposição em "braços abertos" em plena cidade não era usual. Com efeito, podemos imaginar o que teria sido o fausto das festas aquando da chegada das carruagens e coches dos altos dignitários civis e eclesiásticos, deixando a população admirada com o luxo.
Figura 30.11 . Palácio Barberini . Planta do piso térreo . 1627/33 . Roma . Carlo Maderno
A planta revela uma falsa simetria. Revela principalmente uma zona central digna de registo pela novidade da zona de recepção para os veículos poderem deixar os convidados junto à porta de entrada, debaixo da cobertura do andar de cima e com a profundidade de três módulos, que a figura 30.12 reproduz. 
Figura 30.12 . Palácio Barberini . Acesso às carruagens . 1627/33 . Roma . Carlo Maderno
A zona mais recôndita, em meia lua, lembra mais um ninfeu do que uma entrada convencional. Esta entrada conduz, por sua vez, a uma sala de planta elíptica que proporciona duas passagens para as salas laterais assim como a passagem para os jardins do palácio (figura 30.13)
Figura 30.13 . Palácio Barberini . Sala oval de acesso ao jardim . 1627/33 . Roma . Carlo Maderno
O edifício tem uma frente (figura 30.14) com duas alas que avançam, com três tramos, e uma zona central, recuada, com sete tramos que se adiantam ligeiramente a um tramo de cada lado, perfazendo nove no total e perfazendo ângulo recto com os corpos laterais.
Figura 30.14 . Palácio Barberini . Alçado principal . 1627/33 . Roma . Carlo Maderno
Francesco Borromini . Gian Lorenzo Bernini
Nesta fachada principal, pode admirar-se duas janelas, com o mesmo desenho, da autoria de Francesco Borromini (figura 30.15). Começava a despontar o génio intranquilo de Borromini. Parece-me não errar ao afirmar que seriam as primeiras cornijas a "separarem-se" do centro, ao avançarem nas extremidades
Figura 30.15 . Palácio Barberini . Janela do alçado principal
Francesco Borromini 
E também se pode admirar duas escadas, uma feita por Bernini (do lado esquerdo) e a outra feita por Borromini (do lado direito), que a figura 30.16 mostra.
Figura 30.16 . Palácio Barberini . Roma . Duas caixas de escadas . 
Gian Lorenzo Bernini . Francesco Borromini
O jardim do Palácio ocupa um quarteirão inteiro de Roma e é interessante que tivesse sido contemplada a passagem directa desde a entrada para o jardim, no tardoz do palácio (figura 30.17).
Figura 30.14 . Palácio Barberini . Alçado tardoz . 1627/33 . Roma . Carlo Maderno
Para terminar com esta obra, a alguns títulos seminal, nada melhor do que reproduzir um dos grandes festejos (figura 30.18) que aí se realizaram em homenagem à Rainha Cristina, da Suécia, que tendo abdicado do trono se converteu ao catolicismo e na sua quarta viagem a Roma aí fixou residência.
Figura 30.18 . Palácio Barberini . Festejos em honra da Rainha Cristina, da Suécia
O próximo capítulo será dedicado ao primeiro dos três grandes arquitectos do Barroco de Roma, Pietro da Cortona (1596/1669), a que se seguirá Gian Lorenzo Bernini (1598/1680) e depois Francesco Borromini (1599/1667) que, sendo o primeiro a ter morrido, foi, no entanto o mais novo dos três.

a seguir: (5DEZ19)

Pietro da Cortona - I Parte

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