4 22NOV18 LEON BATTISTA ALBERTI

22NOV18
LEON BATTISTA ALBERTI
de Rimini a Mântua


Depois de Filippo Brunelleschi, passemos a ver a obra de Leon Battista Alberti (Génova 1404 / Roma - 1472).
Entre as primeiras obras de arquitectura de Alberti está a alteração que Segismondo Malatesta, Senhor de Rimini, quis fazer de uma igreja existente, a de São Francisco, gótica de seu traçado, transformando-a no mausoléu para si e demais familiares. Desde o início do século XIX, foi elevada à categoria de Catedral, com a devoção a Santa Colomba.

Figura 4.1 . Planta e alçado do lado da epístula do Templo Malatestiano . 1450 ( início) . Rimini
Leon Battista Alberti
Alberti, sem mexer no interior da igreja, resolve “revestir” o edifício existente apondo-lhe novas fachadas laterais (figura 4.1), enquanto que a fachada da frente é substituída por uma nova parede. As laterais "albertianas", resolvidas em arcos iguais espaçados por pilares de iguais dimensões,  não tiveram qualquer espécie de contemplação para com a localização das aberturas medievais existentes, tendo havido a preocupação única com uma nova métrica que Alberti resolveu por bem executar, conforme as figuras 4.1 e 4.2 bem demonstram.

Figura 4.2 . Perspectiva do lado interior do lado da epístola do Templo Malatestiano . Catedral de Santa Colomba Rimini . Leon Battista Alberti
Estas paredes laterais exteriores dão cumprimento ao costume etrusco de tumulação, consistindo em arcadas contínuas, no vão de cujos arcos se depositariam os túmulos.

A igreja, tal como hoje se apresenta, deixa ainda muitas dúvidas quanto ao projecto original de Alberti. 

Com base numa medalha (figura 4.3) imortalizando Malatesta e a fachada do templo, pensa-se que este edifício poderia ter sido projectado com a volumetria da transcrição bastante fidedigna da leitura da referida medalha.

Figura 4.3 . Medalha com efígie de Segismondo Malatesta e alçado principal do Templo Malatesta . Rimini 

Figura 4.4 . Provável solução para o Templo Malatestiano . 1450 (início) . Rimini . Leon Battista Alberti

Porém, tendo sido Alberti um dos mais acérrimos defensores da architettura all’antica, não deixa de causar uma certa estranheza que ele propusesse como remate do estrato superior e central do templo um arco repousando directamente sobre duas pilastras (figura 4.4), solução esta que se repetiria nos topos do transepto. Pilastras não são colunas, obviamente, como as quatro colunas coríntias, no primeiro estrato, e ainda que apenas semi-colunas, suportando um entablamento com os seus três componentes, como a fachada (figura 4.5) ainda revela.
Figura 4.5 . Fachada principal do Templo Malatestiano . 1450 (início) . Rimini . Leon Battista Alberti
 O templo Malatestiano, ou, hoje, a Catedral de Rimini, estará entre as obras primeiras de Alberti, enquanto arquitecto, mas infelizmente não concluída. Além desta incógnita que nos deixou, este edifício ficou deveras bastante danificado aquando da Grande Guerra.
Ainda que não se possa dar por garantida, como absoluta, a fachada principal, tal como ela hoje se mostra, não haverá dúvidas quanto a certa estranheza da composição.

Em 1460 começava a construção da Igreja de São Sebastião, em Mântua, obra encomendada pelo Duque Ludovico Gonzaga. Trata-se de um templo, dos primeiros a obedecerem a uma planta centralizada, em forma de cruz grega (figura 4.6).
Figura 4.6 . Planta de São Sebastião – corte longitudinal, fachada principal, piso térreo e andar . 1460 (in.) Mântua
Leon Battista Alberti 
Esta cruz grega faz uma simbiose com um quadrado, dilatando assim o espaço central e provocando a particularidade de proporcionar braços extremamente curtos e rematados por exedras, exceptuando o braço que contém a entrada, este admitindo um pronao antecedendo o que se poderá tomar como uma galilé.
Da história deste templo são mais as incertezas do que as certezas, como confirma o site oficial dos Bens Culturais da Lombardia - LombardiaBeniCulturali.
Figura 4.7 . Piso térreo de São Sebastião . Mântua . Leon Battista Alberti 
A leitura do edifício como uma simples igreja não parece ser a mais imediata. Já o Cardeal Francesco Gonzaga, filho do Duque Ludovico, interpelava o pai: 
"non intendeva se l'haveva a reussire in chiesa, o moschea o synagoga" 
(Calzona - Volpi Ghirardini, 1994). 
Portanto, esta formulação de planta centralizada levantava as hipóteses de ser igreja, mesquita ou sinagoga…
Todo o templo se encontra elevado do solo formando um primeiro andar, sobre um outro piso, este térreo, embora de pé-direito muito mais baixo. Este piso térreo, que não tem ligação interna com o superior, não pode assim ser considerado como cripta (figura 4.7). Mas, dada a sua relevância no conjunto arquitectónico, pode levar a crer-se que teria sido destinado a mausoléu da Família Gonzaga. Hoje, e tendo-se considerado a hipótese de ter sido destinado a panteão, não andará muito longe essa pretensão pois que é actualmente o panteão mantovano dos Caídos pela Pátria.
Figura 4.8 . Segundo piso da Igreja de São Sebastião . 1460 (início) . Mântua . Leon Battista Alberti
A igreja, de carácter monumental, resolve-se geometricamente de uma maneira extremamente simples e, ao mesmo tempo, com uma tal conjugação de formas que dificilmente se poderá achar paralelo. Com efeito, a exaltação do centro é realizada principalmente (figura 4.8) pela abóbada de cruzaria de aresta, que cobre o espaço central de planta quadrada. Esta abóbada assenta sobre arcos estriados que descarregam nos vértices interiores em mísulas que parecem ser constituídas por um fragmento de entablamento assentando sobre um outro entablamento, este somente com friso e cornija. As paredes que suportam a abóbada abrem-se em arcos paralelos ao da sustentação da abóbada, e que se prolongam brevemente constituindo os braços da igreja que ficam reduzidos quase que a meros apêndices. As paredes limite dos lados do transepto e da capela-mor fecham as abóbadas e nelas se inserem portas falsas rematadas em semicírculo sobre as quais se inserem óculos.
Figura 4.9 . Fachada de São Sebastião . 1460 (início) . Mântua . Leon Battista Alberti 
A fachada de São Sebastião continuará a ser um “quebra-cabeças” no que respeita à verdadeira solução primitiva, nomeadamente na questão do acesso ao templo, a uma cota alta. É do início ou meados dos anos 20, do século passado, que datam as duas escadas laterais de acesso aos dois arcos (figura 4.9) do pronao. Provavelmente Alberti previu a entrada na igreja através do acesso, por escadas, cobertas pela loggia do lado do Evangelho e, provavelmente, as cinco aberturas do pronao seriam meros pórticos com guardas.

Esta fachada, tal como se apresenta no respeitante à sua cimafronte, suscita grandes perplexidades. É certo que, para Alberti, uma parede poderia ser sustentada por colunas “embebidas”.
E, aqui em São Sebastião, Alberti não as utiliza. Utiliza duas pilastras, uma em cada um dos extremos da fachada, e outras duas com metade da altura, enquadrando uma falsa edícula. A fachada é de piso único, embora que, pela leitura da disposição das aberturas, se possa deduzir poder ela corresponder à altura de três pisos.
O mais intrigante, no entanto, é a interrupção do entablamento, de expressão fortíssima, onde o friso quase corresponde ao dobro quer da arquitrave, quer da cornija. Este hiato resulta numa janela, sobre a que se apoia um arco cego de cornija fortemente pronunciada.
O que poderia esta disrupção tectónica querer significar? Alberti, o grande teorizador, um dos arquitectos all’antica, tendo concebido a sua De re aedificatoria, como é possível aventurar-se a um sinónimo de ruptura estruturante de um pórtico? O frontão fica em desequilíbrio de forças, com as rampantes descarregando apenas sobre os dois troços de entablamento separados por um vazio, levando a que o tímpano, de conformação triangular habitual, se desenhe como uma seta ou flecha, dado que irrompe pela imafronte.
Que Giulio Romano se tenha aventurado a insinuar ameaças de ruínas no Palazzo del Té (conforme teremos ocasião de ver), compreende-se vindo de um Maneirista. Mas que Alberti tenha desenhado uma tal fachada será sempre uma interrogação que a simples lógica do meu entendimento sobre o purismo renascentista levantará.
Figura 4.10 . Fachada sudoeste de São Sebastião . 1460 (início) . Mântua
Leon Battista Alberti 
A fachada sudoeste do templo (figura 4.10) revela, sem qualquer espécie de subterfúgios, a interpenetração entre a cruz grega e o quadrado, isto é, as figuras planas que estão na base da espacialidade interior.

Para a mesma cidade de Mântua, em 1470, Alberti projecta a Basílica de Santo André (figura 4.10), encomendada pelo mesmo Duque Ludovico Gonzaga, para nela se venerar o Sangue de Cristo. 
Nunca concluída, iniciada no ano da morte de Alberti, e ainda com edificações justapostas à parede do lado da Epístola (figura 4.12), é um dos espaços mais notáveis, estranhos e não expectáveis pela grande incógnita que levanta na medida em que o espaço centralizado, como uma das normativas renascentistas, não foi o plano escolhido.
Figura 4.11 . Basílica de Santo André . Planta . 1472 (início) . Mântua. Leon Battista Alberti
Com efeito, a igreja, de grandes dimensões, em cruz latina e de nave única e com grandes capelas laterais, ainda que não-comunicantes (figura 4.11), parece ser muito mais conforme com a lógica que a espacialidade das igrejas pós-tridentinas haveriam de apresentar, não fosse a não comunicação das capelas. E não é demais lembrar que a Basílica começou em 1472, setenta e cinco anos antes do início do Concílio de Trento.
Figura 4.12 . Basílica de Santo André . 1472 (início) . Mântua
Leon Battista Alberti
A nave da basílica (figura 4.13) é grandiosa e houve uma quase obsessão de não se deixar qualquer porção de espaço sem decoração, seja em relevo, em baixo-relevo ou em pintura, embora de datação posterior. As capelas laterais são resolvidas com cobertura em abóbada perfeita e cuja flecha dos arcos é sobreposta por um entablamento, nos seus três componentes. Este entablamento acompanha todo o perímetro do templo, sem interrupções, perfazendo inclusivamente a exedra da capela-mor.
Figura 4.13 . Nave da Basílica de Santo André . 1472 (início) . Mântua . Leon Battista Alberti
Os tramos das capelas alternam com tramos rectos que se dividem em três zonas: junto ao chão, abrem-se em pórticos de não grande altura; nas zonas do meio inserem-se imensos quadros a óleo, com criaturas celestes; nas zonas mais altas rasgam-se óculos cujo diâmetro é tangente às pilastras que separam os tramos da nave e também ao entablamento já referido. Os pórticos contidos nos tramos rectos, atrás referidos, dão acesso a pequenas capelas, de cobertura em cúpula, supostamente para capelas funerárias.
Os tectos, abobadados, criando a zona celestial, devidamente separados das paredes, são resolvidos em caixotões quadrados, não se distinguindo os referentes à nave, ao transepto, às capelas laterais e à capela-mor. O intradorso dos arcos que separam as naves dos lados do transepto e o arco triunfal também são resolvidos por caixotões que, embora de molduras quadrangulares, são de desenho mais elaborado do que os anteriormente descritos.
A exedra desta basílica tem uma resolução bastante original. É dividida em três tramos iguais que repetem os tramos das capelas da nave, sem os tramos mais pequenos, de lintel, e rasgam-se em janelas com parapeitos relativamente baixos e padieiras muito altas. Sobre cada janela, abrem-se óculos, tornando esta capela-mor bastante iluminada.
Ainda que nada acrescente em termos de mais conhecimento, a imagem 4.14 dá-nos uma perspectiva, muito pouco usual, rasando o intradorso de uma abóbada de berço, formada por caixotões quadrados, assente sobre um entablamento fortemente decorado, separando a zona celeste da zona terrena.
Figura 4.14 . Tecto da nave da Igreja de Santo André (vista direccionada para a entrada do templo) . Mântua . Leon Battista Alberti 
O alçado principal (figura 4.15), que nunca se acabou, também tem um desenho bastante original. Os arcos de triunfo de Roma terão sido a grande inspiração de Alberti.
Porém, o humanista e arquitecto que tanto se debruçou sobre a coluna e a legitimidade do seu emprego, parece não ter ousado aqui o seu uso. Em vez disso utilizou pilastras quase sem espessura que se orlam de motivos vegetalistas. 
Figura 4.15 . Fachada de Santo André . Mântua . Leon Battista Alberti e Luca Facelli 
Ainda que tenha sido Luca Facelli a executar a fachada, pois Alberti morreria quatro anos depois do início da construção do templo, parto do princípio de que Facelli não teria adulterado o desenho do Mestre, até mesmo pelas particularidades que o desenho apresenta. São dignas de registo as folhagens que compõem os capitéis, adjectivados de itálicos, principalmente os que rematam as pilastras extremas da fachada.
A solução de três tramos - a b a - em que se resolve a fachada, corresponda à proporção de: 1 2 1. É de referir que esta mesma proporção é a que Alberti utilizou no interior do templo, na marcação das capelas de volta perfeita, que têm como largura o dobro das capelas porticadas.
Esta fachada, no entanto, tem sido comparada a arcos triunfais romanos. De todos os que vi nas pesquisas a que procedi, me parece que o que poderá ter estado na origem (se é que Alberti teria necessitado de um arco determinado), como modelo, tenha sido o Arco dei Gavi, em Verona (figura 4.16), datando do século I d.C. e não o arco de Trajano de Ancona, conforme muitas vezes tem sido referido.
Figura 4.16 . Arco dei Gavi . séc. I d.C. Verona 
a seguir (6DEZ18):
5
SANTA MARIA NOVELLA
I PALAZZI

3 comentários:

  1. Não seria de considerar, para explicar a notada estranheza do plano tão tridentino de San Andrea, que é muito plausível que Alberti não a tivesse projetado com o transepto cupulado, sendo aliás toda a construção a partir do cruzeiro dos finais do século XVI (e a cúpula já setecentista, de Juvarra)?

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  2. Grato pela leitura atenta. Mesmo sem a cúpula de pujança barroca, a planta com o transepto tão vincadamente marcado, dando ainda mais força à cruz latina, desperta-me uma grande curiosidade/interrogativa, vinda de Alberti.

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  3. Eu não duvido apenas que a expressão reforçada da cúpula (com um tambor de sabor post-miguelangelesco) possa ser uma adição: é a própria configuração do cruzeiro, em braços e ousia, que se me afigura pouco crível.
    Parece-me muito mais plausível que Alberti tivesse previsto um transepto contido (como o de San Sebastiano, como o da reconstituição que apresenta para San Francesco), sendo San Andrea, por conseguinte, uma versão evolutiva do plano de Rimini, com uma nave ritmada de cheios e vazios, e um presbitério constrastante.

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