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5DEZ19 

PIETRO da CORTONA - I Parte

Pietro Berrettini (1596/1669) era natural de Cortona e daí ter ficado conhecido para a posteridade como Pietro da Cortona. Mais velho apenas dois anos do que Bernini e três anos do que Borromini, viriam a ser os três Arquitectos Barrocos, por excelência.
No entanto, da Cortona haveria de se sentir não tão feliz com a sua prática de arquitecto como com a de pintor, tendo afirmado mesmo isso, quase como que tendo sido não compreendido como arquitecto e se ter realizado mais pela sua prática como pintor, excelente que era.
Depois de termos falado do Palácio Barberini, no último capítulo, é ainda um dos tectos dos seus salões que veremos agora. É de da Cortona a pintura a fresco do tecto do Grande Salão do Palácio figurando "O Triunfo da Divina Providência"
(figura 31.1) 

Figura 31.1 . "O Triunfo da Divina Providência" . Pintura a fresco do tecto de uma sala do Palácio Barberini . Roma . Pietro da Cortona

Mas ao designar-se este tecto como uma alegoria ao "Triunfo da Divina Providência", poder-se-ia invocar, também, "A Glorificação do Papado de Urbano VIII": Num dos cantos da parte central do tecto (à direita na imagem 31.1), da Cortona insere três abelhas, distintivo do brasão da família Barberini que a figura 31.2 revela mostrando o brasão e a pintura.
Figura 31.2 . Brasão de armas dos Barberini e detalhe do Triunfo da Divina Providência de Pietro da Cortona
Uma das suas primeiras obras de arquitectura, em Roma, foi a Villa del Pigneto. A sua planta compõe-se de dois núcleos de desenho algo complexo, que são separados ou, se quisermos, ligados por salas em enfilade (figura 31.3). Nos extremos encontram-se duas salas rectangulares, de cantos arredondados e adossadas a salas semi-cilíndricas que, por sua vez, se ligam a um núcleo central com um gigantesco nicho que lembra o Belvedere do Vaticano, desenhado por Donato Bramante. Mas a fachada principal deste casino não é mais do que um acumular de fontes e exedras, tal jardim de cascatas e grutas, tal ninfeu agigantado.

Figura 31.3 . Villa del Pigneto . Roma . 1630 . Pietro da Cortona

A fachada principal ondula entre dois topos que se encostam a superfícies convexas. Estas, por sua vez, através de um pequeno troço recto adossam-se ao núcleo central, de três pisos e três tramos cujo tramo central se torna côncavo atingindo os dois primeiros estratos/pisos.

O varandim assume-se convexo, bem como as escadas, duplas e simétricas, que conduzem os convivas até ao terreno. Esta casa era um casino, que o mesmo é dizer um retiro de recreio para festas.

Figura 31.4 . Villa del Pigneto . Representação pictórica . Roma . itero da Cortona

A figura 31.4 mostra bem o esplendor que tais casinos poderiam alcançar. Este ergueu-se entre 1626 e 1630. Deste, particularmente, se vislumbrava a Basílica de São Pedro, por sobre os cimos do pinhal adjacente - o Pigneto.

A Villa del Pigneto, construída para o Marquês Sacchetti, nos arredores de Roma, embora de dimensões mais modestas, lembra um tanto o Santuário da Fortuna Palestrina (31.5), que Pietro da Cortona desenhou para a família Barberini,

Figura 31.5 . Temlo da Fortuna Palestrina . Representação pictórica . Pitetro da Cortona

Em 1633, da Cortona teve o encargo de realizar o QUARENTORE - a tradução à letra é: 40 horas - o número de horas que Jesus Cristo esteve sepultado. Tratava-se de uma cerimónia religiosa em que durante essas horas se rezava continuadamente. É uma arquitectura efémera (figura 31.6), como se usou durante alguns séculos. Destinou-se à Chiesa de San Lorenzo in Damaso, em Roma, e foi encomenda de Francesco Barberini, sobrinho do Cardeal Barberini.

Figura 31.6 . Quarentore . Projecto . Pitetro da Cortona

Ainda que seja uma arquitectura efémera, portanto feita de madeira e telas pintadas, já se pode antecipar o tipo de paredes que da Cortona privilegiaria e que se traduziria na sua próxima obra, a Igreja dos Santos Martina e Lucas, em Roma, ou seja Chiesa SS. Martina e Luca, que se ergueu entre 1635/50. A situação desta igreja é invejável, no panorama urbano de Roma (figura 31.7), pois que se situa entre o Forum Romano e o Forum de César e perto do Arco de Sétimo Severo.

Figura 31.7 . Chiesa Santi Martina e Luca . Localização . Roma . 1635/50 . Pitetro da Cortona

A concepção do espaço é bastante invulgar. É uma "falsa" cruz grega cujo eixo longitudinal é mais extenso do que o eixo transversal. Mas esta invulgaridade pode produzir um efeito de verdadeira cruz grega ao crente que entra no espaço, pois que o trajecto longitudinal, dada a perspectiva, aproximar-se-á da largura entre os extremos do transepto.

Figura 31.8 . Chiesa Santi Martina e Luca . Planta . Roma . 1635/50 . Pitetro da Cortona

Pela planta expressa na figura 31.8, se pode ver que os limites da igreja não ultrapassam os 40x30 metros, aproximadamente. Mas o que mais impressiona é o facto das paredes limítrofes do espaço interior parecerem desaparecer por trás de 24 colunas e 24 pilastras (excluindo as que ficam subpostas). Se comparássemos esta sucessão de elementos à linguística, diríamos que estamos perante um discurso paratáctico. A parede parece não existir, tal a profusão dos elementos tectónicos que a figura 31.9 melhor esclarecerá.
Figura 31.9 . Chiesa Santi Martina e Luca . Vista da nave dirigida para a Capela-Mor . Roma . 1635/50
Pitetro da Cortona
As colunas e as pilastras são da ordem jónica, assentes sobre pedestais que se sucedem sem interrupção, bem como sem interrupção se desenvolve o magnífico entablamento em que tanto a arquitrave como a cornija se formam somente com filetes.
A parte mais sagrada, a Capela-Mor (figura 31.10), parece prescindir da sua superfície parietal e reduzir-se exclusivamente a porticado de colunas e pilastras. A meia-cúpula que a sobrepõe adquire
uma tridimensionalidade pouco vulgar, reforçando-se na estrutura e nas molduras das janelas. Repare-se ainda na ordem compósita simplificada e, ainda que repetindo, no entablamento sofisticado que percorre todo o perímetro do interior da igreja.
Figura 31.10 . Chiesa Santi Martina e Luca . Vista da  Capela-Mor . Roma . 1635/50 . Pitetro da Cortona
Quanto à fachada da igreja, também se pode dizer que estamos perante uma das mais belas jamais concebidas, tanto engenho nela da Cortona empregou.
Figura 31.11 . Chiesa Santi Martina e Luca . Fachada rincipal . Roma . 1635/50 . Pitetro da Cortona
A parte central é convexa (figura 31.11), ainda que no centro avance uma parte plana. Limitando lateralmente a fachada estão dois contrafortes, cada um constituído por pilastras geminadas que se desdobram e se escalonam à medida que se aproximam da convexidade. Da parte convexa poder-se-á inferir que tem três, cinco, sete tramos? O entablamento que divide o primeiro do segundo estrato, bem como o entablamento que remata superiormente a fachada são tão portentosos e tão mais marcantes do que os elementos verticais que estes parecem apenas e, mais uma vez, um discurso paratáctico, tal como acontece com as paredes interiores. Se bem se quiser contar, há catorze pilastras no segundo estrato... é uma fachada irrepetível... é um dos desenhos mais excepcionais de toda a História do Barroco! A ordem do primeiro estrato é jónica, tal como a do interior, e a do estrato superior parece ser compósita, pela altura do capitel, embora as volutas se afirmem mais como se fossem jónicas.
A cúpula que coroa o cruzeiro desta igreja apresenta um aspecto não muito usual (figura 31.12) que é o facto de, acima das padieiras das janelas do tambor e acima da cornija, se desenvolverem frontões curvos por trás dos quais arrancam as calotes curvas da abóbada, contidas entre as linhas de força das aduelas. O remate superior do lanternim ainda fica a dever um tanto ao maneirismo, talvez por os elementos tectónicos se parecerem muito mais decorativos do que de sustentação.
Figura 31.12 . Chiesa Santi Martina e Luca . Tambor e Cúpula . Roma
1635/50 . Pitetro da Cortona
E apenas mais um apontamento da arte pictórica de Da Cortona, através de um estudo para o quadro "A recusa da Mártir Santa Martina adorar outro deus que não o Deus-Menino".
Figura 31.13 . "A Recusa de Santa Martina em adorar outro Deus que não o Deus Menino"Pitetro da Cortona
A Pietro da Cortona estava destinada uma outra obra que ficaria como um dos marcos mais emblemáticos do Barroco. Não de raiz mas de rearranjo urbanístico e uma nova frente aposta à existente: a organização de uma nova fachada para a igreja e respectivo largo de Santa Maria della Pace, ou seja, Santa Maria da Paz, em 1656/67 encomendada por Alexandre VII.
A igreja já existente, mas posterior ao claustro magnífico de Donato Bramante, é mantida exceptuando a sua frontaria. A fachada principal da igreja situava-se numa bifurcação de uma rua que conduzia à Praça Navona. Da Cortona prescinde da bifurcação e desenha uma praça, para isso demolindo casas. Paradoxalmente, em vez de aproveitar o espaço assim criado, propõe um avanço da fachada pré-existente da igreja, conforme ilustra a figura 31.14, em que se vê, a linha ponteada, a implantação primitiva dos prédios e do perfil da rua e sua bifurcação.
Figura 31.14 .Largo e frente nova da Igreja de Santa Maria da Paz . Planta da intervenção urbana.
Roma . 1635/50 . Pitetro da Cortona
A figura 31.15 mostra o corte longitudinal da igreja, com o avanço que não é mais do que um pronau de contorno redondo e convexo (no extremo direito da figura), com seis colunas, duas junto às paredes laterais e as outras quatro formando dois pares de colunas geminadas.
Figura 31.15 . Igreja de Santa Maria da Paz . Corte . Roma
O efeito plástico desta intervenção urbana é notável pela ambiguidade que cria num espaço tão pequeno. Propõe uma frente tão homogeneizada entre igreja e edifícios adjacentes, todas as fachadas ou, melhor dito, a "única" fachada pensada em simultâneo. Por um lado, temos um desenho de composição nitidamente barroca, por outro lado temos uma espécie de um avanço "claustrofóbico", herança bastante próxima do maneirismo e das suas perspectivas diafragmadas.
Figura 31.16 . Igreja de Santa Maria da Paz . Fachada principal . Roma . Pietro da Cortona
Enquanto que o estrato térreo é de enorme simplicidade (figura 31.16) bastando-lhe apenas a planta ovalada e protuberante do pronau e a escolha de uma ordem dórica/toscana com um entablamento simples, o estrato superior mais uma vez nos revela a capacidade escultórica de da Cortona e o seu manuseamento das ordens tectónicas, fazendo lembrar a fachada da igreja dos Santos Martina e Lucas.
Aqui, neste caso, a arquitrave também entra em formas conturbadas, obedecendo ao empuxe das colunas e das pilastras. E é um arranjo curioso que encontra entre o frontão curvo da edícula e o frontão triangular que remata toda a composição da fachada. O escudo do Papa, antepondo-se ao entablamento, em parte escondendo-o, vai provocar um desenho que pode ser conotado com um parafuso.
Figura 31.17 . Igreja de Santa Maria da Paz . Fachada principal - pormenor . Roma . Pietro da Cortona
Figura 31.18 . Igreja de Santa Maria da Paz . Fachada principal - pormenor do tecto do pronau . Roma . Pietro da Cortona
O pormenor de entrada na igreja revela bem o cuidado e o preciosismo de da Cortona na demarcação das aduelas da meia-cúpula do pronau (figura 31.18), bem como no detalhe das molduras da porta de acesso ao templo.

Pietro da Cortona usa mais uma vez um conceito barroco e joga com a concavidade que, por trás do pronau convexo, consegue dissimular o espaço efectivo que subtrai à praça, conforme se pode ver também na figura 31.17 e 31.19, sendo esta última a reprodução de uma estampa que é mais bem exemplificativa do que propriamente uma foto, dada a pequena dimensão do espaço real.
Figura 31.19 . Igreja de Santa Maria da Paz . Fachada principal da igreja e edifícios adjacentes
Roma . Pietro da Cortona


a seguir: (19DEZ19)
32
Pietro da Cortona - II Parte

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