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23MAI19

GIACOMO BAROZZI da VIGNOLA
 - Arquitecto e Tratadista -

GIORGIO VASARI
"Le Vite de' piu eccelenti ..."

Giacomo Barozzi da Vignola, outro dos grandes mestres do Maneirismo, deixou duas obras-primas: a Villa Farnese, em Caprarola, e a igreja de Jesus – Il Gesù, em Roma. A fachada desta seria edificada, anos depois, por Giacomo della Porta. Sob o prisma da teoria de arquitectura deixou, certamente, o tratado de Arquitectura Clássica mais difundido de sempre.

Mas, começando por uma obra talvez menos conhecida de Vignola, 1553 vê dar-se início à pequena igreja dedicada a Santo André, na Via Flamínia, em Roma. Com escassos dez metros de largura, é um espaço religioso de planta centralizada, muito embora se inscreva num rectângulo a que se justapõe um outro bem mais pequeno, assim se consubstanciando a capela-mor (figura 13.1).
E como facto notável, esta igreja é a primeira a conter uma cúpula oval, figura geométrica prenunciadora do espírito barroco.
Figura 13.1 . Igreja de Sant’Andrea a Via Flaminia . Planta e Alçado . 1553 . Roma . Giacomo Vignola
Figura 13.2 . Igreja de Sant'Andrea a Via Flaminia . Interior . 1553 . Roma . Giacomo Vignola
Os alçados interiores apresentam-se com uma configuração pouco habitual, dado que eles próprios terminam em arco, perfeito, os da largura, e em arco abatido, os do comprimento. Encimando estes quatro arcos, alojam-se as perxinas, ou pendentes, que suportam a cúpula oval (figura 13.2).
Esta cúpula é sustida por um entablamento, nos seus três componentes, que vai distanciar-se dos apoios que os atrás referidos arcos poderiam oferecer. É muito curiosa, e pouco usual, esta maneira de separar o entablamento da cúpula de qualquer apoio estruturante. As paredes são divididas em três tramos, reproduzindo janelas termais. Nos lados mais pequenos têm três lumes, e, nos lados maiores têm cinco lumes.
De modestas dimensões, esta igreja com o alçado exterior principal bastante depurado (figura 13.3), parece poder inserir-se entre os primeiros renascentistas, tal a aparente tranquilidade com que os elementos estruturantes se mostram. Com efeito, as pilastras, quase sem relevo, dividem o alçado num ritmo a b a.
As partes inferiores dos capitéis estão ligadas por um estreitíssimo friso, e sobre as pilastras assenta um entablamento simplificado. Por sobre este corpo do edifício rematado por um frontão triangular insere-se um corpo paralelepipédico que, por sua vez, suporta um corpo em cilindro ovalado, correspondente à cúpula. 
Figura 13.3 . Alçado de Sant'Andrea a Via Flaminia. 1553 . Roma . Giacomo Vignola 
Mas o mais extraordinário deste objecto arquitectónico é a grande semelhança da composição volumétrica com o Panteão, como melhor ilustram as figura 13.4 e 13.4a. 
Figura 13.4 . Fachada de Sant'Andrea a Via Flaminia. 1553 . Roma . Giacomo Vignola
Figura 13.4a . Panteão . Roma
A Villa Farnese, em Caprarola, implanta-se sobre uma fortificação na zona do Lácio, a 50 Km a noroeste de Roma. Essa fortificação, ou rocca, em italiano (figuras 13.5 e 13.6), e daí a sua disposição em pentágono e com baluartes, foi concebida por Antonio da Sangallo, o jovem, e por Baldassare Peruzzi.
Figura 13.5 . Palazzo Farnese . 1559 .Planta e vista aérea . Caprarola . Giacomo Vignola .Baldassare Peruzzi 

É, de facto, notável a implantação desta fortaleza - palácio, na aresta de uma colina, como também há alguns outros exemplares em Itália.
Figura 13.6 . Implantação de Caprarola 
Talvez que como alçado mais emblemático se possa considerar o do seu pátio interior, em redondo (figuras 13.6 e 13.7)
Mais uma vez se pode invocar o Palazzo Caprini, com o primeiro piso de estereotomia bem vincada, alternando aberturas em arco intercaladas por duas ordens de nichos rectangulares encimados por nichos em arcaria. Separam-se os dois pisos com uma cornija arquitravada, de pouca altura. Sobre esta abre-se um segundo piso praticamente constituído por grandes aberturas em arcaria, que se intercalam por janelões rectangulares estreitos encimados por nichos ovais cegos, dando réplica às diferenças de aberturas do piso de baixo, criando uma harmonia visual, uma harmonia sintáctica. 
Figura 13.7 . Palazzo Farnese . 1559 . Caprarola . Pátio central . Giacomo Vignola .Baldassare Peruzzi
Os vãos em arco são demarcados por colunas jónicas, quase isentas, encimadas por um entablamento de forte expressão, antítese do inferior, e com a cornija encimada por balaustrada que se salienta em troços correspondentes ao par de colunas. Na direcção destas situam-se acrotérios direitos que são encimados por vasos pétreos. O efeito é de uma delicadeza extrema, um “rendilhado” que é transmitido por peças arquitectónicas fortes e apesar do partido estético das grandes aberturas que todo o alçado apresenta, fica o contraste entre a força do dórico – a virilidade - e a elegância do jónico – a feminilidade. 
Figura 13.8. Palazzo Farnese . 1559 . Caprarola . Alçado principal . Giacomo Vignola . Baldassare Peruzzi 
O alçado, dito principal, é uma combinação entre fortaleza e edifício civil. Ao cimo da escadaria bipartida com dois lances de cada lado (figura 13.8), erguem-se dois torreões abaluartados, de paredes cegas e com os cunhais realizados em pedras alternadamente mais curtas e mais compridas. O centro, uma parede lisa, resolve-se em três janelas de cada lado da porta de acesso, em arco e inserida num maciço pétreo. O segundo piso tem 1 janela mais 1 janela, 5 arcos e mais 1 mais 1 janelas. O terceiro piso tem 1 janela e 1 mezanino, mais 7 janelas com os respectivos mezaninos e mais 1 janela com o respectivo mezanino. Os dois pisos superiores enquadram-se entre dois pavilhões muito menos salientes do que os do piso térreo que são dois baluartes. Os cunhais são sempre marcados por pedras alternando as suas dimensões.
Não deixa de ser curioso que a parte central do alçado se desenvolva com oito suportes verticais, tantos quantas as colunas dóricas do Partenon. Coincidência ou emulação?
Quanto ao interior, além das notáveis salas e divisões que compõem esta residência papal, é de se salientar a escada principal e monumental da casa (figura 13.9).
Figura 13.9 . Escada monumental . Caprarola
Mas Vignola ficaria para sempre como o arquitecto que mais se aproximou das directivas do Concílio de Trento ao realizar o projecto da Igreja de Jesus, em Roma. Igreja feita para a Congregação dos Jesuítas, de novo e tendencialmente adoptando a cruz latina (figura 13.10), assim refutando a cruz grega ou a planta centralizada, símbolo de paganismo. Todavia há uma atenuante para que esse efeito fosse diminuído. Assim, o transepto excede em escassos centímetros as laterais do corpo da igreja. A capela-mor tem praticamente a mesma dimensão dos transeptos, no respeitante à abertura para a nave, terminando em abside curva. 
Ao penetrar-se na igreja e depois de percorridos os três primeiros tramos, deparamo-nos com uma igreja de planta centralizada, tal a força do cruzeiro que uma imensa cúpula e respectivo lanternim congregam.
Figura 13.10 . Igreja de Jesus (Planta e corte perspectivado) . 1568/80 . Roma . Giacomo Vignola 
O irreverente da História é que, desejando Santo Inácio de Loyola atingir a ascese através do rigor fora de toda e qualquer sumptuosidade, a Igreja de Jesus tenha ficado como um dos espaços mais luxuosos da Cristandade. Além dos seus materiais construtivos em que o mármore é a pedra de construção, a Igreja acabou por ser completamente revestida, interiormente, por frescos sumptuosos que aliam pequenos elementos escultóricos, sob a forma de anjos, que se “diluem” em duas dimensões (figura 13.11). É um fresco monumental, a todos os títulos, e foi feito por Giovanni Battista Gaulli e desvendado em 1679, já em plena época barroca. É uma das representações mais bem conseguidas da ascese religiosa, um repto à ilusão dos sentidos.
Figura 13.11 . Tecto da Igreja de Jesus . 1679 . Roma . Giovanni Battista Gaulli 
Outro aspecto interessante desta igreja prende-se com o facto de não ter sido Vignola a projectar a sua fachada principal, tendo cabido a Giacomo della Porta esse feito que, a devido tempo, analisaremos. Foi um dos alçados que mais se repercutiu em inúmeras igrejas.
De Vignola, ainda cabe falar-se, quiçá, do seu maior feito: o Tratado “Regras das Cinco Ordens de Arquitectura”, de que a figura 13.12 reproduz a capa, na sua tradução castelhana.  Foi primeiramente editado em Roma, em 1562.
Figura 13.12 . Capa do Tratado "Regras das Cinco Ordens de Arquitectura" . Tradução Espanhola
O tratado de VIGNOLA, juntamente com os tratados de SERLIO e de PALLADIO, levaram a que a arquitectura italiana começasse a ser difundida pela Europa.

Também é curioso constatar-se que a arquitectura clássica foi o primeiro código arquitectural a ser difundido pelo mundo inteiro, constituindo-se como um código Universal, partindo da Europa e difundindo-se pelos outros Continentes, haja em vista as possessões coloniais europeias.

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GIORGIO VASARI 
"Le Vite de' piu eccelenti ..."

Pintor, arquitecto e escritor, Vasari (1511/74) ficaria famoso pela sua obra "Vite de' piu eccelenti architetti, pittori e scultori italiani...", editado em 1550 e mais tarde reimpresso, em 1580. Este tratado teve uma influência extraordinária na difusão do gosto arquitectónico. 
A grande consideração que Miguel Ângelo tinha pelo seu trabalho foi também um factor da sua difusão.
Figura 13.13 . Frontespício das "Vidas dos mais excelentes arquitectos, pintores, e escultores..."
A sua obra de arquitectura mais conhecida é, sem dúvida, a Galeria dos Ofícios ou sejam as Logge Vasariane, em Florença. Foi pensada para aí se instalarem os escritórios - "Ufizzi", para uso dos Magistrados, em número de treze. 
Mais tarde se construiria, no último piso, um corredor arquitectónico (fig. 13.14) de ligação entre a Praça da Senhoria, na margem direita do Rio Arno, e o Palácio Pitti, na margem esquerda do rio, começada em 1560 e terminada em 1584, já por Bernardo Buontalenti. 

Figura 13.14 . Corredor VASARIANO . Florença . 1560/84 . Giorgio Vasari . Bernardo Buontalenti
Esta ligação em corredor, protegendo os Medici de intempéries ou de possíveis encontros "não desejados", tem cerca de um quilómetro de extensão. 



A arquitectura da Galeria dos Ufizzi é um espaço muito sui generis, e é de uma beleza fora de série (fig. 13.15), começando por estas duas características: 

1) a "praça-rua" que liga a Praça da Senhoria à margem direita do Rio Arno, e
2) o porticado - "loggiato architravato" 

O porticado que Vasari desenvolveu, foi talvez o primeiro desta natureza em espaço público. Normalmente os pisos térreos abertos eram resolvidos por arcadas, como por exemplo Brunelleschi havia feito no Hospital dos Inocentes, a escassa distância destas galerias.

Figura 13.15 . "Galleria degli Uffizi" . Perspectiva sobre a margem do Arno . Florença . 1560/84. Giogio Vasari
A figura 13.15 destaca a perspectiva dirigida sobre a margem esquerda do Arno, numa proposta de visão diafragmada, tão cara ao Maneirismo, como a visão diafragamada sobre Mântua que Giulio Romano propunha no Palazzo del Te. O alçado que "encerra" essa perspectiva é realizado por uma dupla serliana, de planos paralelos, destacando-se o forte entablamento que percorre os três lados da "praça-rua". O piso que se lhe sobrepõe também se abre em serliana, mais reduzida pois que está inserida apenas no tramo correspondente à abertura em arco. Este arco repete-se nos tramos laterais, enquadrados pelas lesenas duplas. Também com o ritmo a b a remata superiormente este alçado interior um andar rasgado em janelas quadriculadas iguais às dos outros dois alçados.

A face "exterior" deste alçado (figura 13.6) mais curto das Galerias insere-se como mais uma edificação, na margem do Arno, ainda que constituindo um edifício que se destaca das construções adjacentes, onde uma serliana se impõe.
Figura 13.16 . "Galleria degli Uffizi" . Vista da margem direita do Arno . Florença . 1560/84. Giogio Vasari
Os dois lados iguais e longos, que conformam este espaço rectangular das galerias, são constituídos por alçados iguais e, portanto, simétricos, em relação ao eixo da rua. São de uma elaboração extremamente sofisticada (figura 13.17), porque extremamente simples, ainda que também de extrema delicadeza nos seus componentes.
Figura 13.17 . "Galleria degli Uffizi" . Alçado dos lados maiores . Florença . 1560/84. Giorgio Vasari 
Cada alçado divide-se em dez tramos compostos dividindo-se cada um, por sua vez, em três tramos. A separar estes dez tramos insere-se um pilar que constitui um "falso" tramo, cego.  Cada tramo composto por três tramos é dividido por lesenas, simplificando-se, deste modo, a complexidade e o "barulho" que resultaria se os tramos se separassem por pilastras, de qualquer das cinco ordens. A profusão de capitéis e bases seria um tanto perturbadora num espaço tão estreito, num espaço que, na realidade, é uma rua.
Analisando, agora, cada tramo maior, a tripartição do piso térreo é feita com o recurso ao dórico - "... più sicuro e più fermo dagl'altri" -  entre os pilares cuja largura é dada por um nicho que se destinava a albergar uma estátua. Consagrar-se-ia, assim, a memória dos mais notáveis florentinos. No entanto, a concretização deste desiderato, através da estatuária, só se viria a efectivar na primeira metade do século XIX.

Sobre todo o piso térreo assenta um ático-dado, aparentando um ático-piso, na medida em que se alojam três janelas, uma cega no meio de duas abertas. Estas aberturas destinam-se a proporcionar a entrada de luz nas logge, numa solução assaz insólita e engenhosa, conforme se poderá observar na figura 13.18. É dos espaços urbanos mais bem conseguidos pela maturidade de conhecimento da Arte de Arquitectura em que a serenidade se alia ao saber interpretar cânones e reinventar-se sem alardes. É também esta característica de serenidade uma das vertentes do Maneirismo. 
Figura 13.18 . "Galleria degli Uffizi" . Interior da loggia . Florença . 1560/84. Giorgio Vasari
O ático que encima o piso térreo é dividido em tramos por mísulas de pouco relevo onde parece receberem o peso das lesenas que dividem os tramos. As janelas, de molduras simplificadas, alternam os seus frontões sendo o curvo entre os triangulares.
O piso superior tem cada um dos vãos preenchidos por uma rectícula de doze elementos abertos que se apoiam numa guarda cega, também dividida pelas lesenas.

a seguir (6JUN19):
18
ANDREA PALLADIO
O ARQUITECTO INTEMPORAL

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