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6JUN19
ANDREA PALLADIO

O ARQUITECTO INTEMPORAL 

Cabe agora falar de um outro arquitecto, talvez o arquitecto mais genial da arquitectura CLÁSSICA, segundo muitas e preciosas opiniões: Andrea di Pietro della Gondola (1508/80), isto é Andrea, filho de Pietro della Gondola. Foi cognominado de Palladio, pelo Conde Gian Giorgio Trissino, honrando-o com o nome da deusa Pallas Athena.
Palladio foi um dos primeiros arquitectos, apenas arquitectos, não se conhecendo inclinações pictóricas ou escultóricas como era frequente entre quase todos os seus antecessores. 

Das pesquisas efectuadas no sentido de se conhecer a sua obra, que de antemão já se sabia ser vasta, ressaltam mais de oito dezenas de objectos arquitectónicos. São de atribuição segura, de atribuição problemática, de somente projectos ou simples desenhos de peças que não se efectivaram arquitectonicamente. São também, algumas, obras que não foram completadas por ele ou que se danificaram e foram depois modificadas. 
Foi deveras uma figura notável de projectista que viria a influenciar o mundo inteiro, sem dúvida também pela difusão notável que teve o seu Tratado “Os Quatro Livros de Arquitectura”, que viria a ser traduzido em várias línguas, e que serviu como vocabulário e gramática de inúmeros arquitectos, por séculos de influência. 
No Livro II - Capítulo XII, nas considerações sobre a escolha dos sítios para a implantação das villePalladio acaba dizendo, numa tradução livre, o seguinte:
"A cidade não é senão uma grande casa e, pelo contrário, uma casa de campo é uma pequena cidade."
Figura 18.1 . Villa Godi (Planta e Alçado principal) . 1537/39 . Lonedo di Lugo di Vicenza . Andrea Palladio . 
O regresso à “Terra Ferma” que os Venezianos tiveram que encetar quando Veneza deixa de ter o monopólio dos produtos de luxo do Oriente, teve em Palladio um notável intérprete da realidade dos seus comitentes. A Villa Godi (figura 18.1) é uma das suas primeiras obras, casa, de planta bem conformada a valores geométricos de relações específicas matemáticas e significativas, mesmo em termos esotéricos. 

O seu alçado principal (figura 18.2) revela, no entanto, algumas alterações ao projecto inicial da figura 18.1. As janelas de uma pressuposta cave, marcada no desenho, deixaram de ser pequenos postigos e passaram a ser janelas rectangulares de alturas iguais às do segundo piso e ligeiramente mais largas. 


Figura 18.3 Villa Godi (Fachada principal) . 1537/39 . Lonedo di Lugo di Vicenza . Andrea Palladio . 
Piso este de entrada marcada por três arcos, com a escadaria com a mesma largura do arco central e, escadaria essa ladeada por dois arcos, no piso térreo, dando réplica aos dois arcos do andar de cima. As janelas do terceiro piso são quadradas, obedecendo ao desenho. 

O corpo central, que no projecto era cego à excepção da arcaria tripla da entrada, deixou de o ser, ostentando duas janelas iguais às do mesmo piso dos corpos extremos e avançados e, além disso, deixou de ser muito mais alto como também estava projectado. Outra diferença está no número e janelas ter passado de três para quatro, sendo as duas do meio quase geminadas. 

Chamo a atenção para o desenho-conteúdo da moradia, propriamente da zona de habitar. Pode dizer-se que ela se divide em 4+2+4 compartimentos, sendo os dois do meio iguais em área, e maiores do que os outros oito, também estes iguais entre si. No prosseguimento do estudo das casas de Palladio, ver-se-á a evolução do jogo geométrico entre os compartimentos até se chegar à Villa Capra, como um culminar de uma pesquisa surpreendente do significado – CASA.

O pátio de recepção dos convivas (figura 18.3), o pátio para a arrecadação e trabalho de produtos da terra e a fruição do campo privado, com um pátio semicircular com acesso para esse jardim privado foram concebidos como um éden .
Figura 18.3 . Villa Godi (vista para o jardim) . 1537/39 . Lonedo di Lugo di Vicenza . Andrea Palladio
Villa Valmarana Bressan (figura 18.4), em Vigardolo, foi encomendada por dois primos e para alojar as respectivas famílias. Duas salas em comum, com uma entrada também comum através de uma serliana. 
Figura 18.4 . Villa Valmarana Bressan . Vigardolo . Alçado principal e planta . 1542 . Andrea Palladio 
O alçado principal é bastante invulgar, não só por conter apenas três aberturas pomposas para edifício tão breve, mas, principalmente, por ter um remate em empena sofisticada dada pelo espessamento das partes laterais que sustentam uma cornija que se interrompe ao centro, sobre o tramo da entrada, ligeiramente mais recuado. As rampantes, expressam-se com a mesma cornija do pseudo-entablamento (interrompido). O tímpano, assim dado, funde-se com o pano de parede central, desenhando uma empena. 
Figura 18.5 . Villa Valmarana Bresson . Vigardolo . 1542 . Alçado principal . Andrea Palladio 
Acontece que, ou já em obra, ou porque Palladio assim determinou, o alçado resumiu-se a três panos, com o central ligeiramente mais recuado, e sem qualquer indício de dois “meios-entablamentos” (figura 18.5). Para além disso, no pano central e sobre a serliana rasgam-se uma janela quadrada, pequena e, por cima desta, um óculo ainda mais reduzido, os dois em nada contribuindo para o equilíbrio que o projecto patenteava. 
No entanto, o interesse por esta esta casa reside mais pela composição da sua planta (figura 18.4) que se divide em 6 blocos, assim distribuídos: a metade frontal tem 2 + 1 + 2 compartimentos e a metade tardoz tem 1 + 31 compartimentos. Estas subtilezas matemáticas encerram-se num quadrado perfeito. 

De 1548, sensivelmente, data a Villa Saraceno, na Província de Vicenza. A villa foi projectada com as duas grades barchesse, como Palladio propunha, quase que sistematicamente para as ville na terra ferma. No entanto, neste caso, esses volumes subsidiários da casa não chegaram a construir-se, em tempos de Palladio. A única que hoje existe data do século XIX, não nos interessando, portanto, para o fim em causa. 
É digno de registo a planta da casa (figura 18.6), mais uma vez, 1 + 1 + 1, na frente da casa, e 1 + 3 + 1 na zona tardoz. Este 3, no entanto, é constituído por um salão grande com duas pequenas salas inclusas. 
Figura 18.6 . Villa Saraceno . Planta . 1548 . Província de Vicenza . Andrea Palladio 
O alçado principal (figura 18.7)é de um requinte excepcionalmente bem conseguido, uma composição de uma tranquilidade e, em simultâneo, de uma eficácia de linguagem quase sem “adjectivações”, pois que a substantivação é praticamente suficiente. 
Figura 18.7 . Villa Saraceno . Fachada principal . 1548 . Província de Vicenza . Andrea Palldio 
A fachada assenta sobre um pódio, traduzindo a cave, com janelas baixas, sobre o qual se desenvolve uma faixa que enlaça todo o corpo do edifício. Sobre esta faixa desenvolve-se um ático-base, com a altura aproximada à da metade da altura do pódio, rematado também por uma faixa, mais estreita do que a que remata o pódio. 
A fachada divide-se em três partes, três panos de parede, com a parte central ligeiramente avançada em relação às laterais. O corpo central abre-se em arcaria tripla, assente sobre dois pilares centrais e duas pilastras que fazem a transição para as duas zonas parietais laterais. A marcação da ordem é totalmente simplificada, remetida a uma base que não passa de uma faixa, faixa essa que se repete significando os capitéis. As flechas de cada arco são marcadas por aduelas salientes que vão fundir-se num friso, também não sendo mais do que uma faixa que se prolonga para as paredes laterais e contorna todo o edifício. 
Sobre o ático-dado assentam duas janelas, uma em cada pano de parede, janelas essas de moldura extremamente simples, rematadas por frontões triangulares. Na mesma direcção das janelas, e num ático-piso, abrem-se janelas quadradas, emolduradas em cartela. Imediatamente sobre o rebordo destas janelas assenta uma cornija arquitravada, mutulada, que percorre todo o entorno do edifício, para além de também configurar os frontões que coroam as duas faces maiores e salientes. 
Figura 18.8 . Villa Saraceno . Alçado tardoz . 1548 . Província de Vicenza . Andrea Palladio 
O alçado tardoz (figura 14.8) também se revela de uma extrema contenção formal, repetindo-se as molduras horizontais, sendo as janelas apenas encimadas por padieira rectas, coroadas por uma cornija lisa. Na correspondência dos três arcos frontais, neste alçado abre-se apenas uma porta ladeada por duas janelas. Acima destas duas janelas do andar nobre, abrem-se outras duas janelas, iguais às dos panos recuados, todas as quatro envolvidas em cartelas simplificadas, iluminando o ático-piso, iguais à do alçado principal. 
Esta casa é um exemplo paradigmático da arquitectura de Palladio. A sua mestria em dizer muito, falando tão pouco. Não fora o frontão e a cornija arquitravada, que percorre o perímetro do edifício, e pode dizer-se que este edifício é INTEMPORAL. 
Figura 18.9 . Villa Saraceno . Corte pelo centro da casa, mostrando o alçado parcial de uma barchessa 
A figura 18.9 mostra o alçado previsto para as frentes das barchesse. Um porticado dórico, enobrecendo os edifícios de apoio à agricultura.
Figura 18.10 . Villa Saraceno . Vista do Salão . Andrea Palladio
E o salão central, peça importante na vida de sociedade, repercute volumetricamente a geometria planimétrica: a sala de planta quadrada a que se subtraíram dois paralelogramos.

Cabe agora a vez da Villa Pojana ou Poiana, nos outrora arredores de Vicenza (figura 18.11). Das poucas vilas que visitei, esta deixou-me uma impressão indelével. Não sei se pelo despojamento, não sei se pela linguagem depurada, sem no entanto trair os fundamentos, não sei se pela tranquilidade que Palladio assumiu na simplificação e na mensagem da intemporalidade da sua arquitectura.
Figura 18.11 . Villa Poiana . Alçado principal . 1537 . Pojana . Andrea Palladio
A composição apresenta três panos de parede, solução recorrente, como vimos, abrindo-se o corpo central em cinco vãos rectangulares mais cinco óculos, estes não abertos, apenas refundados. Os vãos dos extremos são janelas iguais às dos panos laterais: molduras extremamente simplificadas e apenas uma cornija com a inclinação de 45º e sustentada por mísulas. Por baixo abrem-se fendas respeitantes à cave e, em cima, janelas quadradas denunciando um mezanino. De referir que estas três aberturas, alinhadas verticalmente têm a mesma largura.
O pano central abre-se numa porta tripartida, resultante de uma serliana extremamente sofisticada pela sua simplicidade: apenas pilares, com uma faixa por base, e sem qualquer arremedo de capitéis. Mais, estes pilares estão ligados a pilastras, rigorosamente iguais volumetricamente, e ligadas aos extremos do pano de parede. Encimam estes pilares e pilastras um lintel com as mesmas dimensões de largura e de espessura dos elementos verticais. Acima destes dois Us invertidos, uma faixa interrompe-se para dar espaço ao arco do tramo central da serliana. Este arco, denunciado por uma moldura simples, está separado por outro arco exterior e, entre os dois arcos, abrem-se cinco óculos cegos. Desenho mais insólito em temas renascentistas dificilmente se encontra.
O pódio divide-se em três faixas com a do meio reentrante, assim como também o ático-piso onde assentam as janelas.

E o que dizer-se do coroamento do pano central? Não existe entablamento para conformar o frontão, logo temos um remate em empena. Mas, subtilmente, as rampantes começam sobre um pequeno arranque de entablamento. Poderá ser um subterfúgio para se anunciar uma pilastra, como a mancha amarela na figura 18.12 sugere?
Figura 18.12 . Villa Poiana . Alçado tardoz . 1537 . Pojana . Andrea Palladio

Figura 18.13 . Villa Poiana . Alçado tardoz . 1537 . Pojana . Andrea Palladio

O alçado tardoz repete o mesmo esquema do principal, apenas incluindo quatro janelas ladeando o arco da serliana, também idêntica à da frente, e fechando os tramos rectos da serliana por meio de janelas mais baixas do que as que as ladeiam. Solução original, ou modificada?
Antes de terminar de falar da Villa Poiana, dois aspectos, "diametralmente" opostos: 
O magnífico pórtico de entrada, visto de dentro, como mostra a figura 18.14,
Figura 18.14 . Villa Poiana . Átrio - pronao . 1537 . Pojana . Andrea Palladio

e as cozinhas, como mostra a figura 18.15.
Figura 18.15 . Villa Poiana . Cozinha . 1537 . Pojana . Andrea Palladio
Tendo em conta a época de que estamos falando, Palladio aventurou-se por soluções extremadas. Em janelas de alçados principais, por exemplo, prescinde de qualquer espécie de molduras, como em Badoer, ou emprega molduras extravasando o pano de parede a que correspondem ou, ainda, prescinde de todo e qualquer elemento estruturante, apenas o assinalando pontualmente como acontece na fachada principal da Villa Pojana (figura 18.13), datando de menos 20 anos do que a Villa Badoer. 

Embora repetindo-me, talvez tenha sido a villa que mais me fez admirar este grande arquitecto: renascentista, maneirista, pró-barroco? Penso que Palladio ultrapassa qualquer classificação, porque redutora.
a seguir (20JUN19):
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As VILLE Paladianas

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