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20JUN19
As VILLE Paladianas 
pórticos TETRASTILO e HEXASTILO

Na Villa Chiericati-Rigo, em Vancimuglio, dos inícios de 50, Palladio “experimenta” uma fachada antecedida por um pronao, em tetrastilo (figura 19.1). Olhando bem para a fachada principal desta casa, poder-se-ia dizer que a Villa Saraceno estará, aqui, transformada na sua composição tripartida, dando o maior relevo majestático ao pórtico de entrada, avançando em relação à parede da casa. O embasamento é um pódio com as janelas da cave sem qualquer moldura, sobre o qual assenta o corpo principal da casa que se rasga em janelas emolduradas, encimadas por cornija recta e, como segundo estrato, rasgam-se janelas num ático-piso extremamente baixo. O pronao, qual pequeno “templo”, com colunas jónicas, é rematado superiormente por um entablamento que suporta um frontão denticulado. 
Figura 19.1 . Villa Chiericati-Rigo . Fachada principal . 1550 . Vancimuglio . Andrea Palladio
Sobre o frontão erguem-se três acrotérios encimados por estátuas, bem como nos cunhais do quadrilátero da casa, sobre o telhado. A planta (figura 19.2), também obedecendo a um eixo de simetria rigoroso, conforma-se em 3 + 1 + 3, no que respeita aos cómodos interiores. É de notar que até as escadas interiores são duplas, enfatizando ainda mais a simetria especular.
Figura 19.2 . Villa Chiericati-Rigo . Planta do piso térreo . 1550 . Vancimuglio . Andrea Palladio

Pela observação do corte transversal (figura 19.3) se poderá notar as diferentes alturas dos compartimentos, obedecendo o conjunto das medidas volumétricas, largura, comprimento e altura a proporções determinadas e em harmonia, conforme sempre propunha Palladio. Nada era deixado ao acaso, a relação entre as medidas tinha que ter um sentido. Quer geométrico, quer esotérico. A medida era transversal ao conhecimento do Mundo. É de reparar, ainda, que a sala de entrada é abobadada, no sentido do eixo de penetração, contrastando com o salão que se desvenda em cubo. Geometrias elementares e efeitos espectaculares.

Figura 19.3 . Villa Chiericati-Rigo . 1550 . Corte longitudinal . Vancimuglio . Andrea Palladio

E entre 1557/63 ergue-se a Villa Badoer (figura 19.4), na província de Rovigo, no Veneto, como, aliás, quase todas as vilas de Palladio.
Figura 19.4 . Villa Badoer . Alçado principal . 1557/63 . Rovigo . Andrea Palladio

O pronao deu origem a um pórtico majestoso, hexastilo, que se pronuncia um pouco em relação à fachada da casa, proporcionando um espaço de recepção com frescos nas paredes e tecto de traves elaboradas. Quanto à fachada, ela revela-nos um mesmo pódio com as janelas da cave nas partes laterais, simplesmente rasgadas sem qualquer tipo de moldura – nesta época, somente alguém genial poderia dar-se a este luxo de não aprimorar vãos - e sobre estas janelas, num ático-piso, as janelas do referido ático singelamente marcado com apenas uma faixa ressaltando da parede. Estas janelas têm uma moldura simplificada e, o que é mais interessante, esta moldura extravasa o próprio ático, invadindo a parede abaixo dele. Contrastando com estas simplificações, Palladio desenvolve uma loggia jónica como se fora um “templo” hexastilo, com um frontão denticulado assente sobre um entablamento com os seus respectivos componentes. Ainda num olhar mais atento sobre a fachada pode ver-se que o ressalto sobre a fachada, que constitui o ático, pode ser lido como a arquitrave que compõe o remate do corpo da casa, uma cornija arquitravada. É sublime esta contracção de meios que dá pleno significado à cornija denticulada que percorre todo o perímetro.

Figura 19.5 . Villa Badoer . Vista do conjunto . 1557/63 . Rovigo . Andrea Palladio

Pela observação da vista aérea (figura 19.5) e da planta (figura 19.6), vê-se que as barchesse estão desligadas da casa, contrariamente aos demais exemplos, e são em quartos de círculo, “abraçando” os convivas, tal como o Templo de Augusto ou, ainda, como nos haveriam de dar as casas senhoriais barrocas.

Figura 19.6 . Villa Badoer . Planta parcial do piso principal . 1557/63 . Rovigo . Andrea Palladio
A planta da casa apresenta-se também dividida em duas partes no sentido do eixo longitudinal, só não rigorosamente simétricas porque Palladio insere apenas uma escada no lado esquerdo, e não duas, como se viu na Villa Chiericati-Rigo. Fora esta inclusão das escadas, que são enclausuradas num compartimento, a distribuição dos cómodos é rigorosamente simétrica em relação ao eixo de entrada.
Figura 19.7 . Villa Badoer . 1557/63 . Rovigo . Barchessa do lado esquerdo . Andrea Palladio

A figura 19.7 mostra duas imagens que reflectem a barchessa esquerda e, do lado esquerdo, o começo do percurso em direcção à casa e, do lado direito, a desembocadura da escada de acesso ao patamar de cima de onde, por escadaria, se acede à entrada da casa.

É de fazer reflectir sobre as propostas arquitectural e arquitectónica de Palladio. Se, por um lado, propõe uma casa de luxo para o seu proprietário, por outro lado não descura as acomodações para serventuários nem tão pouco para a armazenagem de víveres e alfaias agrícolas.
Figura 19.8 . Villa Badoer . 1557/63 . Rovigo . Corte axial . Andrea Palladio
O desenho da figura 19.8, um corte axial da casa, reforça a relação de separação  assumida entre a casa e as barchesse.

Na Villa Emo, é de salientar, Palladio abandona as barchesse apostas perpendicularmente à casa e alinha-as pelo eixo transversal da moradia, terminando em torres nas extremidades, conforme ilustra a figura 19.9. Estas torres eram destinadas a pombais. A planta (figura 19.10) e o alçado reforçam bem esta linearidade não costumada nos seus projectos. A planta da casa apresenta-se em 3 + 3 + 3 compartimentos, sendo o central dividido em três, dois dos quais se destinam a caixas de escadas.
Figura 19.9 . Villa Emo . Vista geral . 1559/65 . Treviso . Andrea Palladio

Figura 19.10 . Villa Emo . Planta e alçado principal. 1559/65 . Treviso . Andrea Palladio
A casa, propriamente dita, é constituída por um corpo que se eleva sobre um pódio alto, com janelas rectangulares deitadas, sem qualquer tipo de guarnição. Sobre este pódio, um estereóbata de duas faixas, eleva-se uma superfície que remata num friso de duas faixas, parecendo dar réplica aos de baixo.  
Nestas superfícies laterais abrem-se duas janelas rectangulares estreitas e altas, sobre as quais se abrem outras muito baixas, parecendo ter metade da altura das janelas da cave/pódio (figura 19.11). É de salientar que as três janelas estão alinhadas e têm a mesma largura. O tramo central é, à semelhança da Villa Chiericati-Rigo, mais uma vez, um tetrastilo de colunas possivelmente dóricas (parece, no entanto, que pertencerão à ordem toscana, dado que não apresentam equinos). Sobre as colunas eleva-se um expressivo entablamento e respectivo frontão, de feição simplificada, contrastando com uma certa exuberância do grupo escultórico do tímpano.

Figura 19.11 . Villa Emo . Fachada principal . Treviso . 1559/65 . Andrea Palladio
Figura 19.12 . Villa Emo . Barchessa . Treviso . 1559/65 . Andrea Palladio

Os alçados das barchesse da Villa Emo (figura 19.12) são de uma extrema simplicidade. São arcarias sobre pilares com as bases constituídas por faixas lisas, com o dobro da altura das que formam também os capitéis, numa simplificação da linguagem clássica que Palladio tanto utiliza a seu bel-prazer. Simplificação ou depuração mas, sobretudo, extremadas!


A Villa Foscari (1560/65) ou, mais conhecida como "La Malcontenta" foi a resultante de uma encomenda da notável família Foscari, com um palácio de seu nome também, em Veneza, e destinada simplesmente a casa de férias e não casa, também de lavoura, como as outras vilas eram.
A planta (figura 19.13) do piso nobre é de uma simetria quase perfeita, não fora a volumetria do espaço que contém a escada principal ser diferente do seu equivalente do lado oposto. É uma planta de 3+1+3 compartimentos todos eles ligados entre si através do conceito de enfilade, de umas salas para as outras. Esta planta repete a divisão da Vila Chiericati-Rigo, acima mostrada, diferindo essencialmente na forma do salão central, sendo na Foscari o salão cruciforme.
Figura 19.13 . Vila Foscari - La Malcontenta - 1560/65 . Mira - Veneto . Andrea Palladio
Notabiliza o seu alçado principal, voltado para o rio, um pórtico hexastilo (figuras 19.14 e 19.15) de colunas jónicas, pórtico esse assaz algo profundo, com a largura igual à proporção de 2/5, derivada dos intercolúnios da frontaria. Uma escadaria em L, de cada lado, de três lanços, começando o primeiro apenas com três degraus, o número pitagórico tão estimado no Renascimento. O pórtico alça-se sobre um podium com a altura possibilitando um piso onde se alojaria o pessoal serventuário, bem como arrumos e outras dependências. A fachada correspondente ao podium é de uma extrema lisura, sem qualquer espécie de ornamento: as  janelas mais pequenas que as outras duas de cada lado abrem-se "cruamente" tal como a porta de entrada. Um embasamento espesso e escalonado envolve todo este piso térreo.
O piso nobre apresenta duas janelas nos extremos das paredes laterais e mais duas entre estas e a entrada para a casa. Este piso assenta sobre uma base estratificada e é coroado por um entablamento com os seus três componentes. Sobre este entablamento assenta um piso superior em escala relativa mais parecendo um mezanino. Sobre o telhado irrompe um outro piso baixo, reduzida a sua superfície a uma água-furtada coroada por um frontão triangular que, de uma certa maneira, empola o frontão maior que coroa o pórtico de entrada.
Figura 19.14 . Vila Foscari - La Malcontenta - Desenho da fachada principal. 1560/65 . Mira - Veneto . Andrea Palladio
É bastante curioso que os "estilóbatas"  onde assenta toda a casa e onde assenta o corpo principal e, ainda, a arquitrave e a cornija do entablamento sejam realizados em tijolo, bem como os fustes das colunas do hexastilo da entrada, conforme mostram as figuras 19.14 e 19.15.
Figura 19.15 . Vila Foscari - La Malcontenta -Fachada principal. 1560/65 . Mira - Veneto . Andrea Palladio
No universo arquitectónico de Palladio, esta casa parece causar uma certa estranheza devido ao tratamento arquitectónico de aparente desigualdade de linguagens entre a fachada principal e a fachada tardoz, voltada ao jardim. É apenas aparente mas subtilmente concebida. O entablamento interrompido que suporta o frontão posterior que, tal como o da frente, se formaliza com cornijas arquitravadas, assenta sobre uma parte de parede que ressalta ligeiramente do paramento do resto da casa. Este paramento rasga-se em cinco aberturas, formando as três do meio uma janela termal que vai dar ainda mais ênfase ao frontão, pois que "rompem" o entablamento e invadem parte do tímpano. E estes cinco vãos dão réplica aos cinco intercolúnios do alçado principal.
Figura 19.16 . Vila Foscari - La Malcontenta -Fachada tardoz. 1560/65 . Mira - Veneto . Andrea Palladio
O tratamento das paredes é deveras curioso procurando imitar uma estereotomia onde o contorno dos rasgamentos se destaca. De facto, os arcos "rectos" parecem ser suportados por arcos cegos desenhados apenas por perfis rectilíneos.


Ainda que de autoria INCÓGNITA, a Vila Grimani Molin (figura 19.17), dos anos 70 do século XVI, em Frata Poligine, bem perto da Vila Badoer, não deixa muito à imaginação para se detectar a origem do seu desenho...

Figura 19.17 . Vila Grimani Molin - Frata Poligine. anos 70 sec. XVI . autor desconhecido
a seguir: (4JUL19)
As VILLE Paladianas - as duas "jóias da coroa"

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