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16JAN20
Gian Lorenzo Bernini  (II) . Arquitecto e Escultor Magistral



Em simultâneo com a igreja de Castelgandolfo, Bernini, em 1658, dava início à igreja de Santo André no Quirinal, encomenda do Cardeal Camillo Pamphili e destinada aos noviços da Ordem Jesuíta.

A planta desenha uma oval mas com o eixo maior no sentido transversal do espaço da igreja, e o eixo menor no sentido da penetração. Dito apenas deste modo, daria a impressão de que quem entrasse no espaço desta igreja, estaria logo junto ao altar. Mas, Bernini consegue uma proeza admirável: Antepõe, à entrada, um pronau semicircular convexo. A "Capela-Mor", que não é mais do que apenas um nicho, é um semicírculo que "escava" a parede fronteira à entrada. E, para que o efeito de contrariar a largura ser maior do que o comprimento, nos topos do eixo maior antepõe pilastras. Assim, o eixo de penetração - a azul, é maior do que o eixo transverso - a vermelho, como se pode ver na figura 34.1.
Figura 34.1 . Sant'Andrea al Quirinale . Eixos da planta  oval . Gian Lorenzo Bernini
A igreja insere-se num lote algo estreito e pouco profundo e, talvez como consequência, a atitude de Bernini nos dar esta "inversão de valores", contrariando o eixo de penetração num espaço sagrado. Ou, então, numa atitude limpidamente barroca, provocar-nos a ilusão dos sentidos de apropriação do espaço, centralizando-o. Aliás, como veremos, esta disposição da oval no sentido da sua menor largura, enquanto espaço de penetração, será a mesma de que Bernini se servirá na praça da basílica de São Pedro.

O alçado da igreja de Santo André tem um desenho algo estranho, na medida em que a convexidade do volume da igreja é apenas ligeiramente "contrariado" por um muro de pouca altura, com a curvatura côncava. No entanto, o jogo dos contrários barrocos aí está presente.

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Figura 34.2 . Chiesa Sant'Andrea al Quirinale . Alçado principal . 1658/70 . Roma
Gian Lorenzo Bernini
O corpo da igreja, no seu perímetro exterior eleva-se como um tambor oval. Por sua vez, a cúpula insere-se também num tambor (figura 34.3) não transparecendo a sua forma normalmente conotada como cúpula no exterior. Este segundo tambor exterior é mais estreito do que o referente à nave e descarrega sbre esta através de volutas, de forte expressão, quase lembrando os arcos botantes góticos. Entre estas volutas-pilares rasgam-se as janelas que iluminam o interior. No desenho da figura 34.3 também se verificará as dimensões desta obra-prima de arquitectura. O eixo maior da planta oval é igual à altura desde o chão até ao início do lanternim, portanto na proporção 1:1.
Figura 34.3 . Chiesa Sant'Andrea al Quirinale . Corte transversal . 1658/70 . Roma . Gian Lorenzo Bernini
Assim, o que se salienta, numa rua relativamente estreita, é o grande pórtico da entrada, ladeado por pilastras compósitas sustentando um frontão triangular de cornijas iguais à cornija que remata o entablamento do pórtico (figura 34.4). Este, por sua vez, enquadra um pronau de planta circular, convexa, apoiado em duas colunas coríntias que sustêm um entablamento de cornija arquitravada sobre a qual se erguem duas volutas tridimensionais sustendo uma coroa sobreposta ao brasão dos Pamphili. Esta solução de "invasão" do espaço público insere-se na mesma opção de Pietro da Cortona, na sua igreja de Santa Maria della Pace.

Figura 34.4 . Chiesa Sant'Andrea al Quirinale . Fachada principal . 1658/70 . Roma
Gian Lorenzo Bernini
Ainda que de desenho mais requintado, a edícula que constitui o portal da igreja parece filiar-se no portal da igreja de Santa Bibiana, também em Roma, conforme mostrado no capítulo 33.
O interior da igreja insere-se bem na magnificência barroca. A figura 34.5 mostra o lado extremo da sua largura marcada pela pilastra que é ladeada pelas duas capelas abertas em arco pleno que, por sua vez, são ladeadas por outras porticadas, sobre as quais se erguem tribunas. Esta foto também nos revela o sistema de iluminação natural com as janelas termais atrás dos altares das capelas, bem como as janelas do tambor da cobertura.

Figura 34.5 . Chiesa Sant'Andrea al Quirinale . Interior - vista do alçado do Evangelho 1658/70 . Roma . Gian Lorenzo Bernini
A planta (figura 34.6) mostra bem a complexidade aparentemente simplificada de uma oval a que se acrescentam oito capelas, a Capela-Mor e ainda o pequeno átrio da entrada.

Como nota curiosa, nesta igreja Bernini usa mármores que transmitem às superfícies envolventes bem como aos elementos tectónicos a riqueza dos minerais que os compõem. Para além dos reflexos das partes douradas, junta-se a policromia da superfície edílica. É um grande contraste com as duas igrejas de Bernini que já havíamos visto, bem como é uma antítese da obra de da Cortona bem como de Borroini, no que respeita à materialização das superfícies interiores.

Figura 34.6. Chiesa Sant'Andrea al Quirinale . Planta . 1658/70 . Roma . Gian Lorenzo Bernini
A Capela-Mor é de uma complexa articulação. O pórtico que a enquadra tem planta circular, reentrante, côncava, fazendo o contrario do pronau de entrada que é convexo. Este gesto ainda mais faz acentuar o caminho maior até ao altar. Por outro lado, esta curvatura côncava afasta mais o crente, tornando ainda mais inalcançável o âmago da igreja. 
Acentua toda esta conjugação de geometrias o facto de, por cima da ara, o tecto se rasgar, numa outra oval (figura 34.7), facilitando uma iluminação suplementar. A miríade de putti e anjos que "flutuam" através deste rasgo é complementada pela grande profusão de outros putti que se congregam por toda a cúpula e principalmente no lanternim.
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Figura 34.7. Chiesa Sant'Andrea al Quirinale . Tecto da Capela-Mor . 1658/70 . Roma . Gian Lorenzo Bernini
Por cima do altar, rasgando o frontão da edícula, está a estátua de Santo André (figura 34.8), subindo aos céus, e uma quantidade inumerável de anjos e homens nus, representando pescadores, tal como Santo André, irmão de São Pedro, "pescadores de almas". 
Figura 34.8 . Chiesa Sant'Andrea al Quirinale . Tecto da Igreja. 1658/70 . Roma . Gian Lorenzo Bernini
Mais uma vez se pode apreciar a constância da formalização da cúpula berniniana, no que respeita à concepção estruturante, denunciando as aduelas, ainda que elas não cheguem a tocar no entablamento que separa a zona celestial da zona terrena e se concentrem na oval superior, que sustenta o lanternim. Esta cúpula, no entanto, difere das outras três já vistas, na medida em que é repartida em dez panos, em vez de oito, sendo os dois respeitantes ao altar e à entrada mais largos.
Figura 34.9 . Chiesa Sant'Andrea al Quirinale . pormenor de putti . 1658/70 . Roma . Gian Lorenzo Bernini
A figura 34.9 mostra um pormenor de três putti brincando com uma guirlanda frente aos caixotões hexagonais que conformam os panos entre as aduelas, um desenho constante nas cúpulas de Bernini. Na figura 34.10, também se espraiando na cornija, se podem ver os pescadores.
Figura 34.10. Chiesa Sant'Andrea al Quirinale . Pormenor dos pescadores . 1658/70 . Roma
Gian Lorenzo Bernini

Figura 34.11 . O "Rapto de Proserpina" . 1622 . Gian Lorenzo Bernini
Mas, de Bernini, nunca é demais a contemplação da sua estatuária. No "Rapto de Proserpina" (figura 34.11), do início da década de 30, ele dá-nos a compleição da pele feminina de um modo notável, parecendo quase impossível o mármore transformar-se em carne bem como em enervamento das mãos do raptor...

No campo da arquitectura civil, também Bernini se distinguiu. Começando por dar a continuidade ao Palácio Barberini, onde estagiaram também Borromini e da Cortona, O alçado do Palácio de Montecitorio, em Roma, deve-se a ele, e é uma edificação um tanto estranha na medida em que o alçado principal se desenvolve em cinco planos que, não sendo alinhados num plano ou em planos paralelos, se adossa a cinco planos que, na sua implantação, perfazem ângulos obtusos, parecendo tratar-se antes de um alçado convexo. É uma resolução algo estranha mas que é devida ao querer estabelecer-se a ligação entre as direcções da fachada sul da Piazza Colonna e a da Via degli uffici dei Vicario. Porque não um alçado curvo, poder-se-ia indagar. Assim, Bernini estabelece um alçado em cinco planos (figura 34.12), e em cinco tramos a b c b a, a que correspondem, na mesma ordem, 3 - 6 - 7- 6 - 3 janelas.
Figura 34.12 . Palácio Montecitorio . Fachada principal . Roma . 1650 . Gian Lorenzo Bernini
É constituído por três estratos, divididos por frisos estriados e rematados por um entablamento em cujo friso se rasgam janelas pequenas, como se fossem apenas postigos. Os tramos são separados por pilastras coríntias, sendo as que contêm o pano principal pilastras triplas, sobrepostas.
Remata este alçado um ático dividido em sete partes, relacionadas com os vãos do terceiro estrato-piso e, encimando as três centrais, uma edícula rasga-se para conter uma sineta. Para um alçado barroco, somente a época em que foi projectado é que parece confirmar a datação.

Mas a grande proposta para um palácio barroco viria Bernini a ter, vinda de Luís XIV, o Rei Sol (figura 34.13), através do seu ministrou plenipotenciário Jean-Baptiste Colbert. O projecto destinava-se a completar o grande carré do Palácio do Louvre, para o qual Bernini desenhou a fachada nascente.

Figura 34.13 . Busto de Luís XIV . Mármore . 1665 . Gian Lorenzo Bernini
Figura 34.14. Planta do piso térreo do Palácio do Louvre . Paris . 1665 . Gian Lorenzo Bernini


A figura 34.14 mostra a planta do piso térreo do carré do palácio do Louvre e a solução da frente nascente que a figura 34.15 mostra. No entanto, esta solução foi substituída pela da figura 34.16
Figura 34.15. Fachada Nascente do Palácio do Louvre (I) . Paris . 1665 . Gian Lorenzo Bernini
Figura 34.15. Fachada Nascente do Palácio do Louvre (II) . Paris . 1665 . Gian Lorenzo Bernini
Nem uma nem outra nem uma terceira foram as escolhidas, tendo ficado postergada a solução que veio a ser desenhada pelo francês Claude Perrault.
Tanto numa solução como noutra, o alçado vibraria com as ondulações já plenamente barrocas no que diz respeito ao movimento próprio da época.

Razões de ordem não artísticas estiveram na base da recusa dos desenhos de Bernini, a que um ideal de francofilia não andou ausente. Apesar da fachada do Louvre, de Perrault, tal como se efectivou, ser também um desenho excepcional, Paris, no entanto, ficou sem uma obra de Bernini, sem uma obra verdadeiramente barroca, dado que a França sempre se "recusou" ao Barroco, preferindo-lhe o seu Classicismo.


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Gian Lorenzo Bernini  (III) . Arquitecto e Escultor Magistral

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