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30JAN20
Gian Lorenzo Bernini (III) . Arquitecto e Escultor Magistral


Bernini também, tal como havia feito Carlo Maderno, projectou duas torres para remates laterais da fachada de São Pedro (figura 35.1), no Vaticano, substituindo o desenho de Maderno. Bernini propunha-as mais avançadas do que as de Maderno. De qualquer forma as torres acabaram por não ser construídas, devido a problemas técnicos. De facto, uma das torres, que se construiu entre 1638 e 1641, teve de ser demolida dada a característica do solo argiloso não aguentar o peso. Este facto era um dos argumentos que Borromini utilizava para desacreditar Bernini como arquitecto.
Figura 35.1 . Basílica de São Pedro . Vaticano . Desenho da proposta de Gian Lorenzo Bernini
Finda a experiência de Bernini de erguer a torre, Alexandre VII encomendou-lhe a praça e a colunata que "haveria de abraçar os fiéis".
Se a praça não for a maior do mundo, torna-se, pelo seu significado, como a maior do mundo e, acima de tudo, como o "grande abraço" da Santa Madre Igreja.
A clarividência de Bernini foi de um gesto arquitectural sem par. Tal como havia feito na pequena igreja de Santo André ao Quirinal, utiliza a forma oval e também no sentido do seu eixo maior contrariar o natural encaminhamento. Mas, mais uma vez, o desenho complexo contraria esta aparente contradição. A entrada na praça far-se-ia através de duas ruas, a nascente, facto que foi contraditado com a abertura da larguíssima avenida da Consolação, que destruiu a "surpresa" que o crente teria, aquando da sua chegada à praça; a poente, a oval -  piazza obliqua - abre-se para uma segunda praça trapezoidal - piazza retta - , contrariando a perspectiva alongada (figura 35.2). Mas, o chão desta segunda praça é em suave rampa em subida para os degraus da igreja que, assim, ainda mais alta parece ser.
Figura 35.2 . Piazza Retta e Piazza Obliqua . Gian Lorenzo Bernini

Na realidade, a forma da praça, qual amplexo fraternal, é de uma magnificência fora de tudo quanto se possa imaginar como cenário urbano. Cada braço é realizado por 208 colunas, dispondo-se em 12+20+12+20+12, correspondendo cada grupo de 12 às extremidades e ao centro, e os grupos de 20 às partes entre esses pontos especiais. Tendo a "profundidade" de 4 colunas, o resultado que se conta é de 416 colunas, na totalidade da oval.

Os topos iniciais da colunata, desenham-se em pórticos de três tramos, a b a, sendo este pórtico salientado em relação à sequência da colunata, e tendo pilares nos extremos. A ordem das colunas é a dórica e o entablamento corresponderá a uma ordem simplificada, ática, com a arquitrave em duas faixas e a cornija denticulada.

Figura 35.3 . Topo sul da Piazza Obliqua . Gian Lorenzo Bernini

Alexandre VII, o Papa comitente, não se fez esquecido para a Eternidade, mandando apor o brasão da sua família, Chigi, sobre os topos dos frisos dos pórticos que pontuam os meios dos dois braços.

Figura 35.4 . Topo sul da Piazza Obliqua . Gian Lorenzo Bernini
Figura 35.5 . Brasão de Armas da Família Chigi

A divisa dos Chigi, "Micat in Vertice" ou seja, traduzindo livremente, "Brilha no Vértice", não só aparece neste monumento como também numa obra de Borromini, como veremos.

O caminhar entre as colunas dos braços que conformam a praça é uma experiência arquitectónica digna de registo, tal a concentração de elementos verticais e tal a transparência que se apercebe entre essas mesmas colunas feitas de travertino (figura35.6), o mármore extraordinariamente texturado de que muitos monumentos são feitos, em Itália e, nomeadamente, em Roma.

Figura 35.6 . Colunata da Piazza Obliqua . Gian Lorenzo Bernini

Este espaço urbano com a componente "diáfana" envolvendo a oval, bem como os edifícios que envolvem a área trapezoidal e a fachada da basílica são também como que "pedestais" para a centena de estátuas de Cristo, dos Apóstolos, de Santos e ainda de fundadores de Ordens Religiosas, como a figura 35.7 nos revela. Por muito que se saiba já sobre esta praça, esta figura revela-nos a escala imensa do construído quando o comparamos com o tamanho das pessoas!

Figura 35.7 . Colunata do ladoNorte da Piazza Obliqua . Gian Lorenzo Bernini


Se é verdade que os limites da praça são infinitamente surpreendentes, na minha opinião, discutível, bem entendido, o que mais me surpreende nesta gigantesca obra onde parece não haver nada por realizar para a consagração de uma ideia faustosamente barroca, são os dois edifícios que ladeiam, de um lado e de outro a piazza retta.

Com efeito, sendo o pavimento inclinado, numa subida para os degraus de acesso à basílica, os edifícios que concretizam os lados têm janelas que, aparentando serem rectangulares, são quadriláteros de ângulos agudos e obtusos, com as padieiras e os peitoris paralelos ao chão, repito, inclinado. A figura 35.8 mostra este notável feito arquitectónico que, para ser devidamente observado, requer alguns momentos mais atentos.

Figura 35.8 . Braço Norte da Piazza Obliqua . Gian Lorenzo Bernini
Figura 35.9 . Extremidade do Braço Sul da Piazza Obliqua . Gian Lorenzo Bernini
E a figura 35.9 reforça essa visão. Atente-se bem nas padieiras e peitoris das três janelas e também na direcção do entablamento deste corpo e veja-se a falta de paralelismo entre as molduras "horizontais" das janelas bem como na direcção do entablamento da parede com a direcção do entablamento do início da colunata.

Em vez de duas aberturas de acesso à praça oval, conforme o projectado por Bernini e conforme Giovan Battista Falda retrata o projecto definitivo para São Pedro com o terceiro braço, num desenho de 1667 (figura 35.10), a praça ficou com uma única abertura, a Via da Consolação, contrariando o efeito surpresa desejado por Bernini.


Figura 35.10 . Praça de São Pedro . Gian Lorenzo Bernini . Desenho de Giovan Battista Falda

Na solução final, a praça abre-se num espaço muito grande (figura 35.11), tirando o efeito primeiro como idealizado por Bernini.
Figura 35.11 . Praça de São Pedro . Vista desde Nascente . Gian Lorenzo Bernini 
A vista em direcção à basílica, em contraponto com a vista em direcção à entrada axial da praça (figura35.12).
Figura 35.12 . Praça de São Pedro . Vista desde Poente . Gian Lorenzo Bernini 
Mas Bernini também foi pintor excelente. De 1627 data a pintura retratando Santo André e São Tomás (figura 35.13).
Figura 35.13 . Santo André e São Tomás . 1627 . Gian Lorenzo Bernini 
Figura 35.14. "Alma Abençoada" e "Alma Danada) - bustos . Gian Lorenzo Bernini 

Ainda na escultura, as imagens da "Alma Abençoada" contrastando com a "Alma Danada", como a figura 35.14 nos revelam.

Mas, para além das representações de gente famosa, em bustos e para além de um busto retratando Jesus Cristo, coube a Bernini o embelezamento de um antigo circo romano transformado na Piazza Navona, talvez o chamado "coração" de Roma.Vários edifícios notáveis conformam esta praça.entre os quais e talvez o mais notável a igreja de Sant'Agnese in Agone, obra de Carlo Rainaldi e depois completada por Borromini. A Bernini foi encomendada uma fonte dividida em três bacias de água, situando-se a central quase em frente à fachada de Sant'Agnese. Apesar das "más-línguas" dizerem que seria uma vingança de Bernini esconder a fachada da igreja, tal não se verificou, e o obelisco e a fonte centrais estão efectivamente deslocados, deixando a contemplação da fachada incólume, conforme se verifica vendo a figura 35.15.
Figura 35.15 . Piazza Navona
Figura 35.16. Piazza Navona . Desenho de Giovanni Battista Piranesi



Cada bacia de água tem os seus motivos esculpidos, sendo o central o mais importante, retratando os Quatro Rios do Éden, referidos na Bíblia: Pison, Geon, Tigre e Eufrates (Genesis 2, 10–14).

Para além da beleza indiscutível dos conjuntos escultóricos, o que mais impressiona, provavelmente, é o facto de o mármore encarnar o Homem, o animal, o vegetal e, ainda, um panejamento sobre o qual se senta a figura humana e a recriação do brasão de armas do Papa; até aqui, nada mais do que o habitual, sendo a pedra esculpida para esse efeito de se "trasmutar". 

Figura 35.17. "Os Quatro Rios do Éden" . Gian Lorenzo Bernini 


Mas o que é absolutamente surpreendente é o facto de o mármore bruto, natural, ter sido esculpido para se transformar novamente em pedra bruta, quiçá ainda mais bruta do que a que a natureza oferecia. É um fenómeno barroco, por excelência, como a figura 35.17 nos revela!

Entre 1671 e 1678, Bernini esculpe o monumento funerário de Alexandre VII (figura 35.18), o Papa Chigi cujas armas se apõem ao entablamento que remata a edícula.
Figura 35.18. Túmulo doPapa ALexandre VII . Gian Lorenzo Bernini
Será o último trabalho de Bernini que, três anos depois morre, em 1680. As quatro estátuas femininas simbolizam as virtudes, em mármore branco, bem como a representação do Papa. O manto vermelho é em jaspe  siciliano e a imagem da morte, o esqueleto bramindo a ampulheta, é em bronze dourado.
O nicho do conjunto estatuário é encimado por meia cúpula que repete os motivos favoritos que Bernini usou nas igrejas que projectou.

Conta-se, porventura com alguma verosimilhança, que Bernini, ao começar na sua agonia de morte, lhe paralisou a mão direita. Teria dito, então, algo semelhante a: "já que tanto trabalhaste, tens direito a ser a primeira a descansar..." Verdade ou mentira e em jeito de homenagem, aqui fica a imagem de uma mão (figura 35.19) de uma das suas esculturas magníficas (São Longuinho).

Figura 35.19. São Longuinho (pormenor) . Gian Lorenzo Bernini
Depois de se ter falado da obra de dois dos três grandes arquitectos barrocos, Pietro da Cortona e Bernini, todos pupilos de Carlo Maderno, iremos agora ver a obra de Francesco Borromini, arqui-rival de Bernini. Embora sendo o mais novo dos três, foi, no entanto, o primeiro a morrer.
E, na transição para o próximo capítulo, aqui fica  registada esta composição (figura 35.20) em que os dois rivais estão retratados. Em primeiro plano está Bernini com a praça de São Pedro servindo-lhe de veste e algumas das suas estátuas, e em segundo plano Borromini com a escadaria do Palácio Spada, como veste, e a espada com que ele próprio pôs termo à vida.
Figura 35.20. Gian Lorenzo Bernini e Francesco Borromini
a seguir: (13JAN20)

Francesco Castelli - BORROMINI (I)

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