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FRANCESCO CASTELLI  -  BORROMINI (I)



Francesco Castelli nasceu em Bissone, hoje na Suiça italiana, em 1599. Aos vinte anos foi para Roma onde mudou o seu nome para Francesco Borromini. Este apelido era da família da mãe. Também segundo alguns autores, a adopção de Borromini por este apelido ficou a dever-se à proximidade linguística com Borromeu, o Cardeal milanês que acabava de ser canonizado. 

Em Roma haveria de morrer, em 1667, na sequência de suicídio, tendo-se arremessado contra uma espada.



No início da sua actividade, Borromini trabalhou sob a orientação de Carlo Maderno, ainda seu parente, nas obras do Palácio Barberini onde também trabalhou, e acabou por ser o continuador de Maderno, Gian Lorenzo Bernini. Deste palácio já foi mostrada a escada de planta quadrada do palácio, bem como a escada helicoidal de Borromini de que a figura 36.1 mostra um pequeníssimo pormenor em que o arquitecto homenageia a Família Barberini com a aposição de abelhas nos capitéis das colunas que sustentam a escadaria.
Figura 36.1 . Escadas helicoidais do Palácio Barberini - pormenor dos capitéis . F. Borromini
No mesmo palácio, deve-se ao engenho de Borromini as janelas do ático da fachada da rua, quais cartelas, onde se constata já o "vórtice" do seu engenho ao "tridimensionar violentamente" as padieiras (figura 36.2). Com efeito, as padieiras rectas projectam-se para fora dos vãos, a 45º, sendo interrompidas por meio arco abrigando uma concha. Este conjunto projectante sobrepõe-se a uma guirlanda de folhas que abraçam, em orelhas, o topo das ombreiras.
Figura 36.2 . Janelas do Palácio Barberini - F. Borromini

Em 1634, Borromini recebe a encomenda para projectar o convento dos Trinitários Descalços, uma ordem sem grandes recursos. O local, localizando-se num cruzamento de grande relevo em Roma, o cruzamento da Strada Felice com a Strada Pia, onde se implantam as Quatro Fontes, era, no entanto, bastante pequeno. A obra, majestosa no seu engenho, ganharia tal fama que se tornou um dos principais focos de atracção de Roma. Com efeito, a sua implantação (figura 36.3) e o desenho quer do claustrim (pelo seu tamanho, só assim se pode apelidar o claustro) quer da igreja são de uma inventiva notáveis.
Figura 36.3. Convento de São Carlos Borromeu . 1634/66 . Planta do Convento . F. Borromini
Começando pelo claustro, podemos ver que a sua implantação privilegia o rectângulo com os ângulos chanfrados, tornando-o num octógono irregular. No piso térreo os ângulos rectos são substituídos por curvas convexas e no segundo piso por lados a 135º, conforme bem demonstra a figura 36.4. Como também revela as pequenas dimensões que a presença dos dois jovens confirma.
Figura 36.4. Convento de São Carlos Borromeu . 1634/66 . Claustrim . F. Borromini
A ordem ática do piso térreo é encimada por um friso arquitravado que se funde nos respectivos ábacos. O piso superior, com colunas dóricas, tem, no entanto, os capitéis derivando de octógonos sobre os quais se desenvolve uma cornija arquitravada.
Figura 36.5. Convento de São Carlos Borromeu . 1634/66 . Balaustrada do 2º piso do claustrim . F. Borromini
Outra característica deste espaço é a engenhosidade da balaustrada criada por Borromini. Com efeito, ele usa somente uma única espécie de balaustre, de secção triangular (figura 36.5), colocando-os alternadamente para cima e para baixo, obtendo-se uma "transparência" bastante pronunciada e com a capacidade de reflexão de luz pouco habitual.

O Convento foi chamado de São Carlos em honra a San Carlo Borromeo, arcebispo de Milão que foi canonizado. Ficou, no entanto, a ser conhecido como de San Carlino dada a sua pequenez, que a figura 36.6 confirma, comparando a implantação da igreja e do claustro com um dos quatro pilares que suportam a cúpula de São Pedro do Vaticano. O desenho das plantas encontra-se à mesma escala. Há historiadores que atribuem as quatro fonts às Fontes do Paraíso.
Figura 36.6. Planta de um dos quatro pilares da cúpula de S. Pedro do Vaticano e planta do Conventinho
A igreja tem uma planta deveras intrincada e por muitos referenciada como desenhando uma elipse. No entanto, dever-se-á a uma oval que é "cingida" em quatro pontos que, com uma certa dose de imaginação, definem a entrada, duas capelas laterais - cruzeiro - e o altar-mor.
Figura 36.7. Convento de São Carlos Borromeu . Planta da Igreja . 1634/66 . Claustrim . F. Borromini
E nestes pontos de "aperto" abrem-se portas e altares. Este espaço tão pequeno é cingido por 16 colunas quase-isentas que suportam um entablamento de forte expressão, com os seus elementos constitutivos, que corre ao longo de todo o perímetro, separando a "zona terrena" da "zona celestial".
As colunas, da ordem coríntia, têm dois tipos de capitel (figura 36.8). As que sustentam as partes rectas do entablamento têm as volutas enrolando-se de fora para dentro, inversamente ao enrolamento habitual, de dentro para fora, como as colunas que sustentam as partes curvas do entablamento. Mesmo em pequenos detalhes Borromini excedia a imaginação mais fértil.
Figura 36.7. Convento de São Carlos Borromeu . Colunas do interior da Igreja . 1634/66 . Claustrim
F. Borromini
O tecto deste espaço pequeno e tão complexo também é digno de registo pelo imbricado da sua génese. Sobre a entrada e o altar-mor, bem como sobre as "capelas laterais", e sobre o entablamento desenvolvem-se quatro calotes, semicirculares e semi-ovais, respectivamente. Estas quatro calotes, por sua vez, sustentam a calote ovalóide, máxima, que também descarrega o seu peso sobre quatro pequinas. É de salientar que apenas oito colunas têm a sua "continuação" para a calote maior, e outras oito colunas apenas enquadram o altar-mor, a entrada e as "capelas laterais".
Figura 36.8. Convento de São Carlos Borromeu . Tecto da Igreja . 1634/66 . F. Borromini
A calote principal é resolvida com uma textura tridimensional, com cruzes gregas, octógonos e hexágonos irregulares, de grande relevo, perfazendo a totalidade da ovóide (figura 36.8). Esta calote é penetrada pela luz através de quatro lanternins e pelo lanternim central, também de recorte oval.

Para alguns historiadores, Borromini ter-se-ia influenciado pelos mosaicos do pavimento do mausoléu de Santa Constança (figura 36.9) para a decoração da cúpula. Verdade ou não, não deixa de ser fantástica a semelhança dos jogos geométricos.
Figura 36.9. Mosaicos do pavimento do Mausoléu de Santa Constança

Figura 36.10. Convento de São Carlos Borromeu . Pormenor da iluminação directa e do tecto da Igreja . 1634/66 F. Borromini
A admissão de luz no seu interior também foi tratada com desvelo por Borromini, enfatizando a "zona celestial" com luz forte (figura 36.10), em contraponto com a "zona terrena" menos iluminada.

Esta obra prima ficou a ser conhecida em toda a Europa e tornou-se um ponto de atracção para muitos a quem arte da arquitectura não era indiferente.
Figura 36.11. Convento de São Carlos Borromeu . Corte transversal da Igreja e do claustrim . 1634/66
F. Borromini
A figura 36.11 mostra bem, através do corte transversal, a relação da largura, cerca de 16 metros, com a altura do espaço religioso de cerca de 32 metros, até ao topo da cúpula e início do lanternim, bem como a relação do claustrim com a igreja, já acima mostrada apenas em planta. Para um espaço tão contido em dimensões, quanto "devaneio criativo" se revelou.
Também é digna de registo a cripta da igreja (figura 36. 12), onde se apreciará o recorte do seu perímetro altamente individualizado, registando o espaço superior da igreja, numa simplificação extrema (no corte, acima representado, não está desenhado este espaço).
Figura 36.12. Convento de São Carlos Borromeu . Cripta . 1634/66
F. Borromini
Depois de ter acabado esta obra, alguns anos se passariam até que a fachada da igreja fosse completada. Entretanto, outras obra de Borromini foram sendo erguidas, de que daremos notícia. Acontece que a fachada de San Carlino foi a sua última obra, no entanto, falaremos dela já a seguir, deixando para outros capítulos a mostra de outras obras suas.

A fachada de San Carlino Alle Quaro Fontane - a última obra de Francesco Borromini

A figura 36.13 mostra, lado a lado, o desenho do projecto e a fotografia da realidade. Claro está que, na foto, dada a estreiteza da rua, a Strada Pia, o ângulo de visão somente permite alcançar a torre do lado do Evangelho, não representada no desenho do alçado.

Esta fachada introduz um “movimento ondulatório permanente” devido às superfícies côncavas e convexa dos tramos a a’ a. Efectivamente, os tramos são iguais em largura, facto que não permite dividir a fachada em a b a. Os tramos a são constituídos por superfícies côncavas, como secções cilíndricas, tanto no primeiro estrato como no segundo. 
Figura 36.13. Convento de São Carlos Borromeu . Alçado e Fachada . 1666
Francesco Borromini . Bernardo Borromini
O tramo a’ é constituído por uma secção cilíndrica convexa, no primeiro estrato e, no segundo, a secção cilíndrica da parede é côncava, mas a edícula central resolve-se num cilindro convexo, enfatizando a convexidade inferior. Os tramos são divididos por colunas monumentais. 
A ordem destas colunas é algo difícil de classificar. Com efeito, Borromini, ao inverter o enrolamento usual das folhas de acanto, e também simulando-o, como já o tinha feito no interior, cria uma ambiguidade que só mesmo um artista barroco se atreveria a tanto.
No entanto, parece que atribuir-se-lhes a adjectivação de compósitas não se errará muito. Os tramos a apresentam um soco sobre o qual assentam as colunas. Separam os estratos um entablamento ondulante como ondulante, como não poderia deixar de ser, também é o ático-dado que, a meio, se transforma numa balaustrada. 
Figura 36.14. Convento de São Carlos Borromeu . Pormenor da fachada do segundo piso do primeiro estrato
1666 . Francesco Borromini
A figura 36.14 corresponde ao segundo nível do primeiro estrato e é também sintomática do trabalho de Borromini. Além dos capitéis das colunas serem sui-generis e rebuscadas, a imagem de San Carlo Borromeo está inserida num nicho que é guardado lateralmente por dois Hermes alados, dois querubins, com as asas perfazendo quase que um arco conopial e olhando os dois para o mesmo lado contrário ao lado para que São Carlos olha.

O segundo estrato, tal como o primeiro perfazendo a ordem monumental, apresenta uma solução de extrema novidade que consiste numa espécie de edícula, porém, negativa, ou seja, convexa, ao invés das concavidades que geralmente apresentam: a porta de acesso à varanda encontra-se encastoada num cilindro de base oval, tal como numa oval se origina a planta da igreja (figura 36.15).
O entablamento superior cria um efeito extremamente persuasivo, com os seus três elementos côncavos, sendo o do meio bastante “escondido” pela aposição de um medalhão elíptico. Este medalhão que remata superiormente o centro da fachada é obra do seu sobrinho, Bernardo Borromini, dado que o arquitecto já havia morrido. Este medalhão teria sido pintado a fresco, facto bastante insólito para poder ser atribuído a Borromini. 
Não é possível não se falar da delicadeza com que Borromini desenhou o friso e a "sustentação" da cornija, com pequenas e delicadas métopas curvilíneas, quais peanhas intercaladas com pequenas rosáceas.
Figura 36.15. Convento de São Carlos Borromeu . Segundo estrato da fachada . 1666
Francesco Borromini . Bernardo Borromini
Por último, antes de deixar San Carlino, de vez, talvez o facto mais empolgante, a ser verdade, é a leve torção que Borromini deu à fachada para que o alçado pudesse ser lido mais distendido e não reduzido pela perspectiva, devido à estreiteza da rua, conforme se pode averiguar pelo desenho da planta da fachada (figura36.16) sobre a Strada Pia.
Figura 36.16. Convento de São Carlos Borromeu . Desenho da planta da fachada . 1666 . Francesco Borromini 
Uma coisa digna de registo é, no entanto, a grande proximidade formal entre a fachada de Borromini e a de um dos sepulcros de Petra (figura 36.17 ), na actual Jordânia, embora haja a certeza de que, à época, Borromini não teria conhecimento deles dado que somente foram descobertos no século XX, segundo afirma Anthony Blunt.
Figura 36.17 . Sepulcro em Petra
E, por fim, esta igreja, com quase quatro séculos de existência ainda tem a capacidade de deslumbrar os que sentem a arquitectura como uma das coisas mais transcendentes que o génio humano foi capaz de realizar. Assim o entendeu Mario Botta, o arquitecto italiano que lhe dedicou este monumento que consta de uma réplica, feita de madeira (figura 36.18), à beira do Lago Lugano, em Bissone, terra natal de Francesco Borromini.
Figura 36.19 . Monumento a Francesco Borromini . San Carlino alle Quattro Fontane . 1999 .Bissone
Mario Botta
a seguir:(27FEV20)
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BORROMINI (II)

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