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26MAR20
BORROMINI e seus seguidores: GUARINO GUARINI (I)
No campo da arquitectura doméstica, Borromini teve um projecto para o palácio Carpegna que seria para ampliação do palácio Vaini, já existente. Dos vários estudos que fez, destaco estas quatro versões em que se pode testar as várias hesitações/propostas (figura 39.1), mormente no que respeita ao pátio central, entre o rectângulo e a oval, a figura tão estimada no barroco. Uma última proposta visava a construção de uma praça oval que desenharia a fachada Nascente do palácio e o lote em frente, retirando a um e a outro espaço, mas propondo uma praça para a própria cidade, à custa de partes das propriedades privadas.
Figura 39.1 . Palácio Carpegna . 4 hipóteses de projecto - planta do piso térreo . Francesco Borromini |
Das hipóteses que foram imaginadas, Borromini haveria de escolher a mais próxima da primeira da segunda fila da figura 39.1, com o pátio grande rectangular e o oval mais pequeno.
Mas do palácio somente se concretizaria a admissão ao pátio com uma decoração deveras fora de qualquer contexto usual, conforme se pode ver na figura 39.2, onde há uma razão para o arco "invertido" que, assim, esconde a face inferior da laje das escadas.
Figura 39.2 . Palácio Carpegna . Porta da galeria Francesco Boromini |
Mas talvez o mais importante para a História da Arquitectura seja o alçado que ele previu (figura 39.3), com a separação entre os cinco vãos centrais maior do que a separação entre todos os outros vãos da fachada, relembrando a fachada do Palácio Mattei di Giove, da autoria de Carlo Maderno (capítulo 28 - 24OUT19), mas em que a maior distanciação de janelas se fazia nos dois extremos da fachada. Olhando para a quarta solução proposta (figura 39.1), este alargamento entre as janelas centrais poderia sugerir, no exterior, a elipse ou oval do pátio mais pequeno...
Figura 39.3 . Palácio Carpegna . Alçdo principal . Francesco Borromini |
Para o Papa Pamphili, Borromini ainda haveria de contribuir com a realização de alguns elementos construtivos, tendo ficado o salão principal do Palácio da família Pamphili, junto a Sant'Agnese in Agone como a peça mais emblemática da sua intervenção.
Mas da arquitectura civil haveria de ficar mais célebres duas intervenções de Borromini.
Uma, a abertura de uma loggia superior e respectivo terraço, no Palazzo Falconieri, um remate esbelto, com recurso a três serlianas de tramos rectos muito curtos. Esta parede (figura 39.4), no entanto, corresponde a uma terceira camada de superfície, retraindo-se em relação às quatro colunas e aos seis colunelos que tridimensionalizam o plano da fachada. O uso destes colunelos remetem-nos uma vez mais para o "goticismo" borrominiano. Goticismo no sentido em que as referidas colunas que ladeiam as externas (como que colunelos), não obedecem às proporções clássicas.
Figura 39.4 . Loggia superior do Palácio Falconieri. Francesco Borromini |
A rematar esta parede e por sobre os empuxes das colunas Borromini coroou-os com os célebres merlões "miguelangelescos" sobre os quais assentam as cabeças de Janus (figura 39.5), o deus de duas caras.
Figura 39.5 . Terraço da loggia superior do Palácio Falconieri. Francesco Borromini |
A segunda intervenção de monta foi a escadaria do Palácio Spada, uma verdadeira obra de trompe l'oeil, no seu mais profundo significado, e para a qual Borromini se socorreu de um amigo, que era profundo conhecedor de matemática, para que a ilusão fosse perfeita. A figura 39.6 mostra o corte axial da escadaria e a planta.
Figura 39.6 . Escadaria do Palácio Spada . Corte e planta . Francesco Borromini |
A figura 39.8 mostra a verdadeira grandeza do fundo da galeria. É também desta galeria Spada a imagem que ilustra o título deste blog - Veracidadeversusverosimilhança (este teria sido o título verdadeiro, se o site destes blogs aceitasse o ç. Dado que não aceitou, passou a ter o título de Veracidadeversusmentira).
Figura 39.7 . Escadaria do Palácio Spada . Perspectiva axial . Francesco Borromini
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Borromini foi um personagem detestado e vilipendiado pelos seus contemporâneos. O seu feitio também não seria de molde a contar com muitas amizades, quer pela sua irascibilidade, quer como consequência da busca da sua verdade no campo da arquitectura. Arquitectura que ele estudava sem cessar, mesmo seduzindo-se também pela arquitectura islâmica, para além da gótica. A arquitectura borrominiana está impregnada do seu espírito incansável na busca de significantes.
E, ao deixarmos o capítulo sobre a obra de Borromini, invoco um seu pensamento trazido ao conhecimento por um dos seus maiores estudiosos, Paolo Portoghesi:
"É estranho como o sofrimento de quem cria e constrói uma coisa se transforma em alegria para quem a observa!"
Como seguidores de Francesco Borromini, apontam-se Guarino Guarini e, já distanciado no tempo, Bernardo Vittone.
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GUARINO GUARINI (I)
Guarini nasceu em 1624, em Modena, e morreu em 1683, em Milão. Foi padre teatino, filósofo e matemático. De 1679 data o Palácio dos Nobres, Palazzo dei Nobili, de que nos ocuparemos no capítulo próximo.
De 1679, e também em Turim, o Palácio Carignano é uma das jóias barrocas, por excelência. Foi das últimas obras de Guarini e a mais elaborada da arquitectura civil. A figura 39.9, representando a planta do edifício, põe em evidência as duas fases da construção, diferidas no tempo, dado que a fachada sudeste (figura 39.10 e no topo da figura 39.9) só foi concluída já no período neo-clássico.
A fachada principal, a fachada noroeste (figura 39.11), de frente para a Praça Carignano (a de baixo, na figura 39.9) e as fachadas do pátio, o "cortile", são de Guarini.
A fachada noroeste, como se pode bem aferir através da leitura da planta, segue a movimentação da escadaria dupla que, por sua vez contorna a sala oval do piso superior (figura 39.19), não deixando de aludir fortemente, nos sete tramos centrais, à fachada de San Carlino, de Roma, de Borromini.
A figura 39.11a dá outra perspectiva da "borrominiana" fachada de Guarini. O tramo central, convexo e de mármore branco, é encimado por uma meia cúpula de tijolo que, por sua vez, é encimada por um frontão triangular, também convexo. Não deixa de ser notório o desenho da cornija que remata o frontão, aludindo expressamente aos inventados por Borromini para o Oratório de São Filipe de Neri.
Esta fachada, além da ondulação, também tem outros requintes construtivos. É toda construída em tijolo, e aprecie-se o rendilhado das molduras das janelas, patentes na figura 39.12.
Figura 39.11a . Palácio Carignani . Fachada para a Praça Vittorio Emanuele pormenor do centro . Guarino Guarini |
Também o rendilhado das paredes é de admirar. Guarini prescindiu do material nobre - a pedra, traduzindo a sua linguagem num material básico, o tijolo, que foi moldado requintadamente em variadas formas, para se poder coadunar com o desenho intrincado (figura 39.13).
Figura 39.13 . Palácio Carignani . Fachada para a Praça Vittorio Emanuele - pormenor Guarino Guarini |
E a fachada do lado oposto ao da figura 39.10, portanto a fachada sudoeste do pátio (figura 39.15), completa o fechamento da quadra do pátio, com os mesmos dois estratos e ático piso, separados por cornijas arquitravadas e os tramos divididos por pilastras.
Pilastras essas resolvidas por baixos-relevos, como se se tratasse de "passamanarias" de estrelas de oito pontas (figura 39.16) perfazendo pilastras e padieiras.
Figura 39.16 . Palácio Carignani . Pormenor das fachadas Sudoeste e Sudeste do Pátio do Palácio Guarino Guarini |
O interior deste palácio deverá ser digno de registo como mostra afigura 39.17, se bem que deva já ser um arranjo do rocaille, ou seja o rococó, com o recurso a espelhos, Espelhos que, na época, além de autênticas raridades, eram tidas como jóias.
As escadas serpenteantes (figura 39.18) têm um desenho também notável, barroco, onde as colunas de cimascapo estreado e imoscapo liso, assentando sobre pedestais, enquadram medalhões ovais de molduras exuberantes nos seus intercolúnios.
Mas, talvez o mais importante compartimento deste magnífico palácio seja a sala oval (figura 39.19), abraçada pela dupla escadaria sinuosa, onde e realizou a primeira assembleia legislativa Subalpina, em 1821, onde Carlos Albertto de Saboia-Carignano (é interessante a coincidência de este haver nascido no palácio) leu o documento anunciando a Constituição Italiana.
Esta sala situa-se acima do "cortile" (figura 39.20) da entrada, também de planta oval e a que oito pares de colunas gémeas coadjuvam a perfazer o contorno. Colunas sobre pedestais de imoscapo estriado e cimascapo liso, uma opção das superfícies dos fustes contrária às das colunas da escadaria.
Figura 39.20 . Palácio Carignani . "Cortile" da entrada com vista da fachada sudeste . Guarino Guarini |
a seguir: (9ABR20)
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GUARINO GUARINI (II)
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